Sorrio sem mostrar os dentes, os acompanhando até o lado de fora da lanchonete, não ficando para observá-los entrar no HB20 preto.
Rodrigo nunca havia me levado em casa, mesmo com os pedidos dele. O máximo que já o deixei fazer, foi me levar até um determinado ponto no qual dizia ser perto, mas que na verdade, estava mais do que longe.
No ponto de ônibus, espero impaciente o ônibus que precisava para ir para o terminal. Quando finalmente chega meia hora depois, me sento no fundo, colocando meus fones.
Aquela parte da manhã, não era muito movimentada, o que fazia com que o percurso fosse mais calmo. No terminal, o segundo ônibus já estava parado, o que me poupou tempo de espera.
Quando entrei no condomínio em que morava, o sono já começava a se intensificar e pelo horário, já sabia que estaria sozinha em casa. Então depois de um banho e vestir meu pijama, finalmente teria o sono dos justos.
Que naquele dia, não durou muito.
- Bruna! Bruna - A voz insistente de Tati não demora para me acordar, assim como meu corpo sendo sacudido quase rudemente.
Forço meus olhos se abrirem, pegando o celular, acreditando que já havia passado a hora de levantar. Entretanto, ainda faltava três horas para o despertador tocar.
- O que foi? - pergunto sonolenta, sentando na cama.
Na minha frente com as mãos na cintura, Tati me olha, ainda com o uniforme do mercado em que trabalhava.
- Você tem que ir embora daqui.
- Por quê?
- Seu pai vai ser solto amanhã.
Foi necessário apenas aquelas seis palavras para me acordar de vez e trazer como consequência uma ritimia.
Meu pai fora da prisão, era sem dúvida era a retomada de um pesadelo, no qual não tinha chance alguma de sair sem alguma sequela.
Era o que ele fazia de melhor, causar dor, de todas as formas possível e imagináveis, apenas para se sentir bem consigo mesmo.
Meu irmão, André, sempre foi mais esperto, então na primeira oportunidade que teve, fugiu de casa, me deixando para trás.
A situação piorou com a ausência dele, não muito, graças a Tati que me “protegia”, fazendo o papel de mãe que era obrigatoriamente da minha mãe, claro, se ela não tivesse nos abandonado, casado novamente com outro homem e tido mais dois filhos.
Talvez na cabeça dela, deixar duas crianças ainda de menor com uma pessoa evidentemente agressiva e imprudente, parecia ser a melhor escolha, já que no final das contas, era nosso pai.
Mas ela só ajudou ele a criar cicatrizes, tanto em mim, quanto em André.
Depois que ele foi preso cerca de onze anos atrás por causa de droga, acreditei que nunca mais o veria se não fosse atrás das grades. Só que pelo jeito, estava muito enganada.
- Ele vai ficar em condicional - Ela continua - E acho que não vai querer estar aqui.
Claro que não.
- Pra onde eu vou? - murmuro, fixando o olhar no vazio.
- Você não pode ir pra casa de uma amiga?
A única amiga que eu tinha era a Rita e coincidentemente morava com André.
Saio da cama de beliche, indo até o guarda-roupa, onde coloco o máximo de roupas possíveis dentro de uma mochila, deixando para trocar de roupa por último.
- Você sabe que não queria que fosse embora, não é? - diz Tati, sentada na cama de baixo da beliche - Só que se você ficar aqui, não sei nem o que ele é...capaz de fazer.
Tati não estava em posição de madrasta má, pelo contrário, ela foi a melhor coisa que nos aconteceu, quatro anos depois que minha mãe foi embora. Cuidou de nós como se fossemos seus filhos, fez tudo que uma mãe deveria fazer.
E pelo menos eu era grata por isso.
Muitas vezes, para não deixar que apanhássemos, entrava na frente e levava no nosso lugar e no outro dia ainda cuidava de nós com um sorriso no rosto.
O que ela estava fazendo ali, novamente, era apenas me protegendo da pessoa que tinha o dever também de cuidar de mim.
- Vou dar um jeito - murmuro.
- Precisa de dinheiro?
- Não.
- Bruna - Insiste.
Olho para ela no mesmo instante.
- Tenho dinheiro.
Termino de arrumar minhas coisas e sem me despedir, saio de casa.
A medida que andava para fora do condomínio, listava mentalmente os lugares que poderia ficar e a casa de Rodrigo, estava fora de questão.
Não sabia como explicar o motivo pelo qual teria que sair de casa, sem ele não fazer mais perguntas.
Ficar num hotel ou numa pousada, faria com que eu gastasse mais do que deveria, o que sobrou apenas, a casa de André que, ficava numa distância considerável de onde eu morava.
Praticamente André morava no coração de Paraisópolis.
Precisei pegar um ônibus para encurtar o espaço, tendo que dividir o coletivo com alunos de uma escola ali mesmo na comunidade.
Depois que André saiu de casa, só o visitei duas vezes e esperava que ele ainda morasse no mesmo lugar.
Paro em frente a uma casa amarela de dois andares com portão vazado de ferro, batendo palma o mais alto possível.
As luzes no interior da casa, estava ligada e não demorou para que uma figura feminina, aparecesse na janela.
- Bruna? - diz Rita não acreditando, saindo rapidamente da janela e abrindo a porta - Por que não disse que estava vindo?
- Queria fazer uma surpresa.
Rita destranca o portão.
- Tá tudo bem? - pergunta num tom preocupado.
Dou de ombros.
- Não muito. André tá em casa?
- Ele só chega mais tarde. Mas entra aí - Obedeço, contente por pelo menos ser convidada para entrar.
Apesar da casa por fora não parecer muito luxuosa, por dentro tinha objetos caros espalhados por toda parte, começando pela televisão de 50 polegadas.
- Tá na cara que aconteceu alguma coisa e você não quer contar - Ela continua.
- Meu pai sai da cadeia amanhã e preciso de um lugar pra ficar - digo o mais direta possível.
Na cozinha, Rita se move de um lado para o outro, terminando de preparar a janta.- Pensei que nunca mais ele iria sair da cadeia - murmura, lavando alguns utensílios que havia usado.- Parece que não tinham motivos o suficiente para manter ele lá - Suspiro.- Por mim, você pode ficar.- E o André? - Ela se vira para mim.- Ele nem passa muito tempo em casa. Além do mais, você é irmã dele. Contudo já fazia algum tempo que não tínhamos uma certa aproximação. E eu até sentia falta disso. Acabou que Rita cedeu o quarto de hóspedes, que ainda estava sem cama e guarda-roupa. Mas para uma pessoa que só precisava de um lugar para dormir, o colchão de solteiro que ela pegou emprestado com a vizinha até o dia seguinte, ajudou bastante. Depois de jantar com ela, saio da casa em direção ao ponto de ônibus, recalculando mentalmente o tempo que gastaria para chegar na boate. E para meu azar, chegaria atrasada. A maioria dos funcionários já haviam chegado,
De volta para o bar, em meio a todas as pessoas que estavam ali, meu olhar se cruza coincidentemente com o homem misterioso. Fingindo toda a naturalidade do mundo, continuo meu trabalho. Até que ao terminar de fazer um drink e me virar, me deparo com o homem misterioso, sentado de frente para mim.- Quer alguma bebida? - pergunto me aproximando do balcão. Ele ergue o copo ainda pela metade. Assinto, voltando minha atenção para a mulher ao lado.- Trabalha há muito tempo aqui? - Ele pergunta de repente.- Três anos - digo sem parar o que estava fazendo.- E como nunca vi você? Dou de ombros.- Não faço ideia. Ele olha ao redor.- É sempre assim?- Na maioria das vezes - Se ele costumava frequentar a boate, com certeza já sabia disso, mas preferia puxar assunto da forma mais aleatória possível.- Mora por aqui por perto? - Ergo um dos cantos da boca, já tendo uma noção do rumo que aquela conversa estava tendo. Franzo os lábios, os movendo de um lad
Ainda no quarto, ao lado da porta, ouço a conversa tensa que se iniciava.- Quem é essa aí?- Minha...minha namorada - Rodrigo gagueja.- Desde quando?- Um ano. Eu acho - murmura - A mãe sabia. Breve pausa.- Então era dela que a sua mãe estava falando - diz sério - Ela tinha razão em dizer que não havia gostado dela - Ele diminui o tom de voz - Manda ela ir embora antes que ela chegue. O silêncio de Rodrigo, foi o suficiente para tirar minhas próprias conclusões. Não era bem vinda ali e Rodrigo não fazia muita questão em mudar isso. Pego minha bolsa ao lado do guarda-roupa, saindo do quarto antes de ser pedida para me retirar. No meio do caminho, no final do corredor, encontro Rodrigo e o pai que, automaticamente dão um passo para trás para que eu passasse.- Já tô indo - murmuro. Rodrigo desvia o olhar de mim para o pai rapidamente, antes de me olhar novamente e me seguir.- Levo você, Bruna.- Não precisa - Continuo a andar, ouvindo-o logo atrás.-
O trajeto até a casa de André, é feita em completo silêncio ou quase, já que tocava uma música do pen drive. O silêncio dele, só me deixava ainda mais encucada. Rita veio ao nosso encontro quando nos ouviu entrar na casa, secando a mão num pano de prato, enquanto em frente ao seu corpo havia um avental com o corpo de uma mulher de biquíni estampado.- Mulher, onde você se meteu? Tava preocupada com você - diz me olhando.- Passei num lugar depois que sai do trabalho - André sobe os degraus da escada, mantendo seu silêncio - Ele é sempre assim agora? Rita continua a olhar para a escada, mesmo depois de André ter sumido de vista.- Se tornou um homem de poucas palavras - Ela me olha - Mas ainda tem um bom coração. Tinha minhas dúvidas se ainda havia um coração dentro de André. Ele me parecia tão distante. Rita volta para a cozinha, se movendo com agilidade, dividindo sua atenção em ver as panelas e cortar temperos.- Quer ajuda?- E desde quando você sabe
Quarenta minutos depois, ouço uma buzina em frente da casa. Praticamente voou escada abaixo, quase me encontrando o fim dela, tentando controlar o nervosismo antes de sair. Rodrigo terminava de trancar o carro quando me aproximo do portão. Assim que me vê, um leve sorriso surge em seu rosto.- Você acredita que nunca vim aqui?- Nunca veio em Paraisópolis? - Não era algo que precisava para ter surpresa, já era esperado. Só era preciso fingir surpresa.- Não - Ele continua sorrindo, olhando ao redor - Mas é melhor do que imaginava. Está longe do que imaginei.- E... como você imaginava? - pergunto cruzando os braços.- Um lugar hostil e perigoso. Talvez por ter crescido naquele lugar, não o considerava o inferno, muito menos o céu. Era um lugar, assim como os demais, que tinha certo periculosidade e infelismente, já nos sentíamos fadados à isso.- Mas parece ser tranquilo aqui - Ele volta a me olhar - Faz muito tempo que seu irmão mora aqui?- Faz - digo sem pensa
- Gozei - diz sem fôlego, dando um beijo em meu ombro. Solto o ar dos pulmões, me afastando dele, procurando minha roupa.- Percebi.- Você não gozou não? - Tenciono meu maxilar, vestindo a roupa.- Quando eu estava pra gozar, você não deixou.- Pensei que íamos gozar junto. Balanço a cabeça de um lado para o outro. Estava prestes para rebater ele, quando ouvi a porta da frente abrir num barulho alto, o que me fez levantar com o coração acelerado, imaginando que deveria ser meu pai. Assustada, encaro a porta do quarto fechada, incapaz de me mexer.- Você ouviu? - Rodrigo pergunta, se vestindo. Assinto.- Ouvi.- E não vai lá ver? - Olho para ele. Até aquele momento, eu morava ali, então era eu que tinha que ir, não é? Prestes a abrir a porta, ouço passos vindo para o segundo andar. Me detenho, sentindo todo meu corpo gelar, até que ouço o bater de uma porta e concluo que não deveria ser meu pai e sim Rita ou até mesmo André. Abro
- Não para de pressionar! - digo praticamente em cima do volante, numa velocidade perigosa para alguém que claramente não sabia o que estava fazendo.- E você presta atenção na rua - diz ele tencionando o maxilar. Eu estava tentando. Sério, estava. Mas era difícil se concentrar, quando ao seu lado, seu irmão dava todos os sinais que estava perdendo uma grande quantidade de sangue que poderia sim, fazer falta para ele depois. Freio bruscamente quando simplesmente, uma menina de aproximadamente 15 anos surge em frente do carro.- Tá maluca?! - grito, batendo no volante - Poderia ter matado você!- Bruna... - diz André baixo, me lembrando de sua existência.- Desculpa - murmuro, afundando meu pé no acelerador e tendo como resposta, o carro morrer. Tento novamente, só conseguindo que o carro desse um solavanco forte para a frente. André vira a cabeça na minha direção, com os lábios pálidos entre abertos e as pálpebras semicerradas.- A marcha - sussurra. Olho para
- Onde vocês dois se meteram? Eu cheguei e... - Ela para de falar ao ver o marido sem camisa, sujo de sangue e parecendo um corcunda - O que aconteceu? - pergunta baixo, passando por mim.- Levei um tiro - Ele murmura, observando-a analisá-lo.- Meu Deus, André - Ela leva as duas mãos para a cabeça, antes de soltar o ar dos pulmões.- Eu tô bem. Sério. Quase que foi de raspão.- Hoje ele encrencou com a palavra quase - digo atraindo ambos os olhares. André revira os olhos, andando para dentro da casa - Isso. Me ignora - Rita se aproxima com os braços cruzados sob o peito, olhando para a porta aberta - Parece que algumas coisas você deixou de me dizer. Ela inclina a cabeça para o lado.- A gente tava na pior, Bruna. E o André não queria aceitar ajuda da minha mãe.- Você tinha que ter me dito.- E o que você iria fazer? O óbvio. Iria por na cabeça dele, nem que precisasse abri-la, que aquele não era o melhor caminho, que tudo não passava de uma ilusão e da mesma fo