Garcia e Otto, ao retornarem ao quarto, se depararam com a enfermeira-chefe e Julia abraçadas.
— O que houve? — perguntou Otto, apreensivo. — Eu lembrei de uma voz — disse Julia, chorando. — Meu amor, que ótima notícia! — exclamou Otto, emocionado. Otto e Garcia se aproximaram das duas, que contaram o que havia acontecido. A felicidade tomou a todos. A notícia se espalhou pelo hospital. Pessoas envolvidas na cirurgia de Julia foram dar uma espiada; outras, que não participaram, mas estavam curiosas, fizeram o mesmo. Até a doutora Martin a visitou naquele dia, mais animada que o normal. — Agora vamos, deixem Julia descansar um pouco — disse Martin, colocando todos para fora e fechando a persiana para impedir a visão de quem passasse pelo corredor. — Obrigada, Martin, eu já estava ficando zonza — falou Julia, aliviada. — Você agora é uma pop star, tem que se acostumar — brincou Martin, piscando para ela. Martin fechou a porta ao sair, deixando o casal a sós. Otto segurou a mão de Julia e sorriu. — É incrível você ter se lembrado de algo. Estou tão feliz. — Foi algo tão bobo... — Bobo? Você está louca? — Ele riu de leve. — Isso é incrível! Logo você vai lembrar de tudo. Só precisamos ter paciência. Julia abaixou o olhar, a voz saindo mais baixa. — Achei que nunca fosse lembrar de nada. — Eu sei... Mas, dessa vez, você estava errada — disse Otto, beijando suavemente o rosto dela. — Agora descanse um pouco. — Acho que vou... Estou me sentindo cansada. — Durma, meu amor. Estou aqui com você. Por um momento, o silêncio se instalou no quarto. Então, hesitante, Julia chamou por ele: — Otto... — O que foi? Ela respirou fundo antes de continuar. — Desde que acordei, ainda não me olhei no espelho. Eu queria... Otto a observou por um instante, entendendo o que ela queria dizer antes mesmo que terminasse a frase. — Já entendi — interrompeu ele, com um tom suave. Otto pegou na mochila um espelho de mão, grande o suficiente para que ela visse o rosto inteiro. Julia o segurou com cuidado e se olhou pela primeira vez desde que acordara. Mesmo com o curativo, conseguiu perceber seus traços: os cabelos bem negros, os olhos igualmente escuros, o nariz fino e os lábios rosados, bem desenhados. Um sorriso tímido surgiu em seu rosto. — Mesmo remendada, eu sou bonita — disse, devolvendo o espelho a Otto. Ele a observou com carinho, os olhos brilhando. — Você é linda. A mulher mais bonita que já conheci. — Não exagera... — murmurou ela, sem graça. — Não é exagero. — Otto guardou o espelho na gaveta. — Vou deixá-lo aqui. Sempre que quiser, é só pegar. Otto ajudou Julia a se acomodar melhor na cama, acariciou seu rosto com delicadeza e, em seguida, sentou-se na poltrona. Pegou outro notebook da mochila, abriu-o e começou a mexer, concentrado. — O que está fazendo? — perguntou Julia, depois de um tempo observando Otto. — Trabalhando — respondeu Otto, sem tirar os olhos do notebook. — E o que você faz, exatamente? — Sou advogado — disse ele, fazendo uma pausa e olhando para Julia, que continuava observando-o atentamente. — Preciso agilizar isso aqui. Quanto mais cedo terminar, mais cedo vou poder ficar com você. Você precisa descansar. Prometo que, quando acabar, vou ser todo seu. — Podia me contar umas coisinhas... — Combinado. Agora, vai dormir. Otto voltou a se concentrar na tela à sua frente, os dedos ágeis movendo-se pelo teclado enquanto Julia, com a respiração tranquila, fechava os olhos e logo adormecia. O silêncio no quarto era interrompido apenas pelo leve som das teclas e a suave respiração de Julia. Ela tivera um dia intenso, entre emoções e esforços físicos, e seu corpo finalmente pedia descanso. Otto, por sua vez, também sentia o peso da exaustão. Sabia que precisava terminar algumas tarefas antes de poder se permitir um descanso. O trabalho, que parecia interminável, estava exigindo sua atenção constante. Horas se passaram, e Otto, apesar da pressão e das preocupações, conseguiu adiantar muitas coisas. O progresso foi suficiente para que ele sentisse que poderia dar uma pausa. Com um suspiro de alívio, ele fechou o notebook e olhou para Julia, que estava envolta na calma do sono. Ele não iria embora naquela noite. Permaneceria ali com ela até o dia seguinte. Não queria deixá-la sozinha, especialmente após um passo tão importante na recuperação dela. O sentimento de proteção, de querer estar presente, dominava suas ações. Então, sem se preocupar com mais nada, ele se acomodou na poltrona próxima à cama, puxou uma manta e ficou observando Julia dormir, sentindo a paz que a presença dela lhe trazia. O trabalho, as preocupações, tudo ficou para trás. Nada mais importava naquele momento, só estar ali, ao lado dela. A noite seguiu em silêncio, e Otto se permitiu relaxar, envolvido pela tranquilidade do momento. Ele estava onde deveria estar.Julia despertou e viu que Otto ainda estava lá. Ficou feliz em saber que não estaria só naquela noite. Ao olhar pela janela, viu o céu negro; não se podiam ver as estrelas, porém não chovia.Esticou o braço, pegou um dos livros que estavam ao lado da cama e o analisou, como se olhar algo de que gostasse pudesse fazer alguma lembrança retornar. Respirou fundo, lembrando-se de que precisava ter paciência.— Não seja ansiosa, tenha calma... Está indo bem — falou para si mesma.Apoiou o livro no braço engessado e começou a ler.Já havia se passado um bom tempo quando Otto despertou, mas ela nem percebeu, imersa na leitura. Ele ficou em silêncio, apenas observando-a. Havia algo hipnotizante na forma como seus olhos percorriam as páginas, como franzia levemente a testa quando encontrava algo que exigia mais atenção.Otto sentiu o peito aquecer. Seu amor por Julia era avassalador, uma força silenciosa que o dominava por completo. Não era apenas afeição ou carinho — era devoção. Tudo nela o f
Os dias foram passando, e a melhora de Julia era evidente. Seu corpo se fortalecia a cada dia, mesmo que sua memória ainda não tivesse voltado.Movimentos simples, como pentear o cabelo e levar a comida à boca, que antes pareciam impossíveis, agora eram parte de sua rotina. Cada pequena conquista era celebrada.— Em breve, você terá alta, mas precisará continuar com a reabilitação — disse o doutor Cole.— Aluguei uma casa aqui perto. Achei que seria o melhor para ela — respondeu Otto.— Isso vai ajudar muito! — Cole se aproximou e apertou a mão de Otto. — Vocês não precisam mais de mim, mas, mesmo assim, virei vê-la de vez em quando. Otto, sua dedicação faz toda a diferença.— Ela é o que eu tenho de mais precioso, Cole — disse Otto, com firmeza.O doutor Cole saiu do quarto, mas o dia continuou trazendo visitas para Julia. Entre elas, os policiais Black e Wilson. Dessa vez, a postura deles parecia diferente — mais amigável, talvez até mais receptiva.— Bom dia — disseram os dois ao e
— Eu não sabia como contar… Fiquei pensando o tempo todo em como você reagiria — Otto disse, entrando no quarto, a voz carregada de hesitação.Julia, tomada pela raiva e pela dor, atirou o livro que estava em seu colo para longe, fazendo-o cair no chão com um som seco.— Eu quase morri, Otto! Por causa de um bêbado desgraçado! — Ela não conseguiu esconder a frustração que transbordava.Ele se aproximou, a expressão de preocupação crescendo, tentando encontrar palavras que a acalmassem.— Julia, por favor, se acalme. Eles estão presos. Já estão pagando pelo que fizeram...Ela o interrompeu, o peito subindo e descendo rapidamente enquanto as palavras saíam com a dor de uma ferida aberta.— Eu quase morri, Otto! Eu quase morri! Você sabe disso!Otto, sem saber o que mais dizer, sentou-se na cama e a puxou para um abraço, tentando envolver a dor dela com seu próprio corpo, desejando que pudesse fazer tudo desaparecer.— Me desculpe, você devia saber por mim... — Otto disse, a voz carregad
Julia ligou a TV e tentou se distrair com a programação, mas a inquietação crescia. Começava a achar que Otto não voltaria mais ao quarto. O cansaço, no entanto, venceu suas preocupações, e ela acabou pegando no sono enquanto esperava.Um tempo depois, despertou. Piscaram algumas vezes antes de perceber que Otto estava ali, sentado na poltrona, com os olhos fixos no notebook.Ela o observou em silêncio. O rosto fino, a pele clara, os olhos azuis atentos à tela. O nariz afilado e os lábios pequenos, porém bem desenhados. A barba por fazer lhe dava um ar despreocupado, mas não o deixava menos bonito. Os cabelos castanhos claros estavam penteados para o lado, sempre alinhados. Alto e forte, parecia cuidar bem da saúde.Otto tirou os olhos do notebook e os fixou em Júlia, que ainda o observava. O silêncio entre eles se alongou, carregado de algo que nenhum dos dois conseguia nomear. Então, Julia decidiu desabafar.— Não sei se estou ficando louca ou sendo injusta com você. — Baixou o olha
Otto passou mais uma noite ao lado de Julia. Mostrou fotos, relembrou passeios, festas e momentos especiais que compartilharam. Falou também sobre Zoe—seus olhos brilhavam ao mencionar a garotinha, e isso tocou Julia de uma forma que ela não soube explicar.Ainda hesitante, ela tentou manter certa distância, mas as palavras da enfermeira ecoavam em sua mente. Estava sem memória, e a única pessoa ao seu lado era Otto. Confiar nele parecia ser sua melhor opção.Aos poucos, permitiu que ele se aproximasse. Havia algo reconfortante em seu toque suave, cuidadoso, como se quisesse protegê-la de tudo.Julia passou a observá-lo melhor. Não seu físico, mas seu jeito. Otto era carinhoso, atencioso. Quando falava sobre os momentos que viveram juntos, seus olhos se iluminavam, e dava para sentir, em cada palavra, o que ele sentia por ela. Isso a deixou sem jeito—não se lembrava de nada, e seus sentimentos eram uma completa bagunça.Quando mencionava a filha,
Não demorou para o dia amanhecer, e logo a rotina do hospital começou.Otto passou o dia ao lado de Julia, mas à noite ia embora. Assim os dias foram se repetindo.Julia estava se recuperando bem. A reabilitação era difícil, mas ela não desanimava. Os médicos haviam avisado que seria um processo doloroso e desafiador, mas, apesar da dor e da falta de ânimo em alguns momentos, ela continuava firme, focada em sua melhora.As semanas se passaram, e Julia já estava acostumada à rotina e às pessoas do hospital. Seu laço de amizade com Pérola crescia, assim como com outros pacientes e funcionários.Otto permanecia ao lado dela. Nos dias mais difíceis, a encorajava, incentivava e acolhia. Sempre a presenteava — fosse com flores, chocolates ou pequenos mimos — para animá-la e tornar o processo um pouco mais leve.A cada dia, Julia se sentia mais querida e amada por ele, e, pouco a pouco, novos sentimentos começaram a surgir.No início, t
Otto riu, saiu do carro, abriu o porta-malas e pegou a cadeira de rodas, posicionando-a em frente à porta. Em seguida, voltou, pegou Julia no colo e a carregou até a entrada, acomodando-a na cadeira antes de abrir a porta.Julia esticou o pescoço para espiar dentro da casa. Percebendo isso, Otto escancarou a porta e saiu da frente dela de propósito, divertido.— Meu Deus, você é muito curiosa! — disse, rindo.— Eu posso ver lá em cima?— Julia, você nem entrou na casa ainda, calma! — Ele riu e começou a empurrar a cadeira para dentro.Logo na entrada, um corredor estreito se estendia, coberto por uma passadeira branca que contrastava com o chão de carvalho polido, cujas tábuas reluziam sob a luz suave. Um lustre redondo, de cristal e estilo clássico, pendia do teto, criando um brilho acolhedor, enquanto um armário de madeira escura ficava repousado em um canto, com portas esculpidas e prateleiras organizadas.À medida que se avan
Otto deslizou a mão pela perna de Julia, por baixo do vestido, aprofundando o beijo. Ela correspondeu, entregando-se ao toque dele. O desejo entre os dois era evidente, mas, antes que avançasse mais, Julia o deteve com suavidade, afastando-se apenas o suficiente para recuperar o fôlego.— Os vizinhos não podem nos ver assim — sussurrou com um sorriso contido.Otto exalou pesadamente.— Desculpa…— Não se desculpe.Ele a olhou nos olhos, a frustração misturada ao carinho.— Faz tanto tempo…Julia deslizou os dedos pelo rosto dele, tranquilizando-o.— Eu sei. Mas vamos com calma.Julia não queria ir com calma. Muito menos Otto. Mas, mesmo relutantes, decidiram parar por ali.Otto a levou para o andar de baixo, acomodou-a no sofá e lhe entregou o controle remoto.— Melhor eu ir preparar o jantar — disse, já se afastando.— Por que não pedimos pizza? Assim você fica livre da cozin