A ESCOLHIDA
A ESCOLHIDA
Por: CANLI
Capítulo 1

AIYANA

O dia amanheceu em tons dourados e rosados, mas a tensão no ar parecia tingi-lo de algo mais sombrio. O grande evento da noite lançava uma sombra sobre cada olhar e gesto da minha prima e tia, elas estavam reluzentes e tentei ficar minimamente feliz por elas.

A aldeia estava em alvoroço desde cedo. As amigas de Isabela entravam e saíam do pequeno quarto de madeira, carregando vestidos, bijuterias brilhantes e potes de unguentos perfumados. O cheiro adocicado de jasmim e baunilha impregnava o ar, tornando tudo ainda mais sufocante. Eu me encostei no batente da porta, observando minha prima sentada diante de um espelho rachado, sorrindo de forma presunçosa enquanto uma de suas amigas trançava seu cabelo negro e sedoso, que descia como um rio escuro até sua cintura. Cada movimento dela era preciso, ensaiado. Ela sempre soube como cativar a atenção de uma sala inteira, e hoje não seria diferente.

— Você está especialmente pensativa hoje, Aiyana. — A voz de Isabela tinha um tom quase divertido, mas eu reconhecia a pontada de superioridade. — Nervosa por mim?

Ela se virou ligeiramente para me olhar através do espelho, os olhos brilhando com algo que eu não conseguia decifrar. Maxim. Não Max. Nunca Max. Eu não era íntima o suficiente para usar um apelido, nem queria ser. Maxim era dela, sempre foi. E hoje, depois do ritual, ela teria a confirmação que tanto desejava.

— Só estou absorvendo tudo isso — respondi, mantendo minha voz neutra.

Isabela sorriu. Um sorriso afiado, que me lembrava mais um desafio do que uma demonstração de afeto. Eu costumava admirá-la. Quando éramos crianças, ela era um modelo de tudo que eu queria ser: bonita, confiante, desejada. Mas com o tempo, comecei a enxergar as rachaduras na fachada perfeita. A forma como ela manipulava as pessoas ao seu redor, como fazia tudo girar em torno dela. Como mantinha Maxim preso em sua órbita com palavras ensaiadas.

O ritual de destino não era algo comum. Não mais. Havia décadas que ninguém era agraciado com um parceiro verdadeiro, um vínculo marcado pelos ancestrais. Mas Isabela acreditava que seria a exceção. Todos acreditavam. E se ela estivesse certa? Se os ancestrais confirmassem que ela e Maxim eram, de fato, almas destinadas? Ela ficará insuportável.

O vestido que ela escolhera para a cerimônia era um deslumbre de tecido simples, mas ajustado para abraçar suas curvas perfeitamente. Quando finalmente se levantou e girou para me encarar, percebi que ela já se via como uma Luna.

— Quando Maxim me reconhecer como sua, tudo vai mudar. — Isabela passou os dedos pelo colar fino de bijuteria que usava no pescoço. Um presente dele. — Você vai ver, Aiyana, o destino sempre favorece quem sabe o que quer.

Eu apenas assenti, mas uma sensação estranha me corroía por dentro. Algo naquela certeza dela me inquietava.

eus olhos deslizaram pelo meu corpo, e sua expressão se torceu em desgosto. Ela franziu o cenho, cruzando os braços de forma dramática.

— Você vai assim para o ritual? — Sua voz transbordava desdém.

Olhei para minha própria roupa. A calça marrom de couro, presente da minha avó, estava bem ajustada e confortável. A blusa branca de manga longa cobria meus braços e descia em um decote discreto em V. O cinto de caça ajustado à minha cintura segurava minhas facas. Eu não via nada de errado, mas para Isabela, minha presença, do jeito que fosse, parecia um incômodo, então eu já estava acostumada.

Ela bufou, virando-se para sua amiga Brigitte, uma morena de cabelo enrolado e baixa, que imediatamente lhe devolveu um olhar de cumplicidade.

— Minha família tem prazer em me envergonhar — murmurou Isabela, como se eu nem estivesse ali.

Brigitte soltou uma risadinha, seus olhos escuros pousando em mim com nojo mal disfarçado. Segurei o impulso de rir. Não era como se ela fosse a personificação da moral e dos bons costumes. Eu mesma a vira entrar na cabana de Luca, o beta de Maxim, duas noites atrás. E todos sabiam que seu namorado a havia largado publicamente depois de descobrir sua traição. Então, não, ela definitivamente não tinha o direito de me olhar com superioridade.

Engoli em seco, mantendo meu rosto inexpressivo. Deixe-a pensar que me atingiu. Era o que elas sempre faziam, não era?

A porta rangeu suavemente antes que uma voz firme e envelhecida enchesse o pequeno quarto.

— Isabela, minha querida, não deveria se preocupar com a escolha de roupas de Aiyana. Afinal, a grande estrela da noite é você.

Aldrich, nossa avó, entrou com a serenidade de quem já havia visto décadas de cerimônias como essa. Seu olhar era perspicaz, e havia um leve divertimento em seus olhos ao pousá-los em mim. Antes que Isabela pudesse protestar, Aldrich piscou discretamente para mim, um gesto tão pequeno que apenas eu poderia notar.

Como esperado, Isabela se recompôs rapidamente, o desgosto em seu rosto desaparecendo como se nunca tivesse estado ali. Seu queixo se ergueu um pouco mais, os ombros relaxaram, e um sorriso satisfeito tomou conta de seus lábios.

— Tem razão, vovó. Não vale a pena me estressar com isso — respondeu, ajeitando o cabelo impecável. Então, virou-se para mim mais uma vez, os olhos ainda carregando um resquício de desprezo. — Mas pelo menos tome um banho, Aiyana.

Ela falou com um tom de falsa doçura antes de me ignorar completamente e voltar para seu espelho, satisfeita por ter a última palavra.

Revirei os olhos e segui para meu quarto, feliz por não ter encontrado minha tia, Birguit, no caminho. A mãe de Isabela podia ser duas vezes pior.

Assim que fechei a porta atrás de mim, soltei um suspiro de alívio. Ter um banheiro no meu próprio quarto era um privilégio pequeno, mas que eu apreciava mais do que tudo agora.

Tomei um banho quente e relaxante, tentando lavar a tensão do encontro com Isabela. Ao sair, encarei minhas opções de roupa. O frio da noite se fazia presente, e vestidos estavam fora de questão. Escolhi uma calça jeans justa, uma blusa branca tomara que caia e uma jaqueta para espantar o frio.

Me aproximei do espelho e observei meu reflexo. O longo cabelo castanho-dourado descia em ondas soltas até o meio das costas. Meus olhos cinzentos, tão claros quanto a lua cheia, às vezes pareciam adquirir um tom azulado sob certas luzes. A pele bronzeada pelo sol trazia os sinais de minha vida ativa, assim como meu corpo definido, fruto de incontáveis caçadas. Eu não era alta, com meus 1,63m, mas minha presença nunca passou despercebida. Eu podia ser taxada de solitária, sarcástica, mas nunca fraca.

Desci as escadas e percebi que todos já haviam partido para o ritual. Suspirei e segui sozinha, encontrando Alyssa ao chegar. Ela sorriu para mim, os olhos castanhos gentis brilhando com empolgação. Minha melhor amiga, sempre otimista, ao contrário de mim, sonhava com o dia do seu próprio ritual. E eu tentava não acinzentar seus sonhos.

A cerimônia começou, e o alfa ergueu a voz, exclamando com orgulho que seu filho Maxim seria um grande líder ao lado de Isabela. As palmas ecoaram pela clareira, mas eu e Alyssa trocamos olhares cúmplices, segurando risadas. Isabela era tudo, menos uma grande líder.

A chama verde foi invocada, e um arrepio percorreu minha pele. Sempre acontecia. Eu sentia os ancestrais se manifestando no ar, na terra, no próprio sopro do vento. Isabela sorriu para Maxim, confiante. Uma a uma, as outras jovens foram apresentadas à chama, mas nenhuma delas possuía um vínculo verdadeiro. Então chegou a vez de Isabela.

O fogo crepitou, dançando sob a luz do luar. O silêncio era quase palpável. Então, uma voz ancestral, rouca e firme, emergiu das chamas.

— Não. Não existe companheiro para ela.

O impacto das palavras foi devastador. O sorriso de Isabela congelou em seu rosto. Os murmúrios cresceram. Maxim deu um passo para trás, como se tivesse levado um soco no peito. O alfa franziu a testa, e algumas mulheres mais velhas trocaram olhares de puro choque.

— Isso... isso não pode estar certo! — A voz de Isabela vacilou, tentando desesperadamente mascarar o desespero.

Mas a chama não vacilou. O destino estava selado. Alyssa apertou meu braço, e pela primeira vez, Isabela não tinha resposta alguma.

O silêncio ainda pairava sobre a clareira como um peso invisível. O alfa, de expressão rígida, deu um passo à frente, a mandíbula cerrada com força. Ele olhou para a chama verde, como se pudesse intimidá-la apenas com sua presença.

— Isso é um erro — sua voz era grave, carregada de incredulidade. — Meu filho tem uma companheira destinada.

A chama crepitou, os tons esmeralda ondulando como se rissem diante de sua petulância. E então, a mesma voz rouca, ancestral, respondeu:

— Sim, Maxim Blackwood tem uma companheira.

As palavras pareciam perfurar o ar como flechas. Murmúrios se espalharam entre os presentes, primeiro hesitantes, depois ganhando força, como uma tempestade prestes a desabar. Alyssa ofegou ao meu lado, seus dedos apertando meu pulso como se precisasse de algo sólido para se agarrar.

Maxim, que até então permanecia imóvel, franziu o cenho. Seus olhos escuros, sempre carregados de uma intensidade impenetrável, brilharam sob a luz do fogo. Ele inclinou ligeiramente o rosto para a frente, como se desafiasse a resposta que já temia.

— Então, quem é ela?

A chama tremulou. O vento soprou entre as árvores, carregando folhas secas e o perfume terroso da floresta. De repente, o fogo se desfez, transformando-se em uma fumaça densa e brilhante. A energia pulsante dançou no ar, flutuando sobre as cabeças dos aldeões. O tempo pareceu desacelerar enquanto a fumaça rodopiava, vagando como se buscasse algo.

Cada pessoa prendeu a respiração quando o brilho espectral desceu, vindo em minha direção. Meu corpo enrijeceu. Dei um passo para trás, como se pudesse evitar o inevitável. Mas a fumaça me seguiu, rodeando-me como serpentes de luz. Meu coração martelava contra o peito, a pulsação ecoando em meus ouvidos.

E então, a voz ancestral sussurrou, implacável.

— Ela.

O ar foi arrancado dos pulmões de todos ao mesmo tempo.

— Aiyana Moon é a sua companheira.

O chão pareceu se abrir sob meus pés.

— Sua única companheira.

O choque se alastrou como uma onda devastadora. Isabela arfou audivelmente, os olhos arregalados, incapaz de aceitar a verdade que se desenrolava diante dela. Maxim continuou parado, mas seus punhos se fecharam involuntariamente, os músculos tensos sob a pele. Sua respiração ficou mais pesada, sua expressão endurecida por um turbilhão de emoções conflitantes.

Alyssa, ao meu lado, não conseguia falar. O peso de todos os olhares caiu sobre mim, como se eu fosse um impostor em meio àquela revelação. Meus dedos formigavam, minha mente girava.

Isso não podia estar acontecendo.

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