02.

Sorrio sem mostrar os dentes, os acompanhando até o lado de fora da lanchonete, não ficando para observá-los entrar no HB20 preto.

         Rodrigo nunca havia me levado em casa, mesmo com os pedidos dele. O máximo que já o deixei fazer, foi me levar até um determinado ponto no qual dizia ser perto, mas que na verdade, estava mais do que longe.

        No ponto de ônibus, espero impaciente o ônibus que precisava para ir para o terminal. Quando finalmente chega meia hora depois, me sento no fundo, colocando meus fones.

        Aquela parte da manhã, não era muito movimentada, o que fazia com que o percurso fosse mais calmo. No terminal, o segundo ônibus já estava parado, o que me poupou tempo de espera.

        Quando entrei no condomínio em que morava, o sono já começava a se intensificar e pelo horário, já sabia que estaria sozinha em casa. Então depois de um banho e vestir meu pijama, finalmente teria o sono dos justos.

       Que naquele dia, não durou muito.

- Bruna! Bruna - A voz insistente de Tati não demora para me acordar, assim como meu corpo sendo sacudido quase rudemente.

       Forço meus olhos se abrirem, pegando o celular, acreditando que já havia passado a hora de levantar. Entretanto, ainda faltava três horas para o despertador tocar.

- O que foi? - pergunto sonolenta, sentando na cama.

       Na minha frente com as mãos na cintura, Tati  me olha, ainda com o uniforme do mercado em que trabalhava.

- Você tem que ir embora daqui.

- Por quê?

- Seu pai vai ser solto amanhã.

       Foi necessário apenas aquelas seis palavras para me acordar de vez e trazer como consequência uma ritimia.

       Meu pai fora da prisão, era sem dúvida era a retomada de um pesadelo, no qual não tinha chance alguma de sair sem alguma sequela.

Era o que ele fazia de melhor, causar dor, de todas as formas possível e imagináveis, apenas para se sentir bem consigo mesmo.

Meu irmão, André, sempre foi mais esperto, então na primeira oportunidade que teve, fugiu de casa, me deixando para trás.

A situação piorou com a ausência dele, não muito, graças a Tati que me “protegia”, fazendo o papel de mãe que era obrigatoriamente da minha mãe, claro, se ela não tivesse nos abandonado, casado novamente com outro homem e tido mais dois filhos.

 Talvez na cabeça dela, deixar duas crianças ainda de menor com uma pessoa evidentemente agressiva e imprudente, parecia ser a melhor escolha, já que no final das contas, era nosso pai.

 Mas ela só ajudou ele a criar cicatrizes, tanto em mim, quanto em André.

  Depois que ele foi preso cerca de onze anos atrás por causa de droga, acreditei que nunca mais o veria se não fosse atrás das grades. Só que pelo jeito, estava muito enganada.

- Ele vai ficar em condicional - Ela continua - E acho que não vai querer estar aqui.

         Claro que não.

- Pra onde eu vou? - murmuro, fixando o olhar no vazio.

- Você não pode ir pra casa de uma amiga?

          A única amiga que eu tinha era a Rita e coincidentemente morava com André.

         Saio da cama de beliche, indo até o guarda-roupa, onde coloco o máximo de roupas possíveis dentro de uma mochila, deixando para trocar de roupa por último.

- Você sabe que não queria que fosse embora, não é? - diz Tati, sentada na cama de baixo da beliche - Só que se você ficar aqui, não sei nem o que ele é...capaz de fazer.

         Tati não estava em posição de madrasta má, pelo contrário, ela foi a melhor coisa que nos aconteceu, quatro anos depois que minha mãe foi embora. Cuidou de nós como se fossemos seus filhos, fez tudo que uma mãe deveria fazer.

        E pelo menos eu era grata por isso.

        Muitas vezes, para não deixar que apanhássemos, entrava na frente e levava no nosso lugar e no outro dia ainda cuidava de nós com um sorriso no rosto.

       O que ela estava fazendo ali, novamente, era apenas me protegendo da pessoa que tinha o dever também de cuidar de mim.

- Vou dar um jeito - murmuro.

- Precisa de dinheiro?

- Não.

- Bruna - Insiste.

        Olho para ela no mesmo instante.

- Tenho dinheiro.

        Termino de arrumar minhas coisas e sem me despedir, saio de casa.

         A medida que andava para fora do condomínio, listava mentalmente os lugares que poderia ficar e a casa de Rodrigo, estava fora de questão.

        Não sabia como explicar o motivo pelo qual teria que sair de casa, sem ele não fazer mais perguntas.

       Ficar num hotel ou numa pousada, faria com que eu gastasse mais do que deveria, o que sobrou apenas, a casa de André que, ficava numa distância considerável de onde eu morava.

       Praticamente André morava no coração de Paraisópolis.

       Precisei pegar um ônibus para encurtar o espaço, tendo que dividir o coletivo com alunos de uma escola ali mesmo na comunidade.

      Depois que André saiu de casa, só o visitei duas vezes e esperava que ele ainda morasse no mesmo lugar.

      Paro em frente a uma casa amarela de dois andares com portão vazado de ferro, batendo palma o mais alto possível.

      As luzes no interior da casa, estava ligada e não demorou para que uma figura feminina, aparecesse na janela.

- Bruna? - diz Rita não acreditando, saindo rapidamente da janela e abrindo a porta - Por que não disse que estava vindo?

- Queria fazer uma surpresa.

      Rita destranca o portão.

- Tá tudo bem? - pergunta num tom preocupado.

      Dou de ombros.

- Não muito. André tá em casa?

- Ele só chega mais tarde. Mas entra aí - Obedeço, contente por pelo menos ser convidada para entrar.

       Apesar da casa por fora não parecer muito luxuosa, por dentro tinha objetos caros espalhados por toda parte, começando pela televisão de 50 polegadas.

- Tá na cara que aconteceu alguma coisa e você não quer contar - Ela continua.

- Meu pai sai da cadeia amanhã e preciso de um lugar pra ficar - digo o mais direta possível.

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