AIYANA
Uma batida suave na porta me acordou, e eu levantei a cabeça, atordoada e ainda com a sensação de que a noite inteira tinha sido uma luta. A batida se repetiu, mais firme desta vez.
Já se passou um ano desde que a chama revelou que Maxim e eu somos companheiros destinados, e as coisas só pioraram. Isabela se tornou mais cruel a cada dia, e ela fazia questão de transformar cada minuto que eu passava perto dela em um inferno. Não havia um só momento em que ela não fizesse questão de esfregar na minha cara o quanto ela e Maxim estavam juntos e felizes, com toques constantes e beijos sempre visíveis ou quando ela o fazia dizer que a amava. Ele, por sua vez, me ignorava na maior parte das vezes, mas não fazia nada para impedir Isabela em seus ataques maldosos.
Às vezes, eu sentia o olhar dele. Um olhar que parecia me atravessar, e por um breve momento, eu via algo ali. Mas era tão efêmero, tão pequeno, que logo desaparecia. Maxim continuava distante, implacável, como se eu fosse insignificante para ele.
— Aiyana?
Eu levantei a cabeça, ainda atordoada, com o peso da noite anterior pressionando meu peito, como se o cansaço fosse mais do que físico.
A batida se repetiu, mais firme desta vez.
— Está tudo bem, minha querida?— a voz da minha avó chamou do outro lado da porta. Sua voz suave estava carregada de preocupação, como sempre que ela percebia que algo não estava certo.
Eu não queria preocupar minha avó, não queria que ela soubesse o quanto eu estava me sentindo cansada. Mas eu sabia que ela sabia, como sempre soubera. A minha avó tinha uma maneira única de perceber quando algo estava errado, mesmo que eu tentasse esconder.
Respirei fundo e abri a porta. Ela estava ali, na porta do meu quarto, com aquele olhar terno e carinhoso. Seus olhos, sempre tão cheios de amor e cuidado, me fizeram sentir como uma criança fragilizada, que buscava abrigo.
Ela me olhou, e com um gesto delicado, me puxou para um abraço apertado. Naquele momento, senti uma onda de alívio, como se ela fosse a âncora que eu precisava para não me afogar. Não precisei dizer nada. Ela sentiu a dor, sentiu a tristeza que eu tentava esconder.
— Não importa o que ele tenha dito, minha querida — ela sussurrou, acariciando meus cabelos com a suavidade de sempre. — Não deixe que as palavras dele definam quem você é. Você é mais forte do que imagina, e nunca se esqueça disso.
Depois de um longo silêncio, eu me afastei um pouco do abraço da minha avó, secando os olhos, e, quase sem perceber, as palavras escaparam de minha boca, carregadas com toda a frustração e dor acumulada ao longo de meses.
— Maxim... ele é um idiota detestável — eu sussurrei, com a voz falha e cansada.
Minha avó me olhou com calma, a mesma expressão contida de sempre. Ela não disse nada de imediato, apenas me abraçou novamente, com mais força, como se tentasse me proteger do mundo e de mim mesma.
Eu senti uma onda de calor percorrendo meu corpo e, pela primeira vez em muito tempo, senti uma leve esperança. Mesmo que eu estivesse quebrada, perdida em um mar de sentimentos conflitantes, minha avó estava ali para me lembrar do que eu ainda era, do que eu ainda podia ser.
No dia seguinte à revelação da chama, o pai de Maxim, Scott Blackwood, o alfa da alcateia, foi até a minha casa, com aquele tom autoritário de quem sabe que está falando com uma "inferior", e me disse claramente que eu não deveria me envolver com ninguém até os vinte e um anos, até que a consulta fosse feita novamente para confirmar se eu era ou não a companheira do filho dele.
A ousadia! Eu devia manter minha pureza intacta enquanto ele tinha o descaramento de deixar Maxim fazer o que quisesse, inclusive vivendo praticamente com Isabela. Ele nem tentava esconder. Mas eu? Eu teria que esperar. Esperar ser tratada como uma opção, como uma coisa a ser analisada.
Não mais.
Eu não era mais uma criança.
Na verdade, acabei de fazer dezoito uma semana atrás. Por isso, essa noite seria diferente. Era o meu baile de formatura, o meu último dia no ensino médio, e eu não ia deixar que essa situação de rejeição e descaso me roubasse a chance de ser feliz. Eu e Alyssa passamos o mês todo escolhendo nossos vestidos, cuidando de cada detalhe. Eu não passaria a noite sozinha em casa enquanto todos os outros estavam vivendo suas vidas. Enquanto ele vivia sua vida com minha prima malvada.
Minha avó ainda estava ali, me observando com aqueles olhos que sempre enxergavam além do que eu dizia. Talvez esperasse que eu me encolhesse de novo, que deixasse a dor me consumir, mas dessa vez não.
Eu enxuguei o rosto com as costas das mãos e ergui o queixo.
— Eu vou para o baile.
Ela me encarou por um instante, e então, sorriu suavemente.
— Então faça isso com a cabeça erguida — respondeu, seu tom firme, mas gentil. — Mostre a eles que você não é uma garota que se esconde nas sombras.
Seus dedos enrugados tocaram meu rosto, um carinho rápido, antes de se afastar para me dar espaço.
Levantei-me e fui até o armário, onde o vestido que escolhi com Alyssa esperava, pendurado.Eu não sou uma garota de vestidos, todo mundo sabe que prefiro calças, mas tem algo neste que fez mudar minha escolha por uma noite. Ele tem um tom de verde profundo, como folhas molhadas após a chuva. O tecido se moldava ao meu corpo de maneira elegante, deslizando sobre minha pele como se tivesse sido feito para mim. O decote revelava o suficiente para destacar minha feminilidade, mas sem exageros. A fenda longa, começando na coxa, acrescentava um toque de ousadia, e os ombros estavam expostos, destacando meu pescoço.
Coloquei os saltos mais altos que eu tinha, a altura dando-me uma postura mais altiva.
Quando me virei para o espelho, não vi mais uma garota magoada, cansada de ser rejeitada. Vi alguém que não iria mais aceitar ser empurrada para o canto, que não deixaria ninguém decidir como sua vida deveria ser.
Minha avó sorriu ao me observar e acenou com a cabeça, aprovando minha escolha.
— Você está linda, minha menina — disse, com orgulho evidente na voz.
Eu respirei fundo, sentindo o peso daquela noite sobre meus ombros.
Eu sabia que Maxim e Isabela estariam lá, Maxim iniciou esse ano como professor assistente de educação física e se voluntariou para ajudar na fiscalização do baile e minha prima encontrou alguma forma de ser a acompanhante dele. Sabia que eles provavelmente não se importariam com minha presença, ou pior, que Isabela faria questão de me lembrar disso. Mas, no fim, nada disso importava. Eu não estava indo por eles.
Eu estava indo por mim.
E se essa noite fosse minha vingança?
Que assim fosse.
AIYANAA música pulsa no salão, a batida vibrando no meu peito enquanto giro ao lado de Alyssa. As luzes coloridas refletem no vestido rosa brilhante dela, e por um momento, me sinto leve. O vestido verde floresta molda-se ao meu corpo, valorizando minhas curvas, e o decote ousado me faz sentir poderosa. Nunca me senti bem dançando, mas prometi à vovó que me divertiria, então estou tentando. E, de certa forma, está funcionando.Até que uma sensação quente percorre minha espinha, um arrepio que nada tem a ver com a música ou com a pista de dança lotada. É um olhar. O olhar. Não preciso ver para saber que é Maxim.O fogo daquele olhar queima minha pele como um chamado que me recuso a atender. Ele está aqui. Em algum canto do salão, observando-me. Alyssa puxa minha mão, rindo animada.— Dois gatos a caminho, e um deles está olhando direto para você!— Quê? — arqueio a sobrancelha, mas antes que eu possa reagir, os veteranos já estão aqui.Um deles, alto, cabelos castanhos desarrumados e
AIYANAAssim que chego ao estacionamento, o ar frio bate contra minha pele quente. Meus olhos encontram sua caminhonete. É azul como o céu antes do amanhecer, na verdade, exatamente como o céu, às três horas da madrugada. Ela parece tão deslocada quanto ele, robusta e sombria.Maxim já está ao lado do veículo, os punhos ainda manchados de sangue, os músculos tensionados como se estivesse se segurando para não explodir novamente. Ele aponta para a caminhonete e me olha.— Entra. — ordena.Meu instinto me manda recuar. Ainda posso sentir a eletricidade no ar entre nós, a mesma energia bruta que vi em seus olhos quando ele estava socando Seth. Mas cruzo os braços e ergo o queixo, tentando disfarçar o fato de que minhas mãos ainda tremem.— E Isabela? Ela não vai gostar nada de me ver no seu carro — provoco.Maxim apenas solta um riso sombrio.— Entra. Agora.— Vou esperar por Alyssa. — digo.— Aqui? No meio de um estacionamento vazio, com o vestido sujo de sangue e rasgado?Bufo, mas v
AIYANAQuando Maxim se levanta, meu instinto me diz para recuar, mas não o faço. Não quero dar esse gosto a ele.— Eu vim me desculpar pelo que disse antes — ele continua, esfregando a nuca. — Eu não quis dizer que você era culpada pelo que o Seth estava prestes a fazer. Eu… eu me deixei cegar pela raiva. Isso sempre acontece quando estou perto de você. É mais forte do que eu. Mas eu sei que você não teve culpa e nunca deveria ter dito aquilo.As palavras dele me pegam de surpresa. Max raramente se desculpa. E, quando o faz, nunca parece realmente afetado. Mas agora… há algo na forma como ele não consegue ficar parado.—É, você não deveria.Ele evita meu olhar, os dedos inquietos tamborila
AIYANAMeu cabelo úmido grudava na pele, uma gota escorrendo lentamente pela minha clavícula antes de desaparecer sob a toalha apertada ao meu corpo.E então lá estava ele, parado no meio do quarto, o olhar sombrio e indecifrável.Meus olhos caíram para suas mãos manchadas de sangue seco. Seth. A lembrança do que aconteceu no baile passou na minha mente, mas eu a afastei. — Eu sei que estou sendo um idiota — ele quebrou o silêncio, a voz carregada de frustração. — Mas não consigo evitar. Você acha que eu queria isso? Você acha que eu queria sentir essa merda toda vez que olho para você?O riso que escapou de mim foi seco, amargo.— Ah, claro. Porque eu sou o seu grande problema agora. — Cruzei os braços, sentindo a umidade do meu cabelo escorrer em pequenas gotas. — A Chama Ancestral nos jogou nessa bagunça, Maxim, mas a diferença entre nós é que eu nunca te culpei.Ele passou a mão pelo rosto, como se tentasse organizar os pensamentos.— Não é assim tão simples…— Não? — dei um pass
AIYANAEu não esperava nada além de um dia comum. Trabalho, banho, cama. Era assim todo ano. Mas quando abri a porta de casa e vi todas aquelas pessoas reunidas, precisei de um segundo para entender o que estava acontecendo.Alyssa estava na frente, segurando um bolo coberto de chantilly e morangos, um sorriso largo estampado no rosto.— Feliz aniversário, sua loba rabugenta!Minha avó, Aldrich, estava ao lado dela, os olhos brilhando com aquele carinho que só ela conseguia transmitir. Azz pulava animado, segurando uma bexiga colorida, enquanto Chloé cruzava os braços e lançava um meio sorriso, como se dissesse: "Sim, eu estou aqui também."Luca assobiou.— A expressão dela tá ótima. Parece que viu um fantasma.Ele não estava totalmente errado.— O que…? — Minha voz falhou.Alyssa revirou os olhos.— O que parece? É uma surpresa!Minhas mãos ainda estavam presas às alças da bolsa, e eu percebi que meu corpo inteiro estava rígido. Eu nunca comemorava meu aniversário. Nunca quis.Mas al
AIYANAA respiração de Maxim era quente contra a minha boca, e algo dentro de mim se retorceu, uma força invisível me puxando para ele.E então, ele voltou.O segundo beijo não foi um toque.Foi algo mais profundo, mais faminto.Os lábios dele moldaram os meus, quentes e exigentes, como se quisesse me gravar nele. Sua mão deslizou da minha bochecha para a nuca, puxando-me mais para perto, enquanto sua outra mão segurava minha cintura.E foi aí que aconteceu.Algo dentro de mim rugiu.Era quente e instintiv
AIYANAO cheiro de fumaça e terra molhada grudava na minha pele como se o medo tivesse um perfume próprio. A noite era densa, opaca, e não tinha estrelas. Isabela tropeçava logo atrás de mim, praguejando baixinho entre os dentes. Minha vó ia à frente, com passos decididos demais para alguém da idade dela. Birguit vinha ao lado, os olhos atentos, farejando o perigo antes mesmo que ele nos alcançasse.— Por que Icarus faria isso agora? — perguntei em voz baixa, para ninguém em especial.— Porque ele acha que Maxim e o pai dele mataram os dele. — Isabela respondeu, fria como sempre. — E você não o conhece. Ele é violento e lunático.— Eu não sei de nada — resmunguei, apertando
AIYANAAlyssa se aproximou, a testa franzida de preocupação.— Você tem certeza disso?Olhei em direção à trilha escura de novo. A floresta me esperava.— Não. — Respondi. — Mas vou assim mesmo.Virei o rosto, procurando minha avó entre as mulheres. Ela estava sentada numa pedra, os dedos entrelaçados no colo, conversando com a mãe de Eli.Meu coração apertou.Inclinei a cabeça para o lado e me aproximei de Alyssa, falando baixo, só para ela ouvir.