Otto ajudou Julia a se levantar, pegou o notebook, colocou dentro da bolsa dela e ofereceu o braço para que ela andasse com mais segurança. Ela sorriu para ele – um sorriso bobo, um sorriso que ele adorava ver. Otto sorriu de volta, e caminharam em direção ao carro.
— Aqui é bonito, né? — falou ela com um tom meigo.— Sim, muito bonito.— Podíamos comer um cachorro-quente, o que acha? — apontou para a barraca.— Nada disso, vai para casa jantar direito. Outro dia você come cachorro-quente.— Tudo bem.Ao chegar no carro, Otto abriu a porta, acomodou Julia e lhe entregou a bolsa. Depois, deu a volta, entrou e partiram em silêncio.Ao chegarem em casa, ele a ajudou a subir os degraus devagar, deixou que ela entrasse primeiro, fechou a porta atrás de si e foi até a cozinha ligar o forno novamente. Julia deitou no sofá e viu Otto passar para o quarto, demorar um pouco e então retornar.— Preparei seu banho. Dá tempoEra noite, e a chuva caía forte quando uma mulher foi trazida ao hospital. Seu estado era grave. Passou por várias cirurgias, mas estava demorando para acordar.Por sorte, seu marido também havia dado entrada no hospital e pôde contar um pouco do que aconteceu.— A gente bateu o carro, ela saiu de um lado e eu de outro. Quando vi, já tinha acontecido. Foi muito rápido — disse ele, visivelmente abalado.Dias se passaram até que, finalmente, ela abriu os olhos, com muito esforço. Olhou o ambiente com calma: quarto branco, janelas grandes com persianas. Lá fora, a chuva caía forte. Um trovão a fez levar um susto, e ela fechou os olhos por um instante, antes de abri-los lentamente novamente.Começou a observar o local com mais atenção, tentando reconhecer onde estava. Viu uma porta. À frente da cama, uma cômoda. Acima, na parede, uma TV estava ligada, exibindo algum programa infantil. Virando-se um pouco, notou outra porta, desta vez aberta. Lá fora, algumas pessoas passavam — pareciam mé
A noite estava escura, e a chuva caía forte, como se nunca fosse parar.Raios e trovões cortavam o céu, enquanto os galhos das árvores balançavam violentamente com a força do vento. A natureza exibia toda a sua fúria de maneira incansável.Julia estava acordada, sozinha no quarto, observando a tempestade implacável pela janela. Deitada em sua cama no quarto de hospital, sentia-se pequena diante da força da natureza.De repente, um raio caiu lá fora, iluminando todo o quarto. O clarão fez Julia sentir um arrepio subir pela nuca.— Que sensação estranha... — falou Julia, pensativa. — Parece que já vi isso antes...— Déjà vu. — Disse uma voz doce e feminina. — Quando temos a sensação de já ter visto ou vivido algo, chamamos de déjà vu. — concluiu.A mulher entrou no quarto, verificou se a janela estava bem fechada e, em seguida, virou-se para Julia com um sorriso amigável no rosto.— Eu sou a Pérola, sou nova aqui. Sou a enfermeira do turno da noite.Pérola tinha cabelos longos, loiros c
Era a primeira noite de Pérola como enfermeira no hospital, e coincidentemente, Julia havia dado entrada naquela mesma noite chuvosa. A tempestade era semelhante à de agora: muita chuva e ventos fortes.No hospital, o clima era de expectativa. Com temporais assim, era comum o registro de várias ocorrências. Árvores caíam, a pista ficava cheia de poças e a visibilidade nas estradas era quase zero, criando condições perfeitas para acidentes.Apesar disso, o hospital estava calmo no início da noite. Durante o dia, vários pacientes haviam recebido alta ou sido transferidos. Sendo um hospital especializado em traumas, ele era sempre a primeira opção para socorros emergenciais.Pérola havia acabado de verificar alguns pacientes ao lado da enfermeira-chefe, que fazia questão de lhe apresentar o hospital e os colegas atarefados. A apresentação foi breve, pois, ao chegarem à emergência, notaram que o espaço começava a se encher de médicos e equipes aguardando a movimentação que o temporal prom
O primeiro a entrar em ação foi o doutor Cole, o neurocirurgião. Ele analisou a tomografia rapidamente antes de começar. A pressão intracraniana estava alta, um risco que não podia ser ignorado. Com movimentos firmes e precisos, realizou uma descompressão para aliviar a pressão, enquanto sua equipe o assistia com total atenção. O suor começava a aparecer em sua testa sob o brilho intenso das luzes cirúrgicas, mas Cole mantinha o foco.— Certo, isso deve estabilizar. Vamos verificar mais alguma coisa. — murmurou para si mesmo, enquanto inspecionava a área com cuidado.Após confirmar que não havia danos adicionais ao sistema nervoso central, Cole finalmente respirou aliviado. Ele se afastou da mesa cirúrgica e olhou para a doutora Martin, que já estava pronta para assumir a próxima etapa.Doutora Martin entrou em ação com a precisão de uma artesã. As fraturas expostas eram graves, mas não intimidavam a experiente ortopedista. Ela começou reconstruindo as estruturas ósseas da perna, util
Os dias se passaram e nada de Julia acordar. Teve que passar por mais cirurgias, e a torcida por sua recuperação era grande, embora se dividisse no medo de seu corpo não mais aguentar.– Vamos, querida, acorde. – falou Cole certa vez em uma de suas visitas a Julia.– Parece que ela precisa de mais descanso. – falou Martin, pensativa, para Cole.– Vamos levá-la para fazer exames. Temos que descobrir se há algo de errado, talvez tenhamos deixado algo passar. – disse Cole, com o temor evidente em sua voz.– Vamos ver, então, se há algo de errado com ela. – respondeu Martin.E levaram Julia mais uma vez para fazer exames.Os resultados mostraram que estava tudo bem, então só restava aguardar.Diante da preocupação crescente, o chefe dos cirurgiões decidiu convocar uma reunião com os médicos e o marido da paciente. Ele queria explicar que o hospital tinha feito tudo ao seu alcance, mas que o tempo agora era o principal aliado.– Senhor Green, sei que esta situação é extremamente difícil. –
– Não tem mais ninguém que possa te ajudar, Otto? – perguntou Katy em uma tarde.– Não, somos só eu e ela. Julia foi adotada por um casal que não podia ter filhos, e eu sou filho único. – contou ele, com uma expressão distante. – Deixamos tudo para trás na Filadélfia para começarmos uma vida nova.Katy ficou em silêncio por um momento, sentindo o peso da situação.– Bom, agora tem a gente. Você também precisa descansar.– Estou sem cabeça para nada. – Otto disse, com um suspiro, olhando para as mãos, como se buscasse respostas.– E o trabalho, Otto? Desculpe perguntar.– Não tem problema. – Otto sorriu levemente, tentando esconder a tristeza. – Sou advogado, pedi para ficar afastado por uns dias. – Ele respirou fundo, pensativo. – Sei que vou ter que voltar... mas como com ela aqui?Katy o olhou com cuidado, suas palavras vindo com suavidade, mas também com firmeza.– Como eu disse, Otto, você agora tem a gente. Precisa trabalhar, descansar... Julia vai ficar aqui por um longo tempo.
Perdida em seus pensamentos, tentando imaginar como era sua vida, Julia acabou adormecendo. Pérola, após terminar de cuidar dos pacientes, retornou ao quarto como prometido. Aconchegou-se na poltrona e começou a preencher os prontuários.Mesmo sendo muitos, conseguiu finalizá-los a tempo, encerrando seu turno com tudo em ordem.Já passava das 9 horas da manhã quando Julia despertou. Ainda sonolenta, virou-se e procurou por Pérola na poltrona, mas ela já não estava ali. Do lado de fora, os médicos, o chefe da equipe e Otto conversavam animadamente. Doutor Cole apertava a mão de Otto com firmeza, num gesto que demonstrava certa amizade.Ao perceberem que Julia os observava, acenaram e entraram no quarto.— Bom dia! — falaram todos ao mesmo tempo, animados.— Bom dia. — Julia respondeu com um sorriso.— Como está se sentindo hoje? — perguntou Dr. Cole.— Ainda sem memória. — respondeu de maneira amigável, mas logo seu tom mudou para um lamento. — A enfermeira Pérola ficou aqui esta noite
Com o clima tenso, os dois homens saíram do quarto, seguidos pelo diretor do hospital. O chefe dos cirurgiões, Marcos Garcia, permaneceu no quarto.— Vai ficar tudo bem. — disse Garcia, se aproximando de Otto, tentando oferecer alguma tranquilidade.Otto, visivelmente irritado e descontrolado, virou-se para ele.— Eles podem fazer isso? Minha esposa acabou de acordar! — Otto falou, o descontentamento evidente em sua voz.Garcia tentou manter a calma.— Otto, se acalme. Vamos ao refeitório, você precisa se acalmar. — disse ele com um tom suave, tentando controlar a situação.Otto, com os olhos marejados de lágrimas, respondeu entre soluços:— Calma como, Garcia? Ela nem sabe quem eu sou!— Calma, Otto, vamos. — Garcia insistiu, tocando no ombro dele, tentando guiá-lo para fora. — Você precisa se acalmar.Otto levantou-se rapidamente, enxugando as lágrimas com a mão, ainda visivelmente trêmulo.— Katy está lá fora, não se preocupe, eles não vão voltar tão cedo. — disse Garcia, tentando