O trajeto até a casa de André, é feita em completo silêncio ou quase, já que tocava uma música do pen drive.
O silêncio dele, só me deixava ainda mais encucada.
Rita veio ao nosso encontro quando nos ouviu entrar na casa, secando a mão num pano de prato, enquanto em frente ao seu corpo havia um avental com o corpo de uma mulher de biquíni estampado.
- Mulher, onde você se meteu? Tava preocupada com você - diz me olhando.
- Passei num lugar depois que sai do trabalho - André sobe os degraus da escada, mantendo seu silêncio - Ele é sempre assim agora?
Rita continua a olhar para a escada, mesmo depois de André ter sumido de vista.
- Se tornou um homem de poucas palavras - Ela me olha - Mas ainda tem um bom coração.
Tinha minhas dúvidas se ainda havia um coração dentro de André. Ele me parecia tão distante.
Rita volta para a cozinha, se movendo com agilidade, dividindo sua atenção em ver as panelas e cortar temperos.
- Quer ajuda?
- E desde quando você sabe cozinhar?
- Eu sei cozinhar - Tati havia perdido um bom tempo tentando me ensinar tudo que sabia - Só não tão bem quanto você e a Tati.
- Então vem me ajudar a cortar esses temperos.
Me aproximo, me colocando ao lado dela na pia, após lavar as mãos, pegando a faca de sua mão, começando a cortar a salsinha.
Por alguns minutos ficamos em silêncio. O fato de estarmos no mesmo lugar, me fez lembrar de quando passava dias na casa de Rita, fingindo ser irmã dela, por que a mãe dela cuidava muito bem de nós duas.
Ela sempre deixava a gente ajudar na cozinha, fazia penteados nos nossos cabelos e vestidos para as bonecas. Era o tipo de mãe que eu queria em minha vida e que não tinha.
Chegou em um ponto, que já me sentia parte da família. Me sentia filha dela. E acredito que meu pai também percebeu isso, já que não me via mais e quando via, percebia o quanto ambas faziam bem para mim.
E com certeza foi com este pensamento, que num dia no meio da noite foi me buscar. A mãe de Rita ainda tentou argumentar, dizendo que da mesma forma que criava Rita com regras, essas regras também cabiam a mim, entretanto, ele estava irredutível, só dizia que meu lugar era em casa, junto com André e não nas casas dos outros.
Então sem mais nada para dizer, ela me deixou ir, mas pude ver estampado em seu rosto, que não queria. Ele me levou para casa e a primeira coisa que fez quando estava dentro de casa, ainda assimilando a volta brusca para a realidade, foi me bater e me fazer entender que não era para nunca mais voltar.
- Ainda está namorando com o Rodrigo? - Rita pergunta, indo até o fogão.
Costumava contar tudo o que acontecia em minha vida, até mesmo para desabafar, para ela. E quando comecei a namorar Rodrigo, não foi diferente.
Estava feliz por um homem como ele, me notar e mais feliz em ver como nos encaixávamos as vezes.
- Estou.
- Já tem um tempo, né?
- Um ano.
- E não pensam em morar junto não?
Como explicar para ela que naquele momento, seria algo impossível? Já que os pais dele haviam deixado claro que preferiam ver o filho com qualquer outra pessoa do que comigo.
- Mal tenho tempo de ter vida social, Rita.
- Você não vai morrer trabalhando naquela boate, Bruna. Uma hora ou outra, você vai querer por sua vida nos trilhos.
- Já está nos trilhos - rebato sem pensar.
- Nossa. Sério? - Ela me olha incrédula, já sabendo muito bem da resposta.
Minha vida não estava completamente nos trilhos. Ainda faltava pequenos detalhes, que faziam com que ela não estivesse exatamente nos trilhos. Como por exemplo, um canto para chamar de meu, alguém que me amasse e que quisesse ficar ao meu lado e construir uma família, mesmo eu não querendo ter filhos tão cedo.
- É só questão de tempo.
- Tá. Sei.
- É sério. No momento, tenho outras prioridades.
- Que seriam?
Paro de cortar não sabendo o responder, precisando pensar por alguns segundos. Mas naquele momento a única prioridade que eu parecia ter, era encontrar um lugar para ficar, para não ter que incomodar ninguém.
- Ter um canto só pra mim - murmuro.
- Você pode ficar aqui o quanto você quiser.
- E acabar com a intimidade de vocês?
Ela dá de ombros.
- Já não temos muita mesmo.
- Corta essa, Rita.
André entra de repente na cozinha, vestido em outra roupa.
- Vai demorar pro almoço sair? - pergunta abrindo a geladeira.
- Só falta temperar o bife - diz Rita.
Rita arruma a mesa para o almoço e coloca as panelas no centro, deixando para servir André por último.
Gentilmente ela coloca o prato na frente dele, que não hesita em começar a comer.
- Você costumava por sua própria comida - comento, me servindo.
- A Rita gosta de fazer isso - diz ele com os olhos no prato.
Dou uma rápida olhada em Rita.
- Não sabia que você gostava de fazer isso.
- Gosto de agradar as vezes - Ela começa a se servir - Quando tiver seu marido, vai entender.
- Se for assim, pretendo não me casar tão cedo.
- Casamento é cuidar, Bruna.
- Vou cuidar. Mas do meu jeito, não...- Me detenho, dando de ombros - Vocês dois são estranhos.
- Disse a pessoa que não é estranha - André murmura.
Mais uma vez, o silêncio pendura. Ninguém diz absolutamente nada, em relação a nada, mesmo eu ainda querendo saber da parte de André de onde que ele conhecia aquele homem e já sabendo que ele não me daria uma resposta. Já que levava muito a sério o silêncio.
No término do almoço, ajudo Rita a limpar a cozinha, preferindo lavar a louça, enquanto ela secava. Era uma rotina na qual não me via e que geralmente naquele horário, estava dormindo.
O sono era algo que mais prezava, mas invés disso, estava acompanhando a rotina da minha cunhada.
Depois da limpeza na cozinha, vou para meu quarto, onde após um banho e vestir meu pijama, sinto como se estivesse deitando nas nuvens ao deitar no colchão de solteiro.
Não demoro para dormir, mesmo sabendo que no dia seguinte, que seria minha folga, teria o dia inteiro para dormir.
Ainda estava dormindo, quando meu celular começou a tocar e acordei parcialmente apenas para atender.
- Alô - digo rouca.
- Acordei você, não foi? - Era Rodrigo.
- É. Eu estava dormindo.
- Então eu ligo outra hora.
Com os olhos fechados, respiro fundo.
- Pode falar agora. Era o quê?
- Não era nada. Você mal se despediu, saiu toda estranha. Nem as minhas mensagens respondeu.
- Eu não tinha nada pra falar.
- Bruna. Sem essa.
- O que você queria que eu dissesse? - pergunto com um pouco de irritação - Seu pai pegou a gente transando e não ficou nada feliz com isso.
- A culpa foi minha. Devia ter fechado a porta ou... ido pro motel com você.
E continuar contornando o problema?, penso. Não me parecia ser a melhor escolha.
Tínhamos que ser dois, contra o problema, que naquele caso, era o fato dos pais dele não gostarem de mim sem nenhum motivo aparente. Sem nunca terem trocado nenhuma palavra comigo.
Simplesmente haviam me visto e tirado as próprias conclusões. Fim.
- Realmente, a culpa é sua - Silêncio - Sabe por quê?
- Não - diz baixo.
- Você ainda mora dentro da casa deles. Ainda tem que dar satisfações da sua vida, principalmente da pessoa que namora.
- Você também mora com seus pais - Imediatamente vem a minha mente o quanto minha vida era uma bagunça, que diferente dele, não tive um lar estruturado, pais amorosos ou nada do tipo.
- Não moro mais - murmuro.
Silêncio.
- Por quê?
Claro que aquela seria a primeira pergunta que ele me faria.
- Era necessário.
- E onde você está agora?
- Na casa do meu irmão.
Silêncio.
- Posso ir você?
André havia saído pouco depois do almoço. Rita havia dito algo sobre ir fazer a unha ou o cabelo, algo assim, então naquele momento eu deveria estar sozinha.
Para verificar, levanto rapidamente, percorrendo os cômodos do segundo andar, concluindo que pelo menos ali, estava sozinha. Descendo os degraus da escada, encontro a sala vazia e os demais cômodos também, concluindo de uma vez que realmente estava sozinha.
- Só um oi e você vai embora.
- Não vou demorar não.
- Vou mandar a localização.
Em seguida, desligo, abrindo o aplicativo de mensagens. Após mandar a localização, volto para o segundo andar, decidindo no meio do caminho que não poderia receber ele vestida num pijama furado, os olhos sujos e um hálito que Deus me livre.
Apenas um banho poderia mudar aquela situação e foi o que fiz. Minutos mais tarde, sentada no meio do colchão, procuro algo para vestir, não encontrando nada confortável além de um short jeans e uma camiseta que, poderia jurar que era de André.
Quarenta minutos depois, ouço uma buzina em frente da casa. Praticamente voou escada abaixo, quase me encontrando o fim dela, tentando controlar o nervosismo antes de sair. Rodrigo terminava de trancar o carro quando me aproximo do portão. Assim que me vê, um leve sorriso surge em seu rosto.- Você acredita que nunca vim aqui?- Nunca veio em Paraisópolis? - Não era algo que precisava para ter surpresa, já era esperado. Só era preciso fingir surpresa.- Não - Ele continua sorrindo, olhando ao redor - Mas é melhor do que imaginava. Está longe do que imaginei.- E... como você imaginava? - pergunto cruzando os braços.- Um lugar hostil e perigoso. Talvez por ter crescido naquele lugar, não o considerava o inferno, muito menos o céu. Era um lugar, assim como os demais, que tinha certo periculosidade e infelismente, já nos sentíamos fadados à isso.- Mas parece ser tranquilo aqui - Ele volta a me olhar - Faz muito tempo que seu irmão mora aqui?- Faz - digo sem pensa
- Gozei - diz sem fôlego, dando um beijo em meu ombro. Solto o ar dos pulmões, me afastando dele, procurando minha roupa.- Percebi.- Você não gozou não? - Tenciono meu maxilar, vestindo a roupa.- Quando eu estava pra gozar, você não deixou.- Pensei que íamos gozar junto. Balanço a cabeça de um lado para o outro. Estava prestes para rebater ele, quando ouvi a porta da frente abrir num barulho alto, o que me fez levantar com o coração acelerado, imaginando que deveria ser meu pai. Assustada, encaro a porta do quarto fechada, incapaz de me mexer.- Você ouviu? - Rodrigo pergunta, se vestindo. Assinto.- Ouvi.- E não vai lá ver? - Olho para ele. Até aquele momento, eu morava ali, então era eu que tinha que ir, não é? Prestes a abrir a porta, ouço passos vindo para o segundo andar. Me detenho, sentindo todo meu corpo gelar, até que ouço o bater de uma porta e concluo que não deveria ser meu pai e sim Rita ou até mesmo André. Abro
- Não para de pressionar! - digo praticamente em cima do volante, numa velocidade perigosa para alguém que claramente não sabia o que estava fazendo.- E você presta atenção na rua - diz ele tencionando o maxilar. Eu estava tentando. Sério, estava. Mas era difícil se concentrar, quando ao seu lado, seu irmão dava todos os sinais que estava perdendo uma grande quantidade de sangue que poderia sim, fazer falta para ele depois. Freio bruscamente quando simplesmente, uma menina de aproximadamente 15 anos surge em frente do carro.- Tá maluca?! - grito, batendo no volante - Poderia ter matado você!- Bruna... - diz André baixo, me lembrando de sua existência.- Desculpa - murmuro, afundando meu pé no acelerador e tendo como resposta, o carro morrer. Tento novamente, só conseguindo que o carro desse um solavanco forte para a frente. André vira a cabeça na minha direção, com os lábios pálidos entre abertos e as pálpebras semicerradas.- A marcha - sussurra. Olho para
- Onde vocês dois se meteram? Eu cheguei e... - Ela para de falar ao ver o marido sem camisa, sujo de sangue e parecendo um corcunda - O que aconteceu? - pergunta baixo, passando por mim.- Levei um tiro - Ele murmura, observando-a analisá-lo.- Meu Deus, André - Ela leva as duas mãos para a cabeça, antes de soltar o ar dos pulmões.- Eu tô bem. Sério. Quase que foi de raspão.- Hoje ele encrencou com a palavra quase - digo atraindo ambos os olhares. André revira os olhos, andando para dentro da casa - Isso. Me ignora - Rita se aproxima com os braços cruzados sob o peito, olhando para a porta aberta - Parece que algumas coisas você deixou de me dizer. Ela inclina a cabeça para o lado.- A gente tava na pior, Bruna. E o André não queria aceitar ajuda da minha mãe.- Você tinha que ter me dito.- E o que você iria fazer? O óbvio. Iria por na cabeça dele, nem que precisasse abri-la, que aquele não era o melhor caminho, que tudo não passava de uma ilusão e da mesma fo
- Quem mora aqui? - pergunto olhando com atenção os quatro carros aparentemente caros. Ninguém me responde. Invés disso, minha pergunta se responde quando na porta do que deveria ser a sala, o cara misterioso aparece. Puta merda. Mais rápido que queria, tudo começa a se encaixar bem diante dos meus olhos.- Molhou - diz André. O cara para de me olhar e olha para André.- O que foi?- Descobriram minha casa. Ele desvia o olhar, olhando o vazio.- A gente tem que matar eles - diz o cara ao lado, soando perigoso - Vão caçar cada um de nós.- Não, eles não vão - diz o cara misterioso calmamente.- Como sabe? - Não soa como uma simples pergunta, era como se ele desafiasse ele. Dou alguns passos pelo pátio, em busca de uma cadeira ou algum canto que pudesse me sentar.- Estão atrás dela - Volto a prestar atenção novamente na conversa, ao sentir que ele estava falando de mim. André olha por cima do ombro, mesmo sabendo que
Passo pelo quarto que André estava com Rita e o encontro vazio, o que me fez ir para o primeiro andar, onde encontro Rita na sala.- Cadê o André?- Saiu cedo.- Pra onde? Ela dá de ombros.- Não sei. Ele não falou - Ela me olha - Dormiu bem?- Muito - Sento ao lado dela.- Aquele colchão é ótimo, não é?- André deveria mudar o colchão de toda a casa.- Ele teria que vender muita droga pra isso. Um silêncio estranho se instala de repente, o que me faz olhar ao redor.- Será que já posso voltar para minha normalidade?- É isso também que quero saber. Depois da nossa breve conversa, tomamos café, não só uma vez, duas. A comida que era nos oferecida, era muito boa para comer apenas uma vez. Após o segundo café da manhã, decidi por conta própria “passear” pela casa, mesmo isso sendo uma tremenda falta de educação. A casa era enorme, os cômodas espaçosos e tudo muito bem decorado da melhor forma possível, deixando claro o poder aquisitivo de Átila
Passava das 6 horas da tarde, quando decidi que não esperaria mais por André. Eu tinha uma vida e não tinha como ficar esperando a boa vontade dele para dizer se podia ou não voltar a viver.- Pra mim já deu - digo levantando do sofá. Rota para de assistir a novela e me olha.- Quê? - diz baixo.- Vou trabalhar.- Bruna. Dou alguns passos até a porta, parando.- Não vou mais ficar esperando pelo André. Ele sumiu o dia inteiro, nem se deu o trabalho de atender o celular - digo irritada, saindo da casa. Precisei andar 20 minutos para chegar na casa de André. Por sorte, o portão e a porta da frente estava destrancada. Não havia nenhum sinal de André por ali, muito menos que a casa havia sido invadida. Tudo parecia estar em seu devido lugar, inclusive minhas coisas. Um banho rápido depois e vestida em roupas limpas, já estava pronta para uma noite agitada de trabalho. No ponto de ônibus, não consigo não olhar para os lados,
- Por que você foi trabalhar?- Dependo de mim mesma, não posso me dar o luxo de não trabalhar.- Tava resolvendo a situação.- Percebi - Dou de ombros - Mas não precisa mais, já resolvi - Olho para Átila. André olha para Átila e depois para mim.- Você não tá pensando em...?- É. É isso mesmo.- Ficou louca?!- Tô fazendo o que sempre fiz desde que me entendo por gente.- Então agora é assim?- É.- Vai resolver as coisas do seu jeito?- Exatamente. Ele tenciona o maxilar.- Que se foda - diz de repente, passando por mim.- É assim? - Me viro para ele. Ele para, me olhando.- Você já resolveu, não já? - diz irritado - Já não decidiu que vai entrar de cabeça no tráfico?- Não vou entrar de cabeça no tráfico.- Você vai ficar no lugar de uma pessoa que viveu nesse meio. Tá achando mesmo que não vai entrar?- Eles quase me mataram hoje! - grito. Por um momento, ele apenas absolve, antes de falar novamente.- Se estivesse aqui com a Rita, não teriam te