A Esposa Substituta do Traficante
A Esposa Substituta do Traficante
Por: J. C. Rodrigues Alves
01.

         Sem dúvida dormir 6 horas por dia, havia deixado de ser suficiente a bastante tempo, já que com o tempo  percebi que era uma pessoa noturna, trocando facilmente o dia pela noite.

         Mas isto não aconteceu por opção, mas sim por necessidade.

         Desligo o despertador do celular que toca pontualmente todos os dias às 7 da noite, com os olhos semicerrados.

         Afundando meu rosto no travesseiro, respiro fundo, lutando contra a vontade de voltar a dormir, saindo aos poucos da cama.

         Ainda sonolenta, pego minha toalha e vou para o banheiro no corredor, ouvindo o som da televisão vindo da sala. O banho sempre era responsável em me acordar parcialmente, depois café.

         Sentada no sofá velho que tinha na sala, Tati prestava atenção em uma novela.

- Tem café pronto - diz quando passo pela sala, entrando na cozinha.

         Em cima da mesa redonda, estava a garrafa de café bege. Pegando um copo no armário pequeno, me sirvo um pouco de café, pegando bolachas de água e sal em um pote.

       Aqueles eram o único momento de paz que tinha, antes de sair e apreciava cada minuto.

      Voltando para meu quarto, pego a bolsa, celular e fone de ouvido, passando por Tati novamente.

- Tchau, né? - diz com uma perna peito do peito, enquanto pintava as unhas do pé~.

- Tchau - respondo sem olhá-la, saindo do apartamento de quatro andares, cedido pelo governo.

          Com os fones no ouvido, começo minha caminhada até a guarita, que rendia alguns metros.

          Há cerca de três anos, aquela era minha rotina e já não tinha vida social, tendo o único assunto com pessoas próximas drinks.

           Já me considerava quase expert em drinks, já que a agilidade contava muito e isso adquiri com a prática.

           Morava em Paraisópolis desde criança, acabando por esquecer que existia algo a mais além da comunidade. Contudo, muitas vezes o que via enquanto trabalhava, me fazia querer não conhecer o que existia além da comunidade.

           Para chegar na boate em que trabalhava, precisava pegar dois ônibus. Fora o tempo que ficava no terminal, esperando o segundo ônibus.

           No centro de São Paulo, ainda precisava andar mais um pouco até a boate Le Reve Club. Era uma casa noturna de músicas eletrônicas que toca hits antigos, com 3 salas temáticas e comida gourmet em um amplo local constituído por dois andares.

           O local era bem requisitado e frequentado, devido as salas temáticas e a impressão de imersão na magia.

           Depois de me vestir e cumprimentar alguns colegas de trabalho, vou para meu posto, verificando se estava tudo em ordem no bar.          

           Não percebendo quando tenho companhia.

- Oi, parceira - diz Rodrigo, no momento em que me dá um beijo no rosto, me surpreendendo, conseguindo dessa forma um sorriso inesperado.

- Oi - Olho rapidamente ao redor, antes de dar um beijo rápido nele.

           Rodrigo poderia ser facilmente catalogado como hétero top, graças ao seu comportamento e suas vestimentas específicas. Seu visual ao mesmo tempo que era despojado, transmitia uma certa “fantasia de estar no top” e mesmo com tudo  que o compunha, ainda me vi apaixonada por ele e senti sendo correspondida, mesmo não sendo o padrão ideal dele.

          Era o contrário do que ele queria. Não era loira, muito menos alta e não tinha olhos azuis ou verdes. Tinha míseros 1.55, minha pele era parda, meu cabelo ondulado e meus olhos castanhos.

          Rodrigo era exatamente o que ele queria. Só que no sexo masculino.

- Tudo certo por aqui? - Ele pergunta, olhando as prateleiras de vidro preenchidas por diversas garrafas.

         Trabalhávamos juntos com a condição de manter o profissionalismo. Caso contrário, se notassem que estávamos sendo inadequados, com certeza eu poderia perder facilmente meu emprego.

- Já chequei tudo - digo, observando-o se movimentar pelo espaço, olhando com atenção tudo o que eu já havia visto.

          Namorávamos a quase um ano. Já havia conhecido a mãe dele por acaso e a irmã de dez anos, mas ainda não havia tido coragem de levá-lo até a comunidade e ver estampado em seu rosto que aquele não era o tipo de lugar que ele estava habituado.

- Você ainda não me deu uma resposta - diz ele de repente, me fazendo piscar.

- Sobre...?

- Sobre o que estávamos falando ontem - Pego meu celular, abrindo o aplicativo de mensagem, refrescando minha memória.

       E é claro que ele simplesmente não desistiria de conhecer meus pais, sendo o bom homem no qual havia sido ensinado.

- Eles são muito ocupados.

      Ele me olha com um meio sorriso no rosto.

- Não é possível que eles não tenham meia hora - diz encurtando o espaço entre nós - Meia hora, Bruna.

       Desvio meu olhar para o vazio, assentindo relutante.

- Vou falar com eles. De novo.

      Com uma mão em meu braço, o afaga até o cotovelo.

- Pode dizer à eles que não vão se arrepender - Dito isto, ele se vira, pronto para começar o expediente.

       No lugar que eu morava, infelismente, pessoas como Rodrigo, não eram muito bem vistas. Ainda eram taxados de riquinhos e envolvia um certo “preconceito”. Para as pessoas que me conheciam, que me viram crescer, ver ele ao meu lado, com certeza as faria pensar que ele só estava ali para me usar de alguma forma e que na verdade, ele deveria ter uma loira escondida por aí.

        Uma série de questões como essa já haviam passado diversas vezes em minha cabeça, conseguindo dessa forma contribuir com o fato de não me sentia boa o suficiente para Rodrigo.

        Muitas vezes me pegava olhando para Rodrigo e não tinha como não sentir que não nos encaixávamos. Era como se não fossemos um para o outro ou algo do tipo, simplesmente a conclusão que tinha, era que Rodrigo, não era para mim.

        Mesmo com todas essas inseguranças, fingir ser a pessoa mais segura do mundo.

        Nosso expediente começou instantes mais tarde, quando os primeiros clientes começaram a chegar e em menos de uma hora, todo o lugar era um grande movimento constante de pessoas bebendo, conversando e se divertindo.

      Até que era bom, estar em meio a tantas pessoas, me fazia esquecer dos problemas que havia fora dali. Muitas vezes as pessoas que chegavam no bar, eram simpáticas e tinham as conversas mais breves interessantes que já vi na vida.

       Algumas delas, tinham o poder de contar sua vida em poucos minutos, o tempo o suficiente na preparação de um drink ou enquanto esperavam alguém sair do banheiro.

      A minoria, apenas pedia um drink e o tomavam em silêncio, evitando trocar palavras mais do que necessário.

      Eram noites sempre agitadas e longe da monotonia.

      A maioria das pessoas que chegavam assim que a boate abria, permaneci até o fechamento ás 5 da manhã. E após o fechamento, o segundo turno começava.

       Era quando começava a limpeza geral.

      Apenas por volta das 7 da manhã, que deixava a boate com Rodrigo e como de costume, tomávamos café da manhã em uma lanchonete não muito longe dali.

- Já sabe o que vamos fazer na minha folga? - pergunto, tomando um copo do café com leite no copo americano.   

      Ele dá de ombros, usando o guardanapo de papel para pegar o misto quente cortado em diagonal.

- Ando tão cansado que a única coisa que penso em fazer, é dormir.

      Dormíamos menos do que gostaríamos, passávamos um determinado tempo juntos, entretanto, da forma mais profissional possível e a única coisa que queria na minha folga, diferente dele, era ser um casal com ele.

      Termino meu café da manhã, alternando minha atenção para a tv no suporte, onde o jornal passava as últimas notícias.

- Mas se quiser, podemos fazer alguma coisa - diz ele de repente, afagando meu joelho. Forço um meio sorriso, abrindo minha bolsa, pegando a quantia que havia dado meu café da manhã - O que acha?

      O sexo com Rodrigo não era ruim, mais também não queria apenas transar em todas as folgas. Queria fazer algo mais.

- Vamos ver até lá -  Ele aperta novamente meu joelho.

      No momento em que pago minha conta e Rodrigo faz o mesmo, se preparando para deixar o local, somos surpreendidos.

- Oi, casal - diz Nádia de repente, se colocando entre nós dois - Vi vocês quando estava saindo. Já estão de saída?

- Já sim - Rodrigo responde de forma simpática.

      Nádia trabalha também na boate, entretanto servindo mesas. Não tínhamos muita intimidade, contudo o meio social era o mesmo.

      Suas características lembravam claramente características asiáticas, inclusive até seu comportamento contido.

- Seria pedir muito uma carona?

- Claro que não - Rodrigo mal pensa - Não é, Bruna?

- Não vou poder ir com vocês, ainda vou ter que ir em um lugar.

- Ah, que pena - diz Nádia, voltando a olhar para Rodrigo.

- Vamos lá então? - Ela assenti de imediato - Nos falamos depois - diz ao se virar para mim, me dando um beijo rápido.

      Sorrio sem mostrar os dentes, os acompanhando até o lado de fora da lanchonete, não ficando para observá-los entrar no HB20 preto.

         Rodrigo nunca havia me levado em casa, mesmo com os pedidos dele. O máximo que já o deixei fazer, foi me levar até um determinado ponto no qual dizia ser perto, mas que na verdade, estava mais do que longe.

        No ponto de ônibus, espero impaciente o ônibus que precisava para ir para o terminal. Quando finalmente chega meia hora depois, me sento no fundo, colocando meus fones.

        Aquela parte da manhã, não era muito movimentada, o que fazia com que o percurso fosse mais calmo. No terminal, o segundo ônibus já estava parado, o que me poupou tempo de espera.

        Quando entrei no condomínio em que morava, o sono já começava a se intensificar e pelo horário, já sabia que estaria sozinha em casa. Então depois de um banho e vestir meu pijama, finalmente teria o sono dos justos.

       Que naquele dia, não durou muito.

- Bruna! Bruna - A voz insistente de Tati não demora para me acordar, assim como meu corpo sendo sacudido quase rudemente.

       Forço meus olhos se abrirem, pegando o celular, acreditando que já havia passado a hora de levantar. Entretanto, ainda faltava três horas para o despertador tocar.

- O que foi? - pergunto sonolenta, sentando na cama.

       Na minha frente com as mãos na cintura, Tati  me olha, ainda com o uniforme do mercado em que trabalhava.

- Você tem que ir embora daqui.

- Por quê?

- Seu pai vai ser solto amanhã.

       Foi necessário apenas aquelas seis palavras para me acordar de vez e trazer como consequência uma ritimia.

       Meu pai fora da prisão, era sem dúvida era a retomada de um pesadelo, no qual não tinha chance alguma de sair sem alguma sequela.

Era o que ele fazia de melhor, causar dor, de todas as formas possível e imagináveis, apenas para se sentir bem consigo mesmo.

Meu irmão, André, sempre foi mais esperto, então na primeira oportunidade que teve, fugiu de casa, me deixando para trás.

A situação piorou com a ausência dele, não muito, graças a Tati que me “protegia”, fazendo o papel de mãe que era obrigatoriamente da minha mãe, claro, se ela não tivesse nos abandonado, casado novamente com outro homem e tido mais dois filhos.

 Talvez na cabeça dela, deixar duas crianças ainda de menor com uma pessoa evidentemente agressiva e imprudente, parecia ser a melhor escolha, já que no final das contas, era nosso pai.

 Mas ela só ajudou ele a criar cicatrizes, tanto em mim, quanto em André.

  Depois que ele foi preso cerca de onze anos atrás por causa de droga, acreditei que nunca mais o veria se não fosse atrás das grades. Só que pelo jeito, estava muito enganada.

- Ele vai ficar em condicional - Ela continua - E acho que não vai querer estar aqui.

         Claro que não.

- Pra onde eu vou? - murmuro, fixando o olhar no vazio.

- Você não pode ir pra casa de uma amiga?

          A única amiga que eu tinha era a Rita e coincidentemente morava com André.

         Saio da cama de beliche, indo até o guarda-roupa, onde coloco o máximo de roupas possíveis dentro de uma mochila, deixando para trocar de roupa por último.

- Você sabe que não queria que fosse embora, não é? - diz Tati, sentada na cama de baixo da beliche - Só que se você ficar aqui, não sei nem o que ele é...capaz de fazer.

         Tati não estava em posição de madrasta má, pelo contrário, ela foi a melhor coisa que nos aconteceu, quatro anos depois que minha mãe foi embora. Cuidou de nós como se fossemos seus filhos, fez tudo que uma mãe deveria fazer.

        E pelo menos eu era grata por isso.

        Muitas vezes, para não deixar que apanhássemos, entrava na frente e levava no nosso lugar e no outro dia ainda cuidava de nós com um sorriso no rosto.

       O que ela estava fazendo ali, novamente, era apenas me protegendo da pessoa que tinha o dever também de cuidar de mim.

- Vou dar um jeito - murmuro.

- Precisa de dinheiro?

- Não.

- Bruna - Insiste.

        Olho para ela no mesmo instante.

- Tenho dinheiro.

        Termino de arrumar minhas coisas e sem me despedir, saio de casa.

         A medida que andava para fora do condomínio, listava mentalmente os lugares que poderia ficar e a casa de Rodrigo, estava fora de questão.

        Não sabia como explicar o motivo pelo qual teria que sair de casa, sem ele não fazer mais perguntas.

       Ficar num hotel ou numa pousada, faria com que eu gastasse mais do que deveria, o que sobrou apenas, a casa de André que, ficava numa distância considerável de onde eu morava.

       Praticamente André morava no coração de Paraisópolis.

       Precisei pegar um ônibus para encurtar o espaço, tendo que dividir o coletivo com alunos de uma escola ali mesmo na comunidade.

      Depois que André saiu de casa, só o visitei duas vezes e esperava que ele ainda morasse no mesmo lugar.

      Paro em frente a uma casa amarela de dois andares com portão vazado de ferro, batendo palma o mais alto possível.

      As luzes no interior da casa, estava ligada e não demorou para que uma figura feminina, aparecesse na janela.

- Bruna? - diz Rita não acreditando, saindo rapidamente da janela e abrindo a porta - Por que não disse que estava vindo?

- Queria fazer uma surpresa.

      Rita destranca o portão.

- Tá tudo bem? - pergunta num tom preocupado.

      Dou de ombros.

- Não muito. André tá em casa?

- Ele só chega mais tarde. Mas entra aí - Obedeço, contente por pelo menos ser convidada para entrar.

       Apesar da casa por fora não parecer muito luxuosa, por dentro tinha objetos caros espalhados por toda parte, começando pela televisão de 50 polegadas.

- Tá na cara que aconteceu alguma coisa e você não quer contar - Ela continua.

- Meu pai sai da cadeia amanhã e preciso de um lugar pra ficar - digo o mais direta possível.

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