Era noite, e a chuva caía forte quando uma mulher foi trazida ao hospital. Seu estado era grave. Passou por várias cirurgias, mas estava demorando para acordar.
Por sorte, seu marido também havia dado entrada no hospital e pôde contar um pouco do que aconteceu. — A gente bateu o carro, ela saiu de um lado e eu de outro. Quando vi, já tinha acontecido. Foi muito rápido — disse ele, visivelmente abalado. Dias se passaram até que, finalmente, ela abriu os olhos, com muito esforço. Olhou o ambiente com calma: quarto branco, janelas grandes com persianas. Lá fora, a chuva caía forte. Um trovão a fez levar um susto, e ela fechou os olhos por um instante, antes de abri-los lentamente novamente. Começou a observar o local com mais atenção, tentando reconhecer onde estava. Viu uma porta. À frente da cama, uma cômoda. Acima, na parede, uma TV estava ligada, exibindo algum programa infantil. Virando-se um pouco, notou outra porta, desta vez aberta. Lá fora, algumas pessoas passavam — pareciam médicos. Ao olhar mais uma vez, viu uma janela de vidro, com persianas abertas, que dava para o outro lado. Havia um balcão e dois computadores. Quando seus olhos subiram um pouco mais, viu um homem debruçado sobre a cama, aparentemente dormindo. Ela ficou observando-o em silêncio, confusa. O medo começou a crescer dentro dela. Não sabia onde estava, não reconhecia nada, e não se lembrava de nada. Nesse momento, uma enfermeira passou pelo corredor, notou que ela havia acordado e entrou no quarto. Com gentileza, aproximou-se e começou a acalmá-la. — Julia, está tudo bem. — Onde eu estou? — falou apavorada. — Está em um hospital. Calma, não precisa se preocupar. A enfermeira se aproximou devagar, usando uma luz nos olhos de Julia enquanto começava a ler o prontuário. Era uma mulher magra, aparentando cerca de 40 anos. Seus cabelos eram curtos e castanhos, seu rosto redondo, com olhos castanhos escuros e pequenos, nariz delicado e lábios finos. Ela não era alta. A enfermeira parou por um momento, observando atentamente. — Está sentindo alguma coisa? — Dor de cabeça... estou confusa... eu não me lembro de nada. — Está tudo bem, vamos te ajudar com isso. Vou chamar o médico, tá bom? — Tá bom... — disse Julia, ainda assustada. O homem que estava debruçado sobre a cama de Julia acordou, viu que ela estava acordada, abriu um sorriso e começou a chorar. — Você acordou, meu amor. Achei que tinha te perdido — falou ele, entre lágrimas. — Sr. Green, ela está um pouco assustada, não se lembra de nada. Vou chamar o médico. — Tudo bem. Ele passou a mão no rosto, tentando secar as lágrimas, depois segurou a mão de Julia e a acariciou com ternura. — Não se lembra de nada? — perguntou ele, calmamente. — Só do meu nome. — Não se lembra de mim? — Não... me desculpe, eu... — Não, não se preocupe — ele a interrompeu suavemente. — O que importa é que você acordou. — O que houve? Só consigo me lembrar de chuva e luzes fortes. — Querida, você sofreu um acidente. Já faz dias que está aqui. Julia levou a mão à cabeça, sua expressão era de dor. — Acho que ainda precisa descansar. — Estou aqui há quanto tempo? — Bastante tempo. Pare de se preocupar. O médico já vem. Quando terminou de falar, o médico entrou. Olhou Julia com atenção e abriu um sorriso. Caminhou até ela e tocou seu ombro com delicadeza. — Bem-vinda de volta, Julia. Vou pedir alguns exames, tá bom? — falou ele suavemente. — Onde eu estou? — Não se lembra de nada do acidente ou antes dele? — Não... só de luzes fortes e chuva. — Você sofreu um acidente grave. Não se lembrar é normal. Com o tempo, suas memórias vão voltar. Ele anotou algo no prontuário dela. — Sr. Green, por favor, me acompanhe. Eles saíram do quarto juntos, e Julia apenas observou os dois do lado de fora. Ainda sentia medo, mas tentava se acalmar. — Sr. Green, é normal que ela não se lembre de tudo. Precisa de paciência, não a force. — Tudo bem, doutor, mas pode demorar para as memórias voltarem, ou talvez não voltem? — São possibilidades. O acidente foi muito grave. Vamos apenas seguir um dia de cada vez, tá bom? — Está bem, doutor. — Vou pedir alguns exames e começaremos a reabilitação dela. O médico entrou novamente no quarto. Julia estava curiosa, observando tudo em silêncio. — Ele vai pedir alguns exames. Pediu calma e disse que, com o tempo, as memórias vão voltar. — E se nunca voltarem? — Não vamos ser pessimistas. Estou aqui, amor. Vou te ajudar em todo o processo, não se preocupe. — Desculpa... mas o que somos, exatamente? — Somos casados há bastante tempo. Julia olhou para sua mão e viu uma linda aliança dourada, com um diamante nela. Ficou ali, observando-a, tão bonita. — Era da minha avó. — disse ele Ela o olhou e sorriu. Ele fez o mesmo, um sorriso cheio de carinho. — Eu sou o Otto, Otto Green. Nos conhecemos há bastante tempo, somos casados e resolvemos nos mudar. Você queria um lugar mais calmo, para poder escrever. — Eu escrevo? — Sim, querida, você trabalhava em um jornal local como colunista. — Uau. — Sim, você era muito boa. Não se preocupe, em casa tenho recortes. Vai poder ver tudo o que escreveu. — É tão estranho não lembrar de nada. — Julia, você acabou de acordar. Nem imagina tudo o que passou aqui, mas com calma, vou te contar, tá bom? — Julia Green? Que bonito... — sorriu. — Sim, meu amor. — Ele beijou seus lábios de leve. Logo, uma equipe veio buscar Julia para fazer os exames. Demorou bastante, e ela se sentia cansada. O médico e a enfermeira a acompanhavam. — Bom, Sr. e Sra. Green, os resultados não devem demorar a sair. Vamos ver como tudo está. Também vamos começar a reabilitação. Fizemos várias cirurgias e agora ela precisa se recuperar para voltar a andar logo. — Foi muito grave? Porque está tão estranho... — Julia falava devagar, como se isso pudesse ajudá-la a lembrar de algo. — Foi muito grave. É normal que não se lembre das coisas. Não force, está bem? — Tudo bem. Mas e se não voltar? — Julia, é uma possibilidade, sim. Pode voltar logo, pode demorar, ou pode não voltar. Mas só vamos saber com o tempo, e você terá toda a ajuda necessária. Agora, descanse. Mais tarde eu volto para te ver. O médico saiu do quarto, deixando o casal a sós. Otto segurou a mão de Julia. Ela sorriu, se ajeitou na cama e fechou os olhos. Otto se acomodou na poltrona ao lado e também fechou os olhos. Logo, os dois adormeceram. O médico voltou ainda naquele dia para verificar como Julia estava, já com os resultados em mãos. — Está tudo bem com você, Julia — disse ele, com um sorriso. — Agora, você passará pelo processo de reabilitação. Já sabemos que será longo, e doloroso, mas com calma, logo você estará andando e, em breve, indo para casa.A noite estava escura, e a chuva caía forte, como se nunca fosse parar.Raios e trovões cortavam o céu, enquanto os galhos das árvores balançavam violentamente com a força do vento. A natureza exibia toda a sua fúria de maneira incansável.Julia estava acordada, sozinha no quarto, observando a tempestade implacável pela janela. Deitada em sua cama no quarto de hospital, sentia-se pequena diante da força da natureza.De repente, um raio caiu lá fora, iluminando todo o quarto. O clarão fez Julia sentir um arrepio subir pela nuca.— Que sensação estranha... — falou Julia, pensativa. — Parece que já vi isso antes...— Déjà vu. — Disse uma voz doce e feminina. — Quando temos a sensação de já ter visto ou vivido algo, chamamos de déjà vu. — concluiu.A mulher entrou no quarto, verificou se a janela estava bem fechada e, em seguida, virou-se para Julia com um sorriso amigável no rosto.— Eu sou a Pérola, sou nova aqui. Sou a enfermeira do turno da noite.Pérola tinha cabelos longos, loiros c
Era a primeira noite de Pérola como enfermeira no hospital, e coincidentemente, Julia havia dado entrada naquela mesma noite chuvosa. A tempestade era semelhante à de agora: muita chuva e ventos fortes.No hospital, o clima era de expectativa. Com temporais assim, era comum o registro de várias ocorrências. Árvores caíam, a pista ficava cheia de poças e a visibilidade nas estradas era quase zero, criando condições perfeitas para acidentes.Apesar disso, o hospital estava calmo no início da noite. Durante o dia, vários pacientes haviam recebido alta ou sido transferidos. Sendo um hospital especializado em traumas, ele era sempre a primeira opção para socorros emergenciais.Pérola havia acabado de verificar alguns pacientes ao lado da enfermeira-chefe, que fazia questão de lhe apresentar o hospital e os colegas atarefados. A apresentação foi breve, pois, ao chegarem à emergência, notaram que o espaço começava a se encher de médicos e equipes aguardando a movimentação que o temporal prom
O primeiro a entrar em ação foi o doutor Cole, o neurocirurgião. Ele analisou a tomografia rapidamente antes de começar. A pressão intracraniana estava alta, um risco que não podia ser ignorado. Com movimentos firmes e precisos, realizou uma descompressão para aliviar a pressão, enquanto sua equipe o assistia com total atenção. O suor começava a aparecer em sua testa sob o brilho intenso das luzes cirúrgicas, mas Cole mantinha o foco.— Certo, isso deve estabilizar. Vamos verificar mais alguma coisa. — murmurou para si mesmo, enquanto inspecionava a área com cuidado.Após confirmar que não havia danos adicionais ao sistema nervoso central, Cole finalmente respirou aliviado. Ele se afastou da mesa cirúrgica e olhou para a doutora Martin, que já estava pronta para assumir a próxima etapa.Doutora Martin entrou em ação com a precisão de uma artesã. As fraturas expostas eram graves, mas não intimidavam a experiente ortopedista. Ela começou reconstruindo as estruturas ósseas da perna, util
Os dias se passaram e nada de Julia acordar. Teve que passar por mais cirurgias, e a torcida por sua recuperação era grande, embora se dividisse no medo de seu corpo não mais aguentar.– Vamos, querida, acorde. – falou Cole certa vez em uma de suas visitas a Julia.– Parece que ela precisa de mais descanso. – falou Martin, pensativa, para Cole.– Vamos levá-la para fazer exames. Temos que descobrir se há algo de errado, talvez tenhamos deixado algo passar. – disse Cole, com o temor evidente em sua voz.– Vamos ver, então, se há algo de errado com ela. – respondeu Martin.E levaram Julia mais uma vez para fazer exames.Os resultados mostraram que estava tudo bem, então só restava aguardar.Diante da preocupação crescente, o chefe dos cirurgiões decidiu convocar uma reunião com os médicos e o marido da paciente. Ele queria explicar que o hospital tinha feito tudo ao seu alcance, mas que o tempo agora era o principal aliado.– Senhor Green, sei que esta situação é extremamente difícil. –
– Não tem mais ninguém que possa te ajudar, Otto? – perguntou Katy em uma tarde.– Não, somos só eu e ela. Julia foi adotada por um casal que não podia ter filhos, e eu sou filho único. – contou ele, com uma expressão distante. – Deixamos tudo para trás na Filadélfia para começarmos uma vida nova.Katy ficou em silêncio por um momento, sentindo o peso da situação.– Bom, agora tem a gente. Você também precisa descansar.– Estou sem cabeça para nada. – Otto disse, com um suspiro, olhando para as mãos, como se buscasse respostas.– E o trabalho, Otto? Desculpe perguntar.– Não tem problema. – Otto sorriu levemente, tentando esconder a tristeza. – Sou advogado, pedi para ficar afastado por uns dias. – Ele respirou fundo, pensativo. – Sei que vou ter que voltar... mas como com ela aqui?Katy o olhou com cuidado, suas palavras vindo com suavidade, mas também com firmeza.– Como eu disse, Otto, você agora tem a gente. Precisa trabalhar, descansar... Julia vai ficar aqui por um longo tempo.
Perdida em seus pensamentos, tentando imaginar como era sua vida, Julia acabou adormecendo. Pérola, após terminar de cuidar dos pacientes, retornou ao quarto como prometido. Aconchegou-se na poltrona e começou a preencher os prontuários.Mesmo sendo muitos, conseguiu finalizá-los a tempo, encerrando seu turno com tudo em ordem.Já passava das 9 horas da manhã quando Julia despertou. Ainda sonolenta, virou-se e procurou por Pérola na poltrona, mas ela já não estava ali. Do lado de fora, os médicos, o chefe da equipe e Otto conversavam animadamente. Doutor Cole apertava a mão de Otto com firmeza, num gesto que demonstrava certa amizade.Ao perceberem que Julia os observava, acenaram e entraram no quarto.— Bom dia! — falaram todos ao mesmo tempo, animados.— Bom dia. — Julia respondeu com um sorriso.— Como está se sentindo hoje? — perguntou Dr. Cole.— Ainda sem memória. — respondeu de maneira amigável, mas logo seu tom mudou para um lamento. — A enfermeira Pérola ficou aqui esta noite
Com o clima tenso, os dois homens saíram do quarto, seguidos pelo diretor do hospital. O chefe dos cirurgiões, Marcos Garcia, permaneceu no quarto.— Vai ficar tudo bem. — disse Garcia, se aproximando de Otto, tentando oferecer alguma tranquilidade.Otto, visivelmente irritado e descontrolado, virou-se para ele.— Eles podem fazer isso? Minha esposa acabou de acordar! — Otto falou, o descontentamento evidente em sua voz.Garcia tentou manter a calma.— Otto, se acalme. Vamos ao refeitório, você precisa se acalmar. — disse ele com um tom suave, tentando controlar a situação.Otto, com os olhos marejados de lágrimas, respondeu entre soluços:— Calma como, Garcia? Ela nem sabe quem eu sou!— Calma, Otto, vamos. — Garcia insistiu, tocando no ombro dele, tentando guiá-lo para fora. — Você precisa se acalmar.Otto levantou-se rapidamente, enxugando as lágrimas com a mão, ainda visivelmente trêmulo.— Katy está lá fora, não se preocupe, eles não vão voltar tão cedo. — disse Garcia, tentando
Garcia e Otto, ao retornarem ao quarto, se depararam com a enfermeira-chefe e Julia abraçadas.— O que houve? — perguntou Otto, apreensivo.— Eu lembrei de uma voz — disse Julia, chorando.— Meu amor, que ótima notícia! — exclamou Otto, emocionado.Otto e Garcia se aproximaram das duas, que contaram o que havia acontecido. A felicidade tomou a todos.A notícia se espalhou pelo hospital. Pessoas envolvidas na cirurgia de Julia foram dar uma espiada; outras, que não participaram, mas estavam curiosas, fizeram o mesmo. Até a doutora Martin a visitou naquele dia, mais animada que o normal.— Agora vamos, deixem Julia descansar um pouco — disse Martin, colocando todos para fora e fechando a persiana para impedir a visão de quem passasse pelo corredor.— Obrigada, Martin, eu já estava ficando zonza — falou Julia, aliviada.— Você agora é uma pop star, tem que se acostumar — brincou Martin, piscando para ela.Martin fechou a porta ao sair, deixando o casal a sós.Otto segurou a mão de Julia