Os dias se passaram e nada de Julia acordar. Teve que passar por mais cirurgias, e a torcida por sua recuperação era grande, embora se dividisse no medo de seu corpo não mais aguentar.
– Vamos, querida, acorde. – falou Cole certa vez em uma de suas visitas a Julia. – Parece que ela precisa de mais descanso. – falou Martin, pensativa, para Cole. – Vamos levá-la para fazer exames. Temos que descobrir se há algo de errado, talvez tenhamos deixado algo passar. – disse Cole, com o temor evidente em sua voz. – Vamos ver, então, se há algo de errado com ela. – respondeu Martin. E levaram Julia mais uma vez para fazer exames. Os resultados mostraram que estava tudo bem, então só restava aguardar. Diante da preocupação crescente, o chefe dos cirurgiões decidiu convocar uma reunião com os médicos e o marido da paciente. Ele queria explicar que o hospital tinha feito tudo ao seu alcance, mas que o tempo agora era o principal aliado. – Senhor Green, sei que esta situação é extremamente difícil. – começou o chefe dos cirurgiões, com a voz pausada e séria. – Garanto que nossa equipe está fazendo tudo o que pode. As cirurgias foram um sucesso, os exames não mostram anomalias... – Por favor, me chame de Otto. – interrompeu ele, ansioso. – Mas, se vocês fizeram tudo, por que ela ainda não acordou? É minha esposa... Não consigo entender! Será que não deixaram passar nada? O chefe suspirou, mantendo um olhar de compaixão. – Otto, eu entendo o que você está sentindo, e posso imaginar o quanto essa espera está sendo insuportável. – disse ele, baixando o tom de voz. – O acidente foi muito grave. O corpo dela sofreu traumas severos, e está em um processo lento de recuperação. É como se ela estivesse reunindo forças para voltar. – Então ela vai acordar, certo? – insistiu Otto, a voz embargada, como se implorasse por uma garantia. – Não posso dar uma resposta absoluta, mas tudo aponta para isso. – respondeu o chefe, lançando um olhar breve para Cole, que estava ao seu lado. Cole, percebendo a tensão do marido, se aproximou com os exames nas mãos. – Veja aqui, Otto. Não há sinais de complicações. O corpo dela só precisa de mais tempo. Eu sei que não é o que você queria ouvir, mas às vezes o processo de cura exige paciência... e fé. Otto abaixou a cabeça, apertando as mãos contra o rosto. – Eu só quero minha Julia de volta. Não sei quanto mais consigo esperar... Cole colocou uma mão firme, mas reconfortante, em seu ombro. – Estamos com você, Otto. Não vamos desistir dela. O silêncio na sala foi carregado, mas havia algo de tranquilizador nas palavras e olhares de todos ali. Eram muitos exames. Vários papéis foram colocados à mesa, e os médicos explicaram tudo calmamente para que Otto entendesse a complexidade da situação. – Vamos continuar esperando, então. – falou Otto, decidido. Doutora Martin recolheu os exames, guardando-os cuidadosamente. Já ia saindo, mas parou. Virou-se para Otto e, com o olhar carregado de compaixão, disse: – Otto, vou ser bem sincera com você. – disse doutora Martin, sua voz carregada de preocupação e doçura. – Se ela acordar, terá uma reabilitação muito longa e dolorosa. Vai haver dias em que ela vai querer desistir, e você precisará estar pronto para apoiá-la. Otto respirou fundo, sentindo o peso das palavras. Seus olhos se encheram de lágrimas, mas ele manteve a voz firme. – Eu, com certeza, não faço ideia do que ela vai passar... – pausou, engolindo em seco. – Mas vou estar aqui, ao lado dela, custe o que custar. Ele abaixou a cabeça, deixando as lágrimas escorrerem livremente. – Eu só quero que minha esposa acorde e fique bem. – concluiu, sua voz embargada pelo choro. Doutor Cole mostrou mais documentos a Otto, sua expressão séria, mas carregada de empatia. – O senhor também precisa estar preparado para a possibilidade de ela não acordar. – falou Cole, com cuidado nas palavras. – Eu não quero pensar nisso. – respondeu Otto, determinado, desviando o olhar para não encarar os papéis. – Otto, entenda. Mesmo que as cirurgias tenham sido bem-sucedidas, existe a chance de ela não acordar. O corpo humano é uma caixa de surpresas, e nem sempre podemos prever tudo. – insistiu Cole, tentando fazê-lo compreender a gravidade da situação. Otto afastou os papéis com um gesto abrupto, a dor evidente em seus olhos. – Vamos, por favor, só tentar de tudo para que ela acorde e se recupere. – falou, sua voz vacilando. – Se... se não adiantar... – ele hesitou, respirando fundo para conter o choro. – Ela é doadora. As lágrimas começaram a escorrer novamente, e Otto abaixou a cabeça, o peso daquela possibilidade o esmagando. Os médicos se entreolharam, compreendendo a dor que Otto estava enfrentando naquele momento. Apesar de precisarem manter o profissionalismo, era impossível ignorar o lado humano que falava mais alto em situações como aquela. Eles acolheram Otto e Julia da melhor forma possível. Com o passar do tempo, criou-se uma espécie de amizade entre eles. Todos no hospital conheciam a história do acidente e eram extremamente gentis com Otto. No início, Otto mostrava-se esperançoso. Passava a maior parte do tempo ao lado de Julia, segurando sua mão e falando com ela como se pudesse ouvi-lo. Mas, conforme os dias passavam, o desânimo começou a tomar conta dele. Ainda assim, as enfermeiras e os médicos nunca desistiam de tentar animá-lo. Ofereciam palavras de conforto, escutavam-no com paciência e faziam o possível para mantê-lo firme. Eles sabiam que, naquele momento, era disso que Otto mais precisava: apoio e esperança.– Não tem mais ninguém que possa te ajudar, Otto? – perguntou Katy em uma tarde.– Não, somos só eu e ela. Julia foi adotada por um casal que não podia ter filhos, e eu sou filho único. – contou ele, com uma expressão distante. – Deixamos tudo para trás na Filadélfia para começarmos uma vida nova.Katy ficou em silêncio por um momento, sentindo o peso da situação.– Bom, agora tem a gente. Você também precisa descansar.– Estou sem cabeça para nada. – Otto disse, com um suspiro, olhando para as mãos, como se buscasse respostas.– E o trabalho, Otto? Desculpe perguntar.– Não tem problema. – Otto sorriu levemente, tentando esconder a tristeza. – Sou advogado, pedi para ficar afastado por uns dias. – Ele respirou fundo, pensativo. – Sei que vou ter que voltar... mas como com ela aqui?Katy o olhou com cuidado, suas palavras vindo com suavidade, mas também com firmeza.– Como eu disse, Otto, você agora tem a gente. Precisa trabalhar, descansar... Julia vai ficar aqui por um longo tempo.
Perdida em seus pensamentos, tentando imaginar como era sua vida, Julia acabou adormecendo. Pérola, após terminar de cuidar dos pacientes, retornou ao quarto como prometido. Aconchegou-se na poltrona e começou a preencher os prontuários.Mesmo sendo muitos, conseguiu finalizá-los a tempo, encerrando seu turno com tudo em ordem.Já passava das 9 horas da manhã quando Julia despertou. Ainda sonolenta, virou-se e procurou por Pérola na poltrona, mas ela já não estava ali. Do lado de fora, os médicos, o chefe da equipe e Otto conversavam animadamente. Doutor Cole apertava a mão de Otto com firmeza, num gesto que demonstrava certa amizade.Ao perceberem que Julia os observava, acenaram e entraram no quarto.— Bom dia! — falaram todos ao mesmo tempo, animados.— Bom dia. — Julia respondeu com um sorriso.— Como está se sentindo hoje? — perguntou Dr. Cole.— Ainda sem memória. — respondeu de maneira amigável, mas logo seu tom mudou para um lamento. — A enfermeira Pérola ficou aqui esta noite
Com o clima tenso, os dois homens saíram do quarto, seguidos pelo diretor do hospital. O chefe dos cirurgiões, Marcos Garcia, permaneceu no quarto.— Vai ficar tudo bem. — disse Garcia, se aproximando de Otto, tentando oferecer alguma tranquilidade.Otto, visivelmente irritado e descontrolado, virou-se para ele.— Eles podem fazer isso? Minha esposa acabou de acordar! — Otto falou, o descontentamento evidente em sua voz.Garcia tentou manter a calma.— Otto, se acalme. Vamos ao refeitório, você precisa se acalmar. — disse ele com um tom suave, tentando controlar a situação.Otto, com os olhos marejados de lágrimas, respondeu entre soluços:— Calma como, Garcia? Ela nem sabe quem eu sou!— Calma, Otto, vamos. — Garcia insistiu, tocando no ombro dele, tentando guiá-lo para fora. — Você precisa se acalmar.Otto levantou-se rapidamente, enxugando as lágrimas com a mão, ainda visivelmente trêmulo.— Katy está lá fora, não se preocupe, eles não vão voltar tão cedo. — disse Garcia, tentando
Garcia e Otto, ao retornarem ao quarto, se depararam com a enfermeira-chefe e Julia abraçadas.— O que houve? — perguntou Otto, apreensivo.— Eu lembrei de uma voz — disse Julia, chorando.— Meu amor, que ótima notícia! — exclamou Otto, emocionado.Otto e Garcia se aproximaram das duas, que contaram o que havia acontecido. A felicidade tomou a todos.A notícia se espalhou pelo hospital. Pessoas envolvidas na cirurgia de Julia foram dar uma espiada; outras, que não participaram, mas estavam curiosas, fizeram o mesmo. Até a doutora Martin a visitou naquele dia, mais animada que o normal.— Agora vamos, deixem Julia descansar um pouco — disse Martin, colocando todos para fora e fechando a persiana para impedir a visão de quem passasse pelo corredor.— Obrigada, Martin, eu já estava ficando zonza — falou Julia, aliviada.— Você agora é uma pop star, tem que se acostumar — brincou Martin, piscando para ela.Martin fechou a porta ao sair, deixando o casal a sós.Otto segurou a mão de Julia
Julia despertou e viu que Otto ainda estava lá. Ficou feliz em saber que não estaria só naquela noite. Ao olhar pela janela, viu o céu negro; não se podiam ver as estrelas, porém não chovia.Esticou o braço, pegou um dos livros que estavam ao lado da cama e o analisou, como se olhar algo de que gostasse pudesse fazer alguma lembrança retornar. Respirou fundo, lembrando-se de que precisava ter paciência.— Não seja ansiosa, tenha calma... Está indo bem — falou para si mesma.Apoiou o livro no braço engessado e começou a ler.Já havia se passado um bom tempo quando Otto despertou, mas ela nem percebeu, imersa na leitura. Ele ficou em silêncio, apenas observando-a. Havia algo hipnotizante na forma como seus olhos percorriam as páginas, como franzia levemente a testa quando encontrava algo que exigia mais atenção.Otto sentiu o peito aquecer. Seu amor por Julia era avassalador, uma força silenciosa que o dominava por completo. Não era apenas afeição ou carinho — era devoção. Tudo nela o f
Os dias foram passando, e a melhora de Julia era evidente. Seu corpo se fortalecia a cada dia, mesmo que sua memória ainda não tivesse voltado.Movimentos simples, como pentear o cabelo e levar a comida à boca, que antes pareciam impossíveis, agora eram parte de sua rotina. Cada pequena conquista era celebrada.— Em breve, você terá alta, mas precisará continuar com a reabilitação — disse o doutor Cole.— Aluguei uma casa aqui perto. Achei que seria o melhor para ela — respondeu Otto.— Isso vai ajudar muito! — Cole se aproximou e apertou a mão de Otto. — Vocês não precisam mais de mim, mas, mesmo assim, virei vê-la de vez em quando. Otto, sua dedicação faz toda a diferença.— Ela é o que eu tenho de mais precioso, Cole — disse Otto, com firmeza.O doutor Cole saiu do quarto, mas o dia continuou trazendo visitas para Julia. Entre elas, os policiais Black e Wilson. Dessa vez, a postura deles parecia diferente — mais amigável, talvez até mais receptiva.— Bom dia — disseram os dois ao e
— Eu não sabia como contar… Fiquei pensando o tempo todo em como você reagiria — Otto disse, entrando no quarto, a voz carregada de hesitação.Julia, tomada pela raiva e pela dor, atirou o livro que estava em seu colo para longe, fazendo-o cair no chão com um som seco.— Eu quase morri, Otto! Por causa de um bêbado desgraçado! — Ela não conseguiu esconder a frustração que transbordava.Ele se aproximou, a expressão de preocupação crescendo, tentando encontrar palavras que a acalmassem.— Julia, por favor, se acalme. Eles estão presos. Já estão pagando pelo que fizeram...Ela o interrompeu, o peito subindo e descendo rapidamente enquanto as palavras saíam com a dor de uma ferida aberta.— Eu quase morri, Otto! Eu quase morri! Você sabe disso!Otto, sem saber o que mais dizer, sentou-se na cama e a puxou para um abraço, tentando envolver a dor dela com seu próprio corpo, desejando que pudesse fazer tudo desaparecer.— Me desculpe, você devia saber por mim... — Otto disse, a voz carregad
Julia ligou a TV e tentou se distrair com a programação, mas a inquietação crescia. Começava a achar que Otto não voltaria mais ao quarto. O cansaço, no entanto, venceu suas preocupações, e ela acabou pegando no sono enquanto esperava.Um tempo depois, despertou. Piscaram algumas vezes antes de perceber que Otto estava ali, sentado na poltrona, com os olhos fixos no notebook.Ela o observou em silêncio. O rosto fino, a pele clara, os olhos azuis atentos à tela. O nariz afilado e os lábios pequenos, porém bem desenhados. A barba por fazer lhe dava um ar despreocupado, mas não o deixava menos bonito. Os cabelos castanhos claros estavam penteados para o lado, sempre alinhados. Alto e forte, parecia cuidar bem da saúde.Otto tirou os olhos do notebook e os fixou em Júlia, que ainda o observava. O silêncio entre eles se alongou, carregado de algo que nenhum dos dois conseguia nomear. Então, Julia decidiu desabafar.— Não sei se estou ficando louca ou sendo injusta com você. — Baixou o olha