04 -Dimitri

Ele se virou, caminhando à frente sem me dar tempo para recuperar o fôlego ou processar o que havia acabado de acontecer. Suas costas largas e postura ereta me lembravam a de um general em comando, alguém que sabia exatamente o que fazer, mesmo em meio ao caos. Dimitri James parecia ser o tipo de homem que não fazia concessões. Seus passos ecoavam no chão de mármore enquanto ele me guiava por corredores ainda mais imponentes.

Eu o segui, hesitante. Parte de mim queria fugir daquele lugar, daquela intensidade quase sufocante. A outra parte, entretanto, estava curiosa, intrigada pelo mistério que parecia cercá-lo. Era como se cada detalhe, desde as sombras que se alongavam nas paredes até o silêncio absoluto da casa, estivesse carregado de significado, como peças de um quebra-cabeça que eu não sabia se queria ou poderia montar.

“Espero que saiba no que está se metendo,” ele disse abruptamente, sem olhar para trás. Sua voz era tão fria quanto antes, mas havia algo de quase sarcástico nela, como se ele já soubesse que eu estava longe de compreender as implicações daquela frase.

“Eu... estou aqui para trabalhar,” respondi, esforçando-me para manter a voz firme. O som das palavras pareceu ecoar no corredor vazio, como se a própria casa estivesse zombando de minha tentativa de soar confiante.

Ele riu baixinho, uma risada breve e seca, quase como se estivesse testando minha ingenuidade. Parou abruptamente diante de uma porta dupla, decorada com entalhes intrincados. Antes de abri-la, ele se virou para mim. Seus olhos, ainda mais intensos sob a luz fraca do corredor, pareciam me examinar como se eu fosse um enigma que ele precisava decifrar.

“Este é o seu escritório agora,” ele disse, empurrando as portas com um movimento firme. “Aqui você encontrará tudo o que precisa. Suas responsabilidades serão simples: organização de documentos, controle de agendas e...” Ele fez uma pausa, como se estivesse deliberadamente me deixando em suspense. “Discrição absoluta.”

A última frase pairou no ar como uma ameaça velada. Eu assenti lentamente, engolindo em seco. A sala era ampla, mas austera, decorada com móveis clássicos e estantes repletas de livros antigos. Havia uma escrivaninha de madeira escura no centro, com pilhas de papéis cuidadosamente organizadas. As janelas eram grandes, mas as cortinas estavam fechadas, deixando o ambiente iluminado apenas pela luz difusa de um lustre de cristal.

“Vou sair agora,” ele continuou, como se não tivesse notado meu desconforto. “Você tem uma hora para revisar esses documentos e me dar um resumo. E lembre-se: eu não tolero erros.”

Ele se virou e saiu sem esperar uma resposta, deixando-me sozinha na sala. O silêncio voltou a me envolver, mas dessa vez não era apenas desconfortável; era opressor. Era como se a sala estivesse cheia de olhos invisíveis, todos observando cada movimento meu.

Eu me aproximei da escrivaninha, hesitante, e comecei a folhear os papéis. Eram contratos, planilhas financeiras e correspondências comerciais. Tudo parecia impecavelmente organizado, mas havia algo nas palavras escritas ali que me deixava inquieta. Termos vagos, cláusulas estranhas, como se houvesse um significado oculto em cada linha.

Minha cabeça começou a latejar, mas eu sabia que não podia perder o foco. A presença de Dimitri James ainda pairava sobre mim, mesmo na sua ausência. Trabalhar sob seu olhar crítico seria um desafio maior do que eu imaginava, mas algo dentro de mim, algo que eu ainda não conseguia identificar, me fazia querer provar que eu era capaz.

Eu não estava ali apenas para salvar a floricultura de minha tia. Eu estava ali para enfrentar aquele mundo desconhecido, por mais perigoso que ele pudesse ser. O que eu não sabia era que o preço dessa decisão seria maior do que eu estava preparada para pagar.

Minhas mãos tremiam levemente enquanto folheava os papéis, tentando me concentrar no que lia. O silêncio pesado do escritório parecia amplificar o som da minha respiração. A cada linha de texto, eu me sentia mais confusa. A linguagem nos documentos era incrivelmente técnica, cheia de termos legais e financeiros que, embora familiares, pareciam encobrir algo maior.

De repente, um detalhe chamou minha atenção. Em um dos contratos, um nome aparecia repetidamente: "G. Revenant." Era como uma assinatura invisível, presente em rodapés e notas marginais, mas nunca como parte principal. O nome me fez sentir um arrepio inexplicável, como se já o tivesse ouvido antes, mesmo que não conseguisse me lembrar de onde.

Continuei lendo, mas quanto mais avançava, mais sentia que os documentos eram um teste. Dimitri não precisava que eu os revisasse; ele queria saber o que eu faria com as informações que encontrasse. Estava claro que ele não confiava em mim. E, para ser honesta, eu não sabia se deveria confiar nele.

Antes que pudesse mergulhar mais fundo, o som de passos ecoou pelo corredor. Meu coração disparou. Fechei rapidamente o contrato e me sentei reta na cadeira, tentando parecer tranquila. A porta se abriu com um rangido suave, revelando a mesma empregada que havia me conduzido antes.

"Senhorita, o Sr. James pediu que você fosse à biblioteca," disse ela, sua voz baixa e desprovida de emoção.

"Ele... ele disse por quê?" perguntei, minha voz saindo mais nervosa do que eu queria.

"Não," respondeu ela simplesmente, virando-se para sair. Era como se ninguém naquela casa tivesse permissão para fazer perguntas.

Suspirando, levantei-me e segui a empregada pelos corredores novamente. Dessa vez, notei mais detalhes: o leve cheiro de cera nos móveis, os quadros com olhos que pareciam me seguir, e uma estranha marca no chão, como se algo pesado tivesse sido arrastado recentemente. Havia algo naquele lugar que me fazia sentir como se estivesse sendo observada o tempo todo.

A biblioteca era ainda mais grandiosa do que eu imaginava. Estantes altas, cheias de livros antigos, cobriam as paredes de um lado a outro. O teto era abobadado, decorado com afrescos que representavam cenas mitológicas, e uma lareira enorme dominava a parede oposta. Dimitri estava ali, em pé, com um livro na mão. Ele parecia tão confortável quanto um rei em seu trono, a luz do fogo lançando sombras que acentuavam os contornos de seu rosto.

"Você é pontual, pelo menos," disse ele, sem tirar os olhos do livro.

"Eu... terminei de revisar os documentos, mas—"

"Não quero ouvir sobre isso agora," ele me interrompeu, fechando o livro com um movimento lento e deliberado. Ele se virou para mim, os olhos fixos como se estivessem tentando ler minha mente. "Diga-me, o que achou da pintura?"

A pergunta me pegou desprevenida. "A pintura...?"

"Sim," ele disse, dando um passo em minha direção. "Aquela na sala onde nos encontramos. Por que a tocou?"

"Eu..." Não sabia o que responder. Admitir que algo na pintura me atraíra parecia absurdo, mas mentir parecia perigoso. "Ela me chamou a atenção," confessei, finalmente.

Dimitri inclinou a cabeça ligeiramente, como se estivesse ponderando minha resposta. "Aquela pintura é especial," disse ele, com um tom que parecia mais grave. "Ela não pertence a este lugar. Nem ao nosso tempo."

Minha confusão aumentou, mas antes que eu pudesse perguntar o que ele queria dizer, ele continuou: "Você ainda não entende, mas vai entender. Agora, sente-se." Ele apontou para uma poltrona próxima à lareira.

Obedeci, mais porque não sabia o que fazer do que por vontade própria. Dimitri pegou outro livro de uma das estantes e o colocou na mesa ao meu lado. O título estava em uma língua que eu não reconhecia.

"Leia," ordenou ele.

"Eu... não sei ler isso," admiti, olhando para as letras intricadas que pareciam mais símbolos do que palavras.

"Aprenderá," respondeu ele, como se não houvesse espaço para discussão. "Este livro contém segredos que nem todos podem compreender. Se quiser sobreviver aqui, precisará aprender mais do que administração e organização."

As palavras dele me fizeram estremecer. "Sobreviver?" repeti, minha voz baixa.

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