Capítulo 2

**Capítulo 2: Entre o Dever e a Moral**

A casa estava silenciosa, exceto pelo leve farfalhar das folhas na janela, agitando-se com a brisa da noite. Eu sentia o peso do silêncio em minha mente, como se o ar estivesse mais denso do que o normal. O papel estava ainda em minhas mãos, e mesmo que eu tentasse me concentrar em algo diferente, meus olhos voltavam àquelas palavras: *câncer*. A realidade se instalava em mim como uma verdade dolorosa, algo que eu não conseguia mais ignorar. O que minha tia estava enfrentando, o que ela havia escondido de todos nós, era uma batalha que ela lutava sozinha, sem pedir ajuda, sem dividir sua dor.

Eu me levantei da cama, com a mente turbilhonando, e caminhei até a janela. O que eu sabia sobre minha tia era que ela sempre fora uma mulher orgulhosa. Ela nunca pediu nada a ninguém, sempre acreditando que a solução para os problemas estava em suas próprias mãos. Mas agora, olhando aqueles papéis e vendo o quão desesperada ela parecia estar, ficou claro para mim que o fardo que ela carregava era maior do que qualquer coisa que eu pudesse imaginar. Ela estava lutando contra algo que não podia controlar, e o que mais me atormentava era o fato de que ela estava tentando lutar contra isso sozinha, sem ninguém saber o que estava acontecendo.

Meus olhos estavam secos, mas a dor me apertava por dentro. Era impossível não me sentir culpada, sabendo que minha tia estava em uma batalha que eu nem sabia que existia. Eu deveria ter notado. Eu deveria ter visto os sinais. Mas agora era tarde demais para voltar atrás. Tudo o que eu podia fazer era tentar ajudar. Mas como? O que eu poderia fazer? E foi então que as palavras da minha tia voltaram à minha mente, a proposta, a oferta de trabalho. Espionar Dimitri James, entrar na sua vida, conquistar sua confiança... e salvar a floricultura. Eu sabia que essa era a única chance que ela tinha para quitar as dívidas, mas também sabia o preço que isso custaria.

Fui até a cozinha, onde minha mãe estava preparando o jantar. Ela parecia tão tranquila, mas eu sabia que algo estava prestes a mudar. Ela estava na pia, mexendo em uma panela, o som do fogo estalando baixinho. Seus cabelos estavam presos em um coque simples, mas sua postura era a mesma de sempre, calma e cuidadosa. Eu a observei por um momento, sentindo a necessidade de falar, mas sem saber como começar.

Ela se virou para mim, percebendo minha presença sem precisar dizer uma palavra. "Está tudo bem, querida?" Sua voz era suave, mas havia um toque de preocupação. Eu sabia que ela sabia que algo estava errado, que eu não estava bem.

Eu não consegui manter a aparência de normalidade. As palavras saíram sem que eu as pensasse muito. "Mãe... a tia Helen está com câncer?"

O silêncio caiu sobre a cozinha, e eu vi minha mãe parar por um segundo, os olhos se fechando como se estivesse absorvendo a pergunta. Ela colocou a panela de lado, limpando as mãos com um pano, antes de se virar completamente para mim. Suas mãos tremiam levemente, mas ela tentou manter a calma.

"Sim, Lucy", ela disse, com a voz abafada. "Eu soube disso há alguns meses, mas Helen pediu para que ninguém soubesse. Ela queria lidar com isso sozinha, sem causar preocupações para ninguém."

Eu fiquei em silêncio, tentando digerir o que minha mãe estava dizendo. Minha tia, a mulher que eu tanto admirava, estava enfrentando uma doença tão terrível e não me contou nada. A dor que eu sentia em meu peito era imensa, mas eu também sentia algo mais: uma raiva silenciosa contra minha tia por não ter compartilhado aquilo comigo, por ter escondido a verdade. Eu queria ter sabido, queria ter podido estar ao lado dela durante aquele tempo. Mas agora, não havia nada que eu pudesse fazer, a não ser aceitar o que ela estava passando.

"Por que ela não nos contou?" Eu perguntei, minha voz baixa. "Por que ela tentou esconder isso de todos nós?"

Minha mãe suspirou, suas mãos ainda tremendo enquanto se apoiava na bancada. "Helen é orgulhosa, Lucy. Ela sempre foi assim. Ela não queria que ninguém a visse como fraca, nem mesmo você. Ela acha que deve carregar tudo sozinha, como sempre fez."

Eu sentia as lágrimas começando a formar nos meus olhos, mas eu as segurei. Não era o momento para ceder à dor, não agora. Eu precisava entender o que estava acontecendo, o que minha tia estava enfrentando.

"Mas ela está tão... tão desesperada, mãe. Ela está tentando salvar a floricultura de qualquer jeito. Eu sei disso. Ela me pediu algo... uma proposta."

Minha mãe levantou os olhos para mim, seu rosto sério, como se estivesse percebendo algo que eu não queria admitir. "Eu sei o que você está dizendo, Lucy. Ela me contou sobre essa proposta de trabalho. Eu sei que ela te pediu para aceitar. E eu sei o quanto isso está te afetando."

Eu respirei fundo, sentindo o peso da situação. Eu sabia o que minha mãe estava insinuando, mas as palavras dela me machucaram mais do que eu esperava. "Ela acha que isso vai salvar a loja. Ela quer que eu aceite essa proposta para espionar Dimitri James, um homem que... que não conheço, para salvar a floricultura e pagar as contas do hospital."

Minha mãe fechou os olhos, como se estivesse tentando encontrar uma resposta. "Eu não gosto disso, Lucy. Eu não gosto da ideia de você se envolver com esse homem, ainda mais com essa proposta. Mas, por outro lado, sei que sua tia está em uma situação desesperadora. Ela não tem mais tempo, Lucy. O tratamento está custando muito, e as contas não param de chegar. Se ela não conseguir pagar, não vai ter mais nada. A floricultura vai ter que fechar as portas, e o pior, ela pode não sobreviver para ver a recuperação."

Eu olhei para ela, sentindo um peso sobre os meus ombros. "Eu não sei, mãe. Eu não sei se consigo fazer isso. Espionar uma pessoa... manipular a vida de uma criança... tudo por dinheiro. Isso não parece certo."

"Eu entendo, filha", minha mãe disse, com a voz suave. "Eu entendo que não seja fácil. Mas você também precisa olhar para a realidade. Sua tia está lutando contra uma doença que vai levá-la em breve, e a floricultura era o sonho dela. Não só para ela, mas para você também, Lucy. Se você puder ajudar a salvar isso, se puder garantir que a floricultura continue viva e que ela tenha o tratamento necessário... talvez seja a única chance que você tenha de agradecer tudo o que sua tia fez por você."

Eu me sentei na cadeira, sentindo as palavras da minha mãe como um peso esmagador. Ela estava certa. Eu sabia que ela estava certa. Minha tia tinha dedicado sua vida àquela loja, e eu sempre sonhei em continuar esse legado. Mas ao mesmo tempo, o que minha mãe me pedia, o que minha tia me pedia, não era algo fácil de fazer. Espionar um homem, enganar crianças... Isso mexia comigo de uma forma que eu não sabia como lidar. A cada minuto que passava, a culpa aumentava, o dilema se intensificava.

Eu respirei fundo e fiquei em silêncio por alguns instantes, tentando organizar os pensamentos na minha cabeça. O que mais poderia eu fazer? O que mais estava ao meu alcance, além de aceitar esse caminho que minha tia me oferecia?

E foi então que a resposta me veio, não de forma clara, mas em uma súbita e incontrolável sensação de urgência. Eu amava minha tia. Eu a respeitava profundamente. E ela estava lutando por algo que valia a pena. Mesmo que fosse errado, mesmo que fosse difícil, eu sabia que a única maneira de retribuir tudo o que ela havia feito por mim, de salvar tudo o que ela tinha construído, seria agir. Seria fazer o que fosse necessário.

Com um suspiro pesado, olhei para minha mãe, com a decisão já tomada, e disse, finalmente:

"Eu vou fazer isso, mãe. Vou ajudar a tia Helen. Vou aceitar a proposta."

Minha mãe não respondeu de imediato. Ela apenas me olhou com um olhar que dizia mais do que mil palavras. Mas, naquele momento, eu sabia que ela entendia. Ela sabia que eu tinha feito a escolha difícil. Não era a escolha certa, talvez, mas era a escolha que eu sentia que precisava fazer. E, por mais que eu soubesse que isso mudaria minha vida para sempre, também sabia que estava fazendo isso por alguém que eu amava, por uma causa que valia a pena.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo