Grace saiu da casa com passos firmes. Logo atrás vinha Otto, que conseguiu ultrapassá-la, chegando ao carro e abrindo a porta para que ela entrasse.
Julia ainda chorava, e Patrícia, assustada, não sabia mais o que fazer. Melhor mesmo era colocar a menina no carro e seguirem para casa.O trajeto foi marcado por um silêncio que gritava melancolia e ira.Já passava das 20h quando chegaram à residência dos Evans. Ao descerem do carro, Matthew os viu da janela. Olhou para o relógio — já havia passado da hora do encontro — e se enfureceu.— Nem mesmo uma ligação ela fez... — murmurou, irritado.Continuou observando da janela até que todos sumissem de vista. Em seguida, saiu do quarto e foi para a sala beber alguma coisa enquanto tentava organizar os pensamentos.O grupo entrou na casa e seguiu direto para a cozinha, onde Otto foi preparar um chá. As três mulheres se sentaram em silêncio.— Ok, vocês agora estão em um ambiente tranquiloO dia seguinte chegou rápido. Otto se levantou, se arrumou e foi até o quarto de Julia. Bateu na porta, esperou alguns segundos e entrou, abrindo-a com cuidado. Sentou-se na ponta da cama, puxou um pouco o lençol e afastou os cabelos que cobriam o rosto dela — inchado de tanto chorar.Otto respirou com pesar. Fez um carinho em seu ombro, tentando acordá-la. Foi um pouco difícil, mas ela finalmente abriu os olhos e o fitou, revelando todo o tormento que a consumia.Otto podia sentir os sentimentos dela, cada vez mais intensos. Sentia-se envolto por uma nuvem de infortúnio, revelada naquele olhar pesado. Colocou a mão em seu rosto — um gesto de carinho que fez uma lágrima escorrer. Julia respirou profundamente, como se cada parte do corpo doesse. Virou-se para o lado e soluçou.— Vou pegar nossos resultados, não se preocupe.Subiu o lençol até a altura em que estava antes de tocá-la e saiu do quarto em silêncio.Foi para a faculdade a pé. E
Julia comeu mais do que Otto esperava. "Com certeza é ansiedade"Pensou, enquanto a observava comer.— Acho que comi demais — confessou.— Tu jura?! — riu Otto. — Vai, me dá isso aqui.Otto tomou das mãos de Julia o prato com o sanduíche que ainda restava, além do que ela segurava na outra mão. Ela estava totalmente saciada. Deitou-se na cama e ficou ali, olhando para o teto.— Que foi? — perguntou Otto.— Não consigo tirar o que ela falou da cabeça.— Sai dessa — interrompeu.— E se ela tiver certa?— Olha, eu sei que toda essa situação é uma merda, ninguém sabe o que fazer, mas te acusar passa de todos os limites, independente da dor dela.— Mas, Otto...— Julia, por favor, não entra nessa, por favor.Ele se levantou, colocou tudo sobre a penteadeira e voltou para a cama.— Culpa de quê você teria nessa história toda, hã?— Mas... — as respostas não vinham.— Me diz, estou esperando.— Ela acha que sou culpada porque a Lin me levou para sair. Ela planejou isso desde que cheguei, qu
Grace, Daniel e Patrícia decidiram fazer um churrasco no quintal de casa. Foram ao mercado e, em seguida, arrumaram a mesa no jardim. Queriam algo simples, apenas para os mais próximos, então chamaram Matthew e o pai dele. Tudo o que desejavam era um momento familiar e leve.Seus filhos haviam passado para o último ano da faculdade. Julia e Grace estavam sendo acolhidas com carinho pela família, e a sensação era de que, finalmente, tudo caminhava para o lugar certo.Por volta das 19 horas, Matthew e o pai chegaram. A mesa no quintal ainda estava sendo finalizada, então eles se ofereceram para ajudar.No quarto, Julia acordou antes de Otto e começou a se arrumar. Após o banho, vestiu roupas leves: shorts jeans, camiseta e chinelo compunham o visual. De frente ao espelho da penteadeira, observou o próprio rosto. Os olhos marcados por olheiras pesavam suas feições.“Essa não sou eu.”O pensamento veio como um sussurro amargo, e ela se entristeceu.Pegou a escova e começou a pentear os ca
Conversas leves e risos fizeram parte da noite.Otto e Matthew ainda estavam distantes, mas mantinham a cordialidade. Julia se sentou entre a mãe e o pai de Otto, que ficaram o tempo todo a fazendo rir.A comida estava boa, a conversa também, mas havia algo a ser dito. Aquilo não era somente uma reunião para comemorar Matthew ter finalizado a faculdade, ou Otto e Julia estarem no último ano. Tinha algo a mais.— Meninos, precisamos contar algo — começou Edward, pai de Matthew. — O julgamento foi marcado e é necessário que vocês testemunhem.Fez-se um silêncio. Os três se olharam, surpresos. Ninguém esperava por tal notícia. O clima ficou tenso; eles não sabiam o que dizer.— Eu sei que é difícil — continuou Edward —, Mas precisamos de toda a ajuda possível para que o desgraçado continue na cadeia.— O que eu tenho que fazer? — perguntou Julia, decidida.— Julia... — Otto e Matthew falaram ao mesmo tempo, com a mesma tonalidad
A semana passou tranquila. Matthew e o pai foram visitar Nancy, que ainda iria passar um bom tempo longe de casa. A visita animou bastante ela — Matthew estava simpático, mostrava preocupação e até mesmo carinho. Apesar de tudo, realmente amava sua mãe, mesmo que fosse de uma forma um tanto distorcida.Edward mostrou apoio, mas estava com os papéis do divórcio em mãos. Nancy não esboçou nenhuma reação, já esperava por isso. Matthew se levantou ao ver a cena e se afastou um pouco, deixando os dois a sós. Foi algo rápido e amigável: os dois concordaram que seria melhor a separação. Nancy ficaria ali por mais alguns dias e depois viajaria para visitar as irmãs.Edward a fez lembrar de quão distante da família estava, de quantos amigos tinha por aí. Dinheiro não seria problema — garantiu que Matthew estaria bem e que já era adulto, não havia motivo para se preocupar. Assinaram os papéis e se abraçaram. A paz estava selada.Levantaram e foram em direção a Matthew, que estava sentado em um
Era noite, e a chuva caía forte quando uma mulher foi trazida ao hospital. Seu estado era grave. Passou por várias cirurgias, mas estava demorando para acordar.Por sorte, seu marido também havia dado entrada no hospital e pôde contar um pouco do que aconteceu.— A gente bateu o carro, ela saiu de um lado e eu de outro. Quando vi, já tinha acontecido. Foi muito rápido — disse ele, visivelmente abalado.Dias se passaram até que, finalmente, ela abriu os olhos, com muito esforço. Olhou o ambiente com calma: quarto branco, janelas grandes com persianas. Lá fora, a chuva caía forte. Um trovão a fez levar um susto, e ela fechou os olhos por um instante, antes de abri-los lentamente novamente.Começou a observar o local com mais atenção, tentando reconhecer onde estava. Viu uma porta. À frente da cama, uma cômoda. Acima, na parede, uma TV estava ligada, exibindo algum programa infantil. Virando-se um pouco, notou outra porta, desta vez aberta. Lá fora, algumas pessoas passavam — pareciam mé
A noite estava escura, e a chuva caía forte, como se nunca fosse parar.Raios e trovões cortavam o céu, enquanto os galhos das árvores balançavam violentamente com a força do vento. A natureza exibia toda a sua fúria de maneira incansável.Julia estava acordada, sozinha no quarto, observando a tempestade implacável pela janela. Deitada em sua cama no quarto de hospital, sentia-se pequena diante da força da natureza.De repente, um raio caiu lá fora, iluminando todo o quarto. O clarão fez Julia sentir um arrepio subir pela nuca.— Que sensação estranha... — falou Julia, pensativa. — Parece que já vi isso antes...— Déjà vu. — Disse uma voz doce e feminina. — Quando temos a sensação de já ter visto ou vivido algo, chamamos de déjà vu. — concluiu.A mulher entrou no quarto, verificou se a janela estava bem fechada e, em seguida, virou-se para Julia com um sorriso amigável no rosto.— Eu sou a Pérola, sou nova aqui. Sou a enfermeira do turno da noite.Pérola tinha cabelos longos, loiros c
Era a primeira noite de Pérola como enfermeira no hospital, e coincidentemente, Julia havia dado entrada naquela mesma noite chuvosa. A tempestade era semelhante à de agora: muita chuva e ventos fortes.No hospital, o clima era de expectativa. Com temporais assim, era comum o registro de várias ocorrências. Árvores caíam, a pista ficava cheia de poças e a visibilidade nas estradas era quase zero, criando condições perfeitas para acidentes.Apesar disso, o hospital estava calmo no início da noite. Durante o dia, vários pacientes haviam recebido alta ou sido transferidos. Sendo um hospital especializado em traumas, ele era sempre a primeira opção para socorros emergenciais.Pérola havia acabado de verificar alguns pacientes ao lado da enfermeira-chefe, que fazia questão de lhe apresentar o hospital e os colegas atarefados. A apresentação foi breve, pois, ao chegarem à emergência, notaram que o espaço começava a se encher de médicos e equipes aguardando a movimentação que o temporal prom