Na cozinha, Rita se move de um lado para o outro, terminando de preparar a janta.
- Pensei que nunca mais ele iria sair da cadeia - murmura, lavando alguns utensílios que havia usado.
- Parece que não tinham motivos o suficiente para manter ele lá - Suspiro.
- Por mim, você pode ficar.
- E o André? - Ela se vira para mim.
- Ele nem passa muito tempo em casa. Além do mais, você é irmã dele.
Contudo já fazia algum tempo que não tínhamos uma certa aproximação. E eu até sentia falta disso.
Acabou que Rita cedeu o quarto de hóspedes, que ainda estava sem cama e guarda-roupa. Mas para uma pessoa que só precisava de um lugar para dormir, o colchão de solteiro que ela pegou emprestado com a vizinha até o dia seguinte, ajudou bastante.
Depois de jantar com ela, saio da casa em direção ao ponto de ônibus, recalculando mentalmente o tempo que gastaria para chegar na boate.
E para meu azar, chegaria atrasada.
A maioria dos funcionários já haviam chegado, quando entrei rapidamente na boate pela parte dos fundos, indo direto para o vestiário.
Substituo as roupas que estava vestindo rapidamente pelo uniforme preto, prendendo o cabelo num rabo-de-cavalo enquanto saia de um dos reservados.
Rodrigo ao me ver se aproximar, gesticula.
- O que aconteceu? - pergunta.
- Tive um imprevisto.
- Está tudo bem?
- Está - Dou de ombros - Só foi um imprevisto.
Por um breve momento, ele me olha, tentando me decifrar, antes de voltar para o que estava fazendo. Faço o mesmo, me obrigando a ocupar minha mente.
Horas depois quando a boate abre, o lugar não demora para encher. Pessoas transitam de um lado para o outro, alternando em dançar e cumprimentar conhecidos.
Ao meu lado, Rodrigo oferecia seu melhor serviço, sempre para mulheres, já que faziam questão de ser atendidas por ele e ele como um bom funcionário, aceitava as cantadas e o modo sedutor que o olhavam.
Isso não significava que eu não recebia cantadas as vezes, recebia. Tanto de homens, quanto de mulheres, lidando da melhor forma possível.
Boa parte das pessoas quando faziam isso, já estavam um pouco alcoolizadas e o máximo que eu podia fazer ou era ignorar ou fingir que era algo normal.
Mas em como todos os casos, sempre existia aquele que queria ultrapassar os limites, que me esperava do lado de fora da boate, para tentar realmente alguma coisa e era estes casos que me assustava. Pois haviam homens, que confundiam facilmente o fato de ser bem recepcionados, com um flerte.
Umas das garçonetes havia sido assediada por um dos clientes em meio a outras pessoas que, indignadas com a situação, a apoiaram em levar o caso para a polícia. A principio a garçonete se negou, já que não queria por seu emprego em risco, por ter uma filha pequena e a mãe doente dependente dela, mas devida a tanta pressão, acabou aceitando e como no país onde moramos nada faz sentido, foi demitida pouco tempo depois.
- Vou no banheiro - murmuro perto do ouvido de Rodrigo, quando já não estava mais aguentando minha bexiga.
Ele simplesmente assenti, voltando a atender a cliente em sua frente.
Saio do bar com o destino ao banheiro, precisando desviar de algumas pessoas no caminho. Levo alguns esbarrões no caminho e longos olhares, até ser parada abruptamente por alguém que segura meu braço com força.
- O que você tá fazendo aqui, Malu? - Viro automáticamente para o homem que segurava meu baço, sustentando seu olhar.
Franzo o cenho com um leve sorriso no rosto, balançando a cabeça, antes de puxar gentilmente meu braço e dar as costas.
Ele volta a segurar meu braço, dessa vez, me puxando para trás.
- Vai me ignorar mesmo? - Sua voz era suave em meio a música alta, entretanto, firme, com um pingo de raiva no final.
Me viro novamente, o olhando com atenção.
Era um homem alto, alguns centímetros mais alto que Rodrigo. Pele negra, olhos verdes-escuros e cabeça raspada.
Seu porte físico não demonstrava que fazia exercícios, entretanto dava para perceber seus bíceps apertados na manga da camisa polo azul marinho.
Uma aliança prateada brilhava na mão direita que apertava meu braço.
Volto a olhar para seus olhos verdes, mexendo na ponta do meu nariz.
- Você está me confundindo com outra pessoa! - grito por cima da música. Ele estreita os olhos, ainda não acreditando - Meu nome é Bruna - finalizo.
É apenas quando ele me olha com atenção, que a mão afrouxa em meu braço.
Se inclinando em minha direção, aproxima a boca do meu ouvido.
- Você se parece muito com uma pessoa que conheço - diz controlando o tom de voz - Poderiam até ser gêmeas - Ele dá um passo para trás, me olhando.
Ergo as sobrancelhas, sem entender exatamente o rumo que aquela conversa estava tomando.
- Já tenho um gêmeo - digo com um leve sorriso no rosto, antes de girar o tronco e finalmente ir para o banheiro.
De volta para o bar, em meio a todas as pessoas que estavam ali, meu olhar se cruza coincidentemente com o homem misterioso. Fingindo toda a naturalidade do mundo, continuo meu trabalho. Até que ao terminar de fazer um drink e me virar, me deparo com o homem misterioso, sentado de frente para mim.- Quer alguma bebida? - pergunto me aproximando do balcão. Ele ergue o copo ainda pela metade. Assinto, voltando minha atenção para a mulher ao lado.- Trabalha há muito tempo aqui? - Ele pergunta de repente.- Três anos - digo sem parar o que estava fazendo.- E como nunca vi você? Dou de ombros.- Não faço ideia. Ele olha ao redor.- É sempre assim?- Na maioria das vezes - Se ele costumava frequentar a boate, com certeza já sabia disso, mas preferia puxar assunto da forma mais aleatória possível.- Mora por aqui por perto? - Ergo um dos cantos da boca, já tendo uma noção do rumo que aquela conversa estava tendo. Franzo os lábios, os movendo de um lad
Ainda no quarto, ao lado da porta, ouço a conversa tensa que se iniciava.- Quem é essa aí?- Minha...minha namorada - Rodrigo gagueja.- Desde quando?- Um ano. Eu acho - murmura - A mãe sabia. Breve pausa.- Então era dela que a sua mãe estava falando - diz sério - Ela tinha razão em dizer que não havia gostado dela - Ele diminui o tom de voz - Manda ela ir embora antes que ela chegue. O silêncio de Rodrigo, foi o suficiente para tirar minhas próprias conclusões. Não era bem vinda ali e Rodrigo não fazia muita questão em mudar isso. Pego minha bolsa ao lado do guarda-roupa, saindo do quarto antes de ser pedida para me retirar. No meio do caminho, no final do corredor, encontro Rodrigo e o pai que, automaticamente dão um passo para trás para que eu passasse.- Já tô indo - murmuro. Rodrigo desvia o olhar de mim para o pai rapidamente, antes de me olhar novamente e me seguir.- Levo você, Bruna.- Não precisa - Continuo a andar, ouvindo-o logo atrás.-
O trajeto até a casa de André, é feita em completo silêncio ou quase, já que tocava uma música do pen drive. O silêncio dele, só me deixava ainda mais encucada. Rita veio ao nosso encontro quando nos ouviu entrar na casa, secando a mão num pano de prato, enquanto em frente ao seu corpo havia um avental com o corpo de uma mulher de biquíni estampado.- Mulher, onde você se meteu? Tava preocupada com você - diz me olhando.- Passei num lugar depois que sai do trabalho - André sobe os degraus da escada, mantendo seu silêncio - Ele é sempre assim agora? Rita continua a olhar para a escada, mesmo depois de André ter sumido de vista.- Se tornou um homem de poucas palavras - Ela me olha - Mas ainda tem um bom coração. Tinha minhas dúvidas se ainda havia um coração dentro de André. Ele me parecia tão distante. Rita volta para a cozinha, se movendo com agilidade, dividindo sua atenção em ver as panelas e cortar temperos.- Quer ajuda?- E desde quando você sabe
Quarenta minutos depois, ouço uma buzina em frente da casa. Praticamente voou escada abaixo, quase me encontrando o fim dela, tentando controlar o nervosismo antes de sair. Rodrigo terminava de trancar o carro quando me aproximo do portão. Assim que me vê, um leve sorriso surge em seu rosto.- Você acredita que nunca vim aqui?- Nunca veio em Paraisópolis? - Não era algo que precisava para ter surpresa, já era esperado. Só era preciso fingir surpresa.- Não - Ele continua sorrindo, olhando ao redor - Mas é melhor do que imaginava. Está longe do que imaginei.- E... como você imaginava? - pergunto cruzando os braços.- Um lugar hostil e perigoso. Talvez por ter crescido naquele lugar, não o considerava o inferno, muito menos o céu. Era um lugar, assim como os demais, que tinha certo periculosidade e infelismente, já nos sentíamos fadados à isso.- Mas parece ser tranquilo aqui - Ele volta a me olhar - Faz muito tempo que seu irmão mora aqui?- Faz - digo sem pensa
- Gozei - diz sem fôlego, dando um beijo em meu ombro. Solto o ar dos pulmões, me afastando dele, procurando minha roupa.- Percebi.- Você não gozou não? - Tenciono meu maxilar, vestindo a roupa.- Quando eu estava pra gozar, você não deixou.- Pensei que íamos gozar junto. Balanço a cabeça de um lado para o outro. Estava prestes para rebater ele, quando ouvi a porta da frente abrir num barulho alto, o que me fez levantar com o coração acelerado, imaginando que deveria ser meu pai. Assustada, encaro a porta do quarto fechada, incapaz de me mexer.- Você ouviu? - Rodrigo pergunta, se vestindo. Assinto.- Ouvi.- E não vai lá ver? - Olho para ele. Até aquele momento, eu morava ali, então era eu que tinha que ir, não é? Prestes a abrir a porta, ouço passos vindo para o segundo andar. Me detenho, sentindo todo meu corpo gelar, até que ouço o bater de uma porta e concluo que não deveria ser meu pai e sim Rita ou até mesmo André. Abro
- Não para de pressionar! - digo praticamente em cima do volante, numa velocidade perigosa para alguém que claramente não sabia o que estava fazendo.- E você presta atenção na rua - diz ele tencionando o maxilar. Eu estava tentando. Sério, estava. Mas era difícil se concentrar, quando ao seu lado, seu irmão dava todos os sinais que estava perdendo uma grande quantidade de sangue que poderia sim, fazer falta para ele depois. Freio bruscamente quando simplesmente, uma menina de aproximadamente 15 anos surge em frente do carro.- Tá maluca?! - grito, batendo no volante - Poderia ter matado você!- Bruna... - diz André baixo, me lembrando de sua existência.- Desculpa - murmuro, afundando meu pé no acelerador e tendo como resposta, o carro morrer. Tento novamente, só conseguindo que o carro desse um solavanco forte para a frente. André vira a cabeça na minha direção, com os lábios pálidos entre abertos e as pálpebras semicerradas.- A marcha - sussurra. Olho para
- Onde vocês dois se meteram? Eu cheguei e... - Ela para de falar ao ver o marido sem camisa, sujo de sangue e parecendo um corcunda - O que aconteceu? - pergunta baixo, passando por mim.- Levei um tiro - Ele murmura, observando-a analisá-lo.- Meu Deus, André - Ela leva as duas mãos para a cabeça, antes de soltar o ar dos pulmões.- Eu tô bem. Sério. Quase que foi de raspão.- Hoje ele encrencou com a palavra quase - digo atraindo ambos os olhares. André revira os olhos, andando para dentro da casa - Isso. Me ignora - Rita se aproxima com os braços cruzados sob o peito, olhando para a porta aberta - Parece que algumas coisas você deixou de me dizer. Ela inclina a cabeça para o lado.- A gente tava na pior, Bruna. E o André não queria aceitar ajuda da minha mãe.- Você tinha que ter me dito.- E o que você iria fazer? O óbvio. Iria por na cabeça dele, nem que precisasse abri-la, que aquele não era o melhor caminho, que tudo não passava de uma ilusão e da mesma fo
- Quem mora aqui? - pergunto olhando com atenção os quatro carros aparentemente caros. Ninguém me responde. Invés disso, minha pergunta se responde quando na porta do que deveria ser a sala, o cara misterioso aparece. Puta merda. Mais rápido que queria, tudo começa a se encaixar bem diante dos meus olhos.- Molhou - diz André. O cara para de me olhar e olha para André.- O que foi?- Descobriram minha casa. Ele desvia o olhar, olhando o vazio.- A gente tem que matar eles - diz o cara ao lado, soando perigoso - Vão caçar cada um de nós.- Não, eles não vão - diz o cara misterioso calmamente.- Como sabe? - Não soa como uma simples pergunta, era como se ele desafiasse ele. Dou alguns passos pelo pátio, em busca de uma cadeira ou algum canto que pudesse me sentar.- Estão atrás dela - Volto a prestar atenção novamente na conversa, ao sentir que ele estava falando de mim. André olha por cima do ombro, mesmo sabendo que