Com o clima tenso, os dois homens saíram do quarto, seguidos pelo diretor do hospital. O chefe dos cirurgiões, Marcos Garcia, permaneceu no quarto.
— Vai ficar tudo bem. — disse Garcia, se aproximando de Otto, tentando oferecer alguma tranquilidade. Otto, visivelmente irritado e descontrolado, virou-se para ele. — Eles podem fazer isso? Minha esposa acabou de acordar! — Otto falou, o descontentamento evidente em sua voz. Garcia tentou manter a calma. — Otto, se acalme. Vamos ao refeitório, você precisa se acalmar. — disse ele com um tom suave, tentando controlar a situação. Otto, com os olhos marejados de lágrimas, respondeu entre soluços: — Calma como, Garcia? Ela nem sabe quem eu sou! — Calma, Otto, vamos. — Garcia insistiu, tocando no ombro dele, tentando guiá-lo para fora. — Você precisa se acalmar. Otto levantou-se rapidamente, enxugando as lágrimas com a mão, ainda visivelmente trêmulo. — Katy está lá fora, não se preocupe, eles não vão voltar tão cedo. — disse Garcia, tentando acalmar Otto. Sem esperar resposta, Garcia o guiou para fora do quarto. Julia, que apenas assistiu a cena em silêncio, achou que a atitude do marido foi um exagero. Ela se sentiu um pouco distante daquela reação, mas ao mesmo tempo, compreendia o desespero dele. Sentiu uma leve dor de cabeça e, ao olhar para a porta, viu Katy do lado de fora. Com um pequeno esforço, acenou para ela. — Pode trazer água? Estou com muita sede. — Julia pediu, com um leve tom de cansaço. — Pode deixar. — respondeu Katy, sorrindo gentilmente. Alguns minutos depois, Katy retornou ao quarto, segurando uma jarra de água e um copo. Ela serviu Julia com cuidado e, em seguida, saiu silenciosamente do quarto. Agora, Julia só podia esperar o retorno do marido, sentindo uma mistura de cansaço e ansiedade. — Você está se sentindo bem, Julia? — perguntou Katy ao retornar ao quarto, notando sua expressão preocupada. — Uma leve dor de cabeça. — respondeu Julia. — Espera, vou te trazer algo. Katy saiu do quarto e foi até a pequena recepção. Pegou um prontuário, analisou rapidamente e desapareceu por alguns instantes. Não demorou muito para retornar. — Aqui, toma esse analgésico. — disse, entregando o comprimido com um copo d’água. — Obrigada. — respondeu Julia, aceitando o remédio. Julia tomou o remédio enquanto Katy verificava o monitor e, em seguida, sua pressão. — Não está alta, que bom. — Katy suspirou, aliviada. — O que vai acontecer se eu não souber responder as perguntas deles? — perguntou Julia, preocupada. — Deles quem? — Katy perguntou, fechando parte da cortina para escurecer um pouco o quarto. — Dos policiais. — Não vai acontecer nada. Você, infelizmente, ainda não se lembra. Não perturbe sua mente por causa daqueles idiotas. — Katy praticamente suplicou. — Eles não vão voltar tão cedo e, quando voltarem, você já vai estar melhor e poderá contar tudo. — Sua voz era tranquila. — Agora tenta descansar, é isso que você precisa. — E se eu não lembrar? — A pergunta saiu numa mistura de ansiedade e irritação. — Você está parecendo um disco arranhado, chega disso! — respondeu Katy, como uma mãe repreendendo um filho. — Olha, mocinha, você está até parecendo um dos meus filhos adolescentes. — Ela sorriu. — Vou repetir o que todo mundo está falando desde que você acordou… tenha calma, entendeu? — Vou tentar. — Julia revirou os olhos. — Agora deixa de ser chata e vai descansar um pouco. A última frase ficou ecoando na mente de Julia, despertando uma lembrança. Alguém já havia falado com ela daquela mesma forma… uma mulher. — Katy. — chamou. — Oi. — Acho que me lembrei de algo… graças a você. Katy notou a testa franzida de Julia e sua expressão séria. — Graças a mim? — Eu acho que minha mãe falava assim comigo. Por um instante, as duas se entreolharam e sorriram. Então, sem hesitar, Katy abraçou Julia. Ficaram assim por um momento, compartilhando a felicidade genuína daquele pequeno avanço. — Viu?! Falamos que ia voltar! As palavras de Katy mal chegaram aos ouvidos de Julia antes que as lágrimas começassem a rolar por seu rosto. Ela cobriu a boca com as mãos, tomada por um turbilhão de emoções. Não podia acreditar… Depois de tanto medo, tanta incerteza, uma lembrança finalmente voltava. Pequena, simples, mas real. — Eu… eu lembrei… — murmurou, entre soluços. Era como se uma luz acendesse em meio à escuridão. Pela primeira vez desde que acordou, Julia sentiu que não estava completamente perdida. A esperança, antes tão frágil, agora pulsava forte dentro dela. Katy apertou sua mão, sorrindo. — E muitas outras ainda vão voltar. Katy sentia uma felicidade enorme ao ver Julia começar a se lembrar. Para ela, aquilo não era algo pequeno. Cada lembrança, por mais simples que fosse, era importante. Ela sabia como era difícil. Já tinha visto antes pacientes receberem alta e retornarem às suas casas sem terem recuperado suas memórias. Era uma dor silenciosa, uma perda que ficava para sempre. Mas, naquele momento, Katy soube que Julia não passaria por isso. Talvez levasse tempo, talvez fosse um processo longo e cheio de desafios, mas ela acreditava com todo o coração que Julia se lembraria. E esse pensamento a encheu de uma esperança renovada.Garcia e Otto, ao retornarem ao quarto, se depararam com a enfermeira-chefe e Julia abraçadas.— O que houve? — perguntou Otto, apreensivo.— Eu lembrei de uma voz — disse Julia, chorando.— Meu amor, que ótima notícia! — exclamou Otto, emocionado.Otto e Garcia se aproximaram das duas, que contaram o que havia acontecido. A felicidade tomou a todos.A notícia se espalhou pelo hospital. Pessoas envolvidas na cirurgia de Julia foram dar uma espiada; outras, que não participaram, mas estavam curiosas, fizeram o mesmo. Até a doutora Martin a visitou naquele dia, mais animada que o normal.— Agora vamos, deixem Julia descansar um pouco — disse Martin, colocando todos para fora e fechando a persiana para impedir a visão de quem passasse pelo corredor.— Obrigada, Martin, eu já estava ficando zonza — falou Julia, aliviada.— Você agora é uma pop star, tem que se acostumar — brincou Martin, piscando para ela.Martin fechou a porta ao sair, deixando o casal a sós.Otto segurou a mão de Julia
Julia despertou e viu que Otto ainda estava lá. Ficou feliz em saber que não estaria só naquela noite. Ao olhar pela janela, viu o céu negro; não se podiam ver as estrelas, porém não chovia.Esticou o braço, pegou um dos livros que estavam ao lado da cama e o analisou, como se olhar algo de que gostasse pudesse fazer alguma lembrança retornar. Respirou fundo, lembrando-se de que precisava ter paciência.— Não seja ansiosa, tenha calma... Está indo bem — falou para si mesma.Apoiou o livro no braço engessado e começou a ler.Já havia se passado um bom tempo quando Otto despertou, mas ela nem percebeu, imersa na leitura. Ele ficou em silêncio, apenas observando-a. Havia algo hipnotizante na forma como seus olhos percorriam as páginas, como franzia levemente a testa quando encontrava algo que exigia mais atenção.Otto sentiu o peito aquecer. Seu amor por Julia era avassalador, uma força silenciosa que o dominava por completo. Não era apenas afeição ou carinho — era devoção. Tudo nela o f
Os dias foram passando, e a melhora de Julia era evidente. Seu corpo se fortalecia a cada dia, mesmo que sua memória ainda não tivesse voltado.Movimentos simples, como pentear o cabelo e levar a comida à boca, que antes pareciam impossíveis, agora eram parte de sua rotina. Cada pequena conquista era celebrada.— Em breve, você terá alta, mas precisará continuar com a reabilitação — disse o doutor Cole.— Aluguei uma casa aqui perto. Achei que seria o melhor para ela — respondeu Otto.— Isso vai ajudar muito! — Cole se aproximou e apertou a mão de Otto. — Vocês não precisam mais de mim, mas, mesmo assim, virei vê-la de vez em quando. Otto, sua dedicação faz toda a diferença.— Ela é o que eu tenho de mais precioso, Cole — disse Otto, com firmeza.O doutor Cole saiu do quarto, mas o dia continuou trazendo visitas para Julia. Entre elas, os policiais Black e Wilson. Dessa vez, a postura deles parecia diferente — mais amigável, talvez até mais receptiva.— Bom dia — disseram os dois ao e
— Eu não sabia como contar… Fiquei pensando o tempo todo em como você reagiria — Otto disse, entrando no quarto, a voz carregada de hesitação.Julia, tomada pela raiva e pela dor, atirou o livro que estava em seu colo para longe, fazendo-o cair no chão com um som seco.— Eu quase morri, Otto! Por causa de um bêbado desgraçado! — Ela não conseguiu esconder a frustração que transbordava.Ele se aproximou, a expressão de preocupação crescendo, tentando encontrar palavras que a acalmassem.— Julia, por favor, se acalme. Eles estão presos. Já estão pagando pelo que fizeram...Ela o interrompeu, o peito subindo e descendo rapidamente enquanto as palavras saíam com a dor de uma ferida aberta.— Eu quase morri, Otto! Eu quase morri! Você sabe disso!Otto, sem saber o que mais dizer, sentou-se na cama e a puxou para um abraço, tentando envolver a dor dela com seu próprio corpo, desejando que pudesse fazer tudo desaparecer.— Me desculpe, você devia saber por mim... — Otto disse, a voz carregad
Julia ligou a TV e tentou se distrair com a programação, mas a inquietação crescia. Começava a achar que Otto não voltaria mais ao quarto. O cansaço, no entanto, venceu suas preocupações, e ela acabou pegando no sono enquanto esperava.Um tempo depois, despertou. Piscaram algumas vezes antes de perceber que Otto estava ali, sentado na poltrona, com os olhos fixos no notebook.Ela o observou em silêncio. O rosto fino, a pele clara, os olhos azuis atentos à tela. O nariz afilado e os lábios pequenos, porém bem desenhados. A barba por fazer lhe dava um ar despreocupado, mas não o deixava menos bonito. Os cabelos castanhos claros estavam penteados para o lado, sempre alinhados. Alto e forte, parecia cuidar bem da saúde.Otto tirou os olhos do notebook e os fixou em Júlia, que ainda o observava. O silêncio entre eles se alongou, carregado de algo que nenhum dos dois conseguia nomear. Então, Julia decidiu desabafar.— Não sei se estou ficando louca ou sendo injusta com você. — Baixou o olha
Otto passou mais uma noite ao lado de Julia. Mostrou fotos, relembrou passeios, festas e momentos especiais que compartilharam. Falou também sobre Zoe—seus olhos brilhavam ao mencionar a garotinha, e isso tocou Julia de uma forma que ela não soube explicar.Ainda hesitante, ela tentou manter certa distância, mas as palavras da enfermeira ecoavam em sua mente. Estava sem memória, e a única pessoa ao seu lado era Otto. Confiar nele parecia ser sua melhor opção.Aos poucos, permitiu que ele se aproximasse. Havia algo reconfortante em seu toque suave, cuidadoso, como se quisesse protegê-la de tudo.Julia passou a observá-lo melhor. Não seu físico, mas seu jeito. Otto era carinhoso, atencioso. Quando falava sobre os momentos que viveram juntos, seus olhos se iluminavam, e dava para sentir, em cada palavra, o que ele sentia por ela. Isso a deixou sem jeito—não se lembrava de nada, e seus sentimentos eram uma completa bagunça.Quando mencionava a filha,
Não demorou para o dia amanhecer, e logo a rotina do hospital começou.Otto passou o dia ao lado de Julia, mas à noite ia embora. Assim os dias foram se repetindo.Julia estava se recuperando bem. A reabilitação era difícil, mas ela não desanimava. Os médicos haviam avisado que seria um processo doloroso e desafiador, mas, apesar da dor e da falta de ânimo em alguns momentos, ela continuava firme, focada em sua melhora.As semanas se passaram, e Julia já estava acostumada à rotina e às pessoas do hospital. Seu laço de amizade com Pérola crescia, assim como com outros pacientes e funcionários.Otto permanecia ao lado dela. Nos dias mais difíceis, a encorajava, incentivava e acolhia. Sempre a presenteava — fosse com flores, chocolates ou pequenos mimos — para animá-la e tornar o processo um pouco mais leve.A cada dia, Julia se sentia mais querida e amada por ele, e, pouco a pouco, novos sentimentos começaram a surgir.No início, t
Otto riu, saiu do carro, abriu o porta-malas e pegou a cadeira de rodas, posicionando-a em frente à porta. Em seguida, voltou, pegou Julia no colo e a carregou até a entrada, acomodando-a na cadeira antes de abrir a porta.Julia esticou o pescoço para espiar dentro da casa. Percebendo isso, Otto escancarou a porta e saiu da frente dela de propósito, divertido.— Meu Deus, você é muito curiosa! — disse, rindo.— Eu posso ver lá em cima?— Julia, você nem entrou na casa ainda, calma! — Ele riu e começou a empurrar a cadeira para dentro.Logo na entrada, um corredor estreito se estendia, coberto por uma passadeira branca que contrastava com o chão de carvalho polido, cujas tábuas reluziam sob a luz suave. Um lustre redondo, de cristal e estilo clássico, pendia do teto, criando um brilho acolhedor, enquanto um armário de madeira escura ficava repousado em um canto, com portas esculpidas e prateleiras organizadas.À medida que se avan