Otto passou mais uma noite ao lado de Julia. Mostrou fotos, relembrou passeios, festas e momentos especiais que compartilharam. Falou também sobre Zoe—seus olhos brilhavam ao mencionar a garotinha, e isso tocou Julia de uma forma que ela não soube explicar.Ainda hesitante, ela tentou manter certa distância, mas as palavras da enfermeira ecoavam em sua mente. Estava sem memória, e a única pessoa ao seu lado era Otto. Confiar nele parecia ser sua melhor opção.Aos poucos, permitiu que ele se aproximasse. Havia algo reconfortante em seu toque suave, cuidadoso, como se quisesse protegê-la de tudo.Julia passou a observá-lo melhor. Não seu físico, mas seu jeito. Otto era carinhoso, atencioso. Quando falava sobre os momentos que viveram juntos, seus olhos se iluminavam, e dava para sentir, em cada palavra, o que ele sentia por ela. Isso a deixou sem jeito—não se lembrava de nada, e seus sentimentos eram uma completa bagunça.Quando mencionava a filha,
Não demorou para o dia amanhecer, e logo a rotina do hospital começou.Otto passou o dia ao lado de Julia, mas à noite ia embora. Assim os dias foram se repetindo.Julia estava se recuperando bem. A reabilitação era difícil, mas ela não desanimava. Os médicos haviam avisado que seria um processo doloroso e desafiador, mas, apesar da dor e da falta de ânimo em alguns momentos, ela continuava firme, focada em sua melhora.As semanas se passaram, e Julia já estava acostumada à rotina e às pessoas do hospital. Seu laço de amizade com Pérola crescia, assim como com outros pacientes e funcionários.Otto permanecia ao lado dela. Nos dias mais difíceis, a encorajava, incentivava e acolhia. Sempre a presenteava — fosse com flores, chocolates ou pequenos mimos — para animá-la e tornar o processo um pouco mais leve.A cada dia, Julia se sentia mais querida e amada por ele, e, pouco a pouco, novos sentimentos começaram a surgir.No início, t
Otto riu, saiu do carro, abriu o porta-malas e pegou a cadeira de rodas, posicionando-a em frente à porta. Em seguida, voltou, pegou Julia no colo e a carregou até a entrada, acomodando-a na cadeira antes de abrir a porta.Julia esticou o pescoço para espiar dentro da casa. Percebendo isso, Otto escancarou a porta e saiu da frente dela de propósito, divertido.— Meu Deus, você é muito curiosa! — disse, rindo.— Eu posso ver lá em cima?— Julia, você nem entrou na casa ainda, calma! — Ele riu e começou a empurrar a cadeira para dentro.Logo na entrada, um corredor estreito se estendia, coberto por uma passadeira branca que contrastava com o chão de carvalho polido, cujas tábuas reluziam sob a luz suave. Um lustre redondo, de cristal e estilo clássico, pendia do teto, criando um brilho acolhedor, enquanto um armário de madeira escura ficava repousado em um canto, com portas esculpidas e prateleiras organizadas.À medida que se avan
Otto deslizou a mão pela perna de Julia, por baixo do vestido, aprofundando o beijo. Ela correspondeu, entregando-se ao toque dele. O desejo entre os dois era evidente, mas, antes que avançasse mais, Julia o deteve com suavidade, afastando-se apenas o suficiente para recuperar o fôlego.— Os vizinhos não podem nos ver assim — sussurrou com um sorriso contido.Otto exalou pesadamente.— Desculpa…— Não se desculpe.Ele a olhou nos olhos, a frustração misturada ao carinho.— Faz tanto tempo…Julia deslizou os dedos pelo rosto dele, tranquilizando-o.— Eu sei. Mas vamos com calma.Julia não queria ir com calma. Muito menos Otto. Mas, mesmo relutantes, decidiram parar por ali.Otto a levou para o andar de baixo, acomodou-a no sofá e lhe entregou o controle remoto.— Melhor eu ir preparar o jantar — disse, já se afastando.— Por que não pedimos pizza? Assim você fica livre da cozin
Julia foi se acalmando aos poucos. A presença de Otto a tranquilizava. Depois de um pesadelo pavoroso, era reconfortante ver alguém familiar ao seu lado.Ela pensou em se levantar, mas desistiu. O esforço que fizera mais cedo resultou em uma dor incômoda e um pequeno atrito com o marido.— Meu Deus, como é difícil ter que ficar quieta — resmungou baixinho. — Que merda...Suspirou, fixando o olhar no teto. Precisava se controlar para não se mexer demais, mas a inquietação era insuportável. Queria um copo de água, queria ir ao banheiro, queria qualquer coisa que não fosse ficar ali, imóvel.— O que diabos você está fazendo, se mexendo tanto?Julia levou um susto com a voz de Otto, seguido pelo clique do abajur sendo aceso. Virou o rosto e encontrou o olhar dele fixo nela, estudando sua agitação.— Preciso de água… Quero levantar — começou a resmungar. — Desculpa te acordar…Otto sorriu, achando graça da situação, e se leva
Julia despertou e viu Otto no computador, totalmente concentrado. O escritório estava pouco iluminado, e as cortinas balançavam suavemente com a brisa que soprava, deixando passar um pouco da luz natural, o que indicava que já não era tão cedo. O ambiente estava silencioso e aconchegante; o único som contínuo era o das teclas do computador, no qual Otto parecia grudado. Julia puxou o lençol, encolheu-se mais na poltrona e fechou os olhos. Queria apenas sentir aquele momento de paz.Ali, de olhos fechados e respirando calmamente, ouviu a cadeira se arrastar, a porta se abrir e fechar logo em seguida. Julia não se mexeu, permaneceu sonolenta, os olhos ainda cerrados. Passou um tempo até que a porta se abrisse novamente, seguida pelo toque leve de Otto em seus pés.— Amor, precisa se arrumar, temos que sair — disse ele, com calma e carinho.— Já sei… hospital — murmurou, bocejando.Julia abriu os olhos com um sorriso. Levantou-se sem pressa, arrumou-
Julia voltou para a cama, mas o sono lhe escapava. Ficou ali, deitada, os pensamentos em turbilhão, a culpa a consumindo a cada segundo. O desconforto tomava conta de seu corpo, tornando difícil até respirar.Quando se arrumou, não havia mais nada a fazer, apenas esperou Otto. Ele desceu as escadas pontualmente, com um olhar vazio e distante. Não disse uma palavra. Apenas abriu a porta e ficou ali, esperando que ela saísse. O silêncio entre eles era esmagador, cortante como vidro, e Julia se sentiu ainda mais pequena diante daquela barreira invisível.Ela sentia uma pressão no peito, o desconforto se arrastando, enquanto Otto transbordava raiva, algo impossível de ignorar. A tensão entre os dois era palpável. Por sorte, o hospital ficava perto. Logo estariam separados, e o silêncio pesado seria quebrado por outras preocupações. E foi isso o que aconteceu, mas sem qualquer alívio, apenas o vácuo de uma distância crescente.A volta para casa não foi men
Pérola falava com doçura, querendo de fato ajudar Julia. De fora, ela via a situação com outros olhos, mais claros e objetivos. Não acreditava que Julia fosse fraca ou ingrata, como ela mesma parecia se julgar. Para Pérola, Julia era forte, guerreira e, acima de tudo, sortuda por ter recebido uma segunda chance na vida e por estar se recuperando tão bem.— Julia, você não percebe o quanto é forte, não é? — disse Pérola com suavidade, enquanto olhava com carinho para a amiga. — Tudo o que você passou, tudo o que está enfrentando agora... são sinais de uma mulher que não se entrega. Você está se reconstruindo, e é isso que importa.Julia olhou para Pérola, um pouco atordoada, sem saber o que responder. Ela sempre se sentia tão vulnerável, tão perdida em meio a tudo o que estava acontecendo, mas as palavras de Pérola soavam diferentes, como uma verdade que ela precisava ouvir.— Eu não me sinto forte, Pérola — disse Julia com a voz embargada. — Às vezes, acho