Otto riu, saiu do carro, abriu o porta-malas e pegou a cadeira de rodas, posicionando-a em frente à porta. Em seguida, voltou, pegou Julia no colo e a carregou até a entrada, acomodando-a na cadeira antes de abrir a porta.
Julia esticou o pescoço para espiar dentro da casa. Percebendo isso, Otto escancarou a porta e saiu da frente dela de propósito, divertido.— Meu Deus, você é muito curiosa! — disse, rindo.— Eu posso ver lá em cima?— Julia, você nem entrou na casa ainda, calma! — Ele riu e começou a empurrar a cadeira para dentro.Logo na entrada, um corredor estreito se estendia, coberto por uma passadeira branca que contrastava com o chão de carvalho polido, cujas tábuas reluziam sob a luz suave. Um lustre redondo, de cristal e estilo clássico, pendia do teto, criando um brilho acolhedor, enquanto um armário de madeira escura ficava repousado em um canto, com portas esculpidas e prateleiras organizadas.À medida que se avanOtto deslizou a mão pela perna de Julia, por baixo do vestido, aprofundando o beijo. Ela correspondeu, entregando-se ao toque dele. O desejo entre os dois era evidente, mas, antes que avançasse mais, Julia o deteve com suavidade, afastando-se apenas o suficiente para recuperar o fôlego.— Os vizinhos não podem nos ver assim — sussurrou com um sorriso contido.Otto exalou pesadamente.— Desculpa…— Não se desculpe.Ele a olhou nos olhos, a frustração misturada ao carinho.— Faz tanto tempo…Julia deslizou os dedos pelo rosto dele, tranquilizando-o.— Eu sei. Mas vamos com calma.Julia não queria ir com calma. Muito menos Otto. Mas, mesmo relutantes, decidiram parar por ali.Otto a levou para o andar de baixo, acomodou-a no sofá e lhe entregou o controle remoto.— Melhor eu ir preparar o jantar — disse, já se afastando.— Por que não pedimos pizza? Assim você fica livre da cozin
Julia foi se acalmando aos poucos. A presença de Otto a tranquilizava. Depois de um pesadelo pavoroso, era reconfortante ver alguém familiar ao seu lado.Ela pensou em se levantar, mas desistiu. O esforço que fizera mais cedo resultou em uma dor incômoda e um pequeno atrito com o marido.— Meu Deus, como é difícil ter que ficar quieta — resmungou baixinho. — Que merda...Suspirou, fixando o olhar no teto. Precisava se controlar para não se mexer demais, mas a inquietação era insuportável. Queria um copo de água, queria ir ao banheiro, queria qualquer coisa que não fosse ficar ali, imóvel.— O que diabos você está fazendo, se mexendo tanto?Julia levou um susto com a voz de Otto, seguido pelo clique do abajur sendo aceso. Virou o rosto e encontrou o olhar dele fixo nela, estudando sua agitação.— Preciso de água… Quero levantar — começou a resmungar. — Desculpa te acordar…Otto sorriu, achando graça da situação, e se leva
Julia despertou e viu Otto no computador, totalmente concentrado. O escritório estava pouco iluminado, e as cortinas balançavam suavemente com a brisa que soprava, deixando passar um pouco da luz natural, o que indicava que já não era tão cedo. O ambiente estava silencioso e aconchegante; o único som contínuo era o das teclas do computador, no qual Otto parecia grudado. Julia puxou o lençol, encolheu-se mais na poltrona e fechou os olhos. Queria apenas sentir aquele momento de paz.Ali, de olhos fechados e respirando calmamente, ouviu a cadeira se arrastar, a porta se abrir e fechar logo em seguida. Julia não se mexeu, permaneceu sonolenta, os olhos ainda cerrados. Passou um tempo até que a porta se abrisse novamente, seguida pelo toque leve de Otto em seus pés.— Amor, precisa se arrumar, temos que sair — disse ele, com calma e carinho.— Já sei… hospital — murmurou, bocejando.Julia abriu os olhos com um sorriso. Levantou-se sem pressa, arrumou-
Julia voltou para a cama, mas o sono lhe escapava. Ficou ali, deitada, os pensamentos em turbilhão, a culpa a consumindo a cada segundo. O desconforto tomava conta de seu corpo, tornando difícil até respirar.Quando se arrumou, não havia mais nada a fazer, apenas esperou Otto. Ele desceu as escadas pontualmente, com um olhar vazio e distante. Não disse uma palavra. Apenas abriu a porta e ficou ali, esperando que ela saísse. O silêncio entre eles era esmagador, cortante como vidro, e Julia se sentiu ainda mais pequena diante daquela barreira invisível.Ela sentia uma pressão no peito, o desconforto se arrastando, enquanto Otto transbordava raiva, algo impossível de ignorar. A tensão entre os dois era palpável. Por sorte, o hospital ficava perto. Logo estariam separados, e o silêncio pesado seria quebrado por outras preocupações. E foi isso o que aconteceu, mas sem qualquer alívio, apenas o vácuo de uma distância crescente.A volta para casa não foi men
Pérola falava com doçura, querendo de fato ajudar Julia. De fora, ela via a situação com outros olhos, mais claros e objetivos. Não acreditava que Julia fosse fraca ou ingrata, como ela mesma parecia se julgar. Para Pérola, Julia era forte, guerreira e, acima de tudo, sortuda por ter recebido uma segunda chance na vida e por estar se recuperando tão bem.— Julia, você não percebe o quanto é forte, não é? — disse Pérola com suavidade, enquanto olhava com carinho para a amiga. — Tudo o que você passou, tudo o que está enfrentando agora... são sinais de uma mulher que não se entrega. Você está se reconstruindo, e é isso que importa.Julia olhou para Pérola, um pouco atordoada, sem saber o que responder. Ela sempre se sentia tão vulnerável, tão perdida em meio a tudo o que estava acontecendo, mas as palavras de Pérola soavam diferentes, como uma verdade que ela precisava ouvir.— Eu não me sinto forte, Pérola — disse Julia com a voz embargada. — Às vezes, acho
Otto permaneceu frio nos dias que se seguiram. O carinho de antes desaparecera, e até sua voz soava distante. Julia tentava respeitar seu espaço, mas, no fundo, só queria que tudo voltasse ao normal. Passou os dias mergulhada na tristeza, se culpando. Pérola era sua única fonte de conforto, já que Otto parecia sempre ocupado demais para ficar por perto.— Julia, dá um tempo para ele. Isso vai passar.Pérola dizia isso, e Julia repetia para si mesma como um mantra.Otto continuava levando-a ao hospital, cuidando dela, mas sem realmente estar presente. Julia tentava se aproximar. Às vezes, parecia que havia conseguido, mas, de repente, ele se fechava de novo. Em um momento, a procurava; no outro, no meio de um gesto de carinho, recuava.Julia apenas suspirava. Não havia muito o que fazer. No começo, isso a afetou profundamente, mas, depois de três dias, decidiu que era melhor dar espaço e focar em si mesma.A casa era cheia de livros, então
Otto ajudou Julia a se levantar, pegou o notebook, colocou dentro da bolsa dela e ofereceu o braço para que ela andasse com mais segurança. Ela sorriu para ele – um sorriso bobo, um sorriso que ele adorava ver. Otto sorriu de volta, e caminharam em direção ao carro.— Aqui é bonito, né? — falou ela com um tom meigo.— Sim, muito bonito.— Podíamos comer um cachorro-quente, o que acha? — apontou para a barraca.— Nada disso, vai para casa jantar direito. Outro dia você come cachorro-quente.— Tudo bem.Ao chegar no carro, Otto abriu a porta, acomodou Julia e lhe entregou a bolsa. Depois, deu a volta, entrou e partiram em silêncio.Ao chegarem em casa, ele a ajudou a subir os degraus devagar, deixou que ela entrasse primeiro, fechou a porta atrás de si e foi até a cozinha ligar o forno novamente. Julia deitou no sofá e viu Otto passar para o quarto, demorar um pouco e então retornar.— Preparei seu banho. Dá tempo
Era noite, e a chuva caía forte quando uma mulher foi trazida ao hospital. Seu estado era grave. Passou por várias cirurgias, mas estava demorando para acordar.Por sorte, seu marido também havia dado entrada no hospital e pôde contar um pouco do que aconteceu.— A gente bateu o carro, ela saiu de um lado e eu de outro. Quando vi, já tinha acontecido. Foi muito rápido — disse ele, visivelmente abalado.Dias se passaram até que, finalmente, ela abriu os olhos, com muito esforço. Olhou o ambiente com calma: quarto branco, janelas grandes com persianas. Lá fora, a chuva caía forte. Um trovão a fez levar um susto, e ela fechou os olhos por um instante, antes de abri-los lentamente novamente.Começou a observar o local com mais atenção, tentando reconhecer onde estava. Viu uma porta. À frente da cama, uma cômoda. Acima, na parede, uma TV estava ligada, exibindo algum programa infantil. Virando-se um pouco, notou outra porta, desta vez aberta. Lá fora, algumas pessoas passavam — pareciam mé