Os dias na mansão de Dimitri seguiam como um ciclo de desafios sutis e emoções contidas. A relação entre mim e as crianças era um território em constante mudança, cheio de descobertas, mas também de tensões. Mia, Sophie e Noah eram tão diferentes entre si que lidar com cada um deles parecia exigir uma nova versão minha a cada momento.Mia, a mais velha, continuava a ser a mais difícil de decifrar. Havia uma maturidade precoce nela que me deixava inquieta. Não era apenas a maneira como ela falava ou se portava, mas o que ficava escondido atrás de seus olhos observadores. Quando ela falava, suas palavras eram medidas, como se estivesse sempre testando meus limites. Uma tarde, enquanto eu organizava alguns papéis na biblioteca, Mia entrou sem fazer barulho. Ela se sentou em uma das poltronas, com um livro nas mãos, mas eu sabia que ela não estava ali para ler. “Você gosta de estar aqui?” ela perguntou de repente, sem desviar os olhos das páginas. A pergunta era inesperada. Olhei pa
Quando passei pelo corredor que levava ao escritório dele, notei que a porta estava entreaberta, uma linha de luz amarelada escapando para o chão escuro. Hesitei. O escritório de Dimitri era um espaço proibido, um lugar que ele guardava para si, como se representasse um pedaço de seu mundo que ninguém mais podia tocar. Mas algo me puxou para frente, um impulso que eu não conseguia conter.Aproximei-me em silêncio, inclinando-me levemente para espiar. O cheiro forte de álcool veio antes da visão completa: Dimitri estava debruçado sobre a mesa, um copo de uísque quase vazio ao lado de uma garrafa pela metade. Sua camisa estava aberta no colarinho, as mangas arregaçadas, e ele parecia completamente alheio à minha presença. Sua mão segurava o copo com força, enquanto a outra repousava sobre um monte de papéis amassados e desorganizados.Pela primeira vez, ele não parecia o homem impenetrável e autoritário que eu conhecia. Havia algo quase vulnerável naquela cena. Entrei sem pensar, como s
Talvez você seja exatamente o homem que precisa ser salvo,” respondi, antes de pensar. As palavras escaparam como uma confissão, e ele me encarou, surpreso, como se eu tivesse tocado em algo que ninguém mais ousara antes.Dimitri riu, mas era uma risada amarga, cheia de tristeza. Ele deu um passo para trás, criando distância entre nós, mas seus olhos não me deixaram. “Você é teimosa,” ele disse, quase como um elogio. “Mas não deveria gastar sua energia comigo.”“E você deveria parar de me afastar,” desafiei, cruzando os braços. “Eu não sou alguém que vai sair correndo só porque você acha que deve carregar tudo sozinho.”Ele não respondeu de imediato. Ficou ali, me olhando, como se estivesse tentando decidir se deveria me deixar entrar em seu mundo ou continuar me mantendo à distância. Por um instante, vi algo mudar em seu olhar – um lampejo de vulnerabilidade, de desejo, talvez até de arrependimento. Mas, antes que pudesse interpretar o que aquilo significava, ele se virou, pegando a
Depois do café, decidi que precisava de ar fresco. As crianças estavam ocupadas, e eu sabia que Dimitri provavelmente ainda estava trancado em seu escritório ou, quem sabe, dormindo após a noite anterior. Caminhei até os jardins, onde a luz do sol tocava a grama úmida, trazendo um contraste reconfortante ao peso que eu sentia por dentro.Enquanto eu observava o balanço balançar suavemente ao vento, ouvi passos atrás de mim. Quando me virei, vi Mia se aproximando. Ela tinha os braços cruzados e o semblante sério.“Você brigou com ele, não foi?” perguntou diretamente, sem rodeios.Eu arqueei as sobrancelhas. “Com quem?”“Meu pai,” ela respondeu, sem desviar o olhar.A maturidade em sua voz era desconcertante. Eu suspirei, percebendo que não adiantaria tentar negar. “Não foi uma briga. Ele só... não estava num bom momento.”Mia estreitou os olhos, como se estivesse tentando enxergar além das minhas palavras. “Ele nunca está. Mas você é diferente das outras pessoas que passaram por aqui.
Aquelas palavras me atingiram com força, mais do que eu esperava. Ele estava certo, eu não conseguia. Havia algo em Dimitri que me desafiava, algo em sua dor e em sua resistência que me fazia querer quebrar as barreiras que ele erguia ao nosso redor.“Eu não estou aqui para me afastar,” disse eu, sem hesitar. “E você não vai me afastar também.”Ele não respondeu imediatamente, mas pude ver a luta interna em seus olhos. Por um momento, parecia que ele iria falar, que iria abrir tudo, se entregar. Mas, então, ele respirou fundo, a expressão endurecendo novamente.“Você não sabe no que está se metendo, Marie,” ele disse, a voz agora mais grave, mais fria. “E eu não vou permitir que você se machuque por algo que nem você entende.”Eu olhei para ele, o coração batendo forte no peito. Eu queria ser forte, queria desafiá-lo, mas sabia que, de algum modo, ele estava certo. Ainda assim, não poderia me afastar. Algo me prendia a ele, algo que eu não podia ignorar.“Eu entendo mais do que você p
Com o coração acelerado, eu me levantei, tentando manter a compostura, e segui-a até uma das pequenas salas ao lado. Isabela não disse uma palavra até que estivéssemos sozinhas, com a porta cuidadosamente fechada atrás de nós. O silêncio entre nós era denso, e, finalmente, ela falou.“Você deve estar se perguntando o que está acontecendo aqui, Marie,” disse ela, com a voz calma, mas carregada de um peso que não consegui identificar de imediato. “Mas a verdade é que Dimitri, apesar de todo o dinheiro, o poder, e a fachada de homem sério e distante que ele tenta criar, está falido. E você, minha cara, tem um papel muito importante a desempenhar nesse jogo.”Aquelas palavras caíram sobre mim como uma tempestade inesperada. Eu sabia que Dimitri não era perfeito, mas a ideia de que ele estivesse em uma situação financeira precária e que eu pudesse ter algo a ver com isso era uma ideia que eu ainda não conseguia processar completamente.Isabela se aproximou, seu olhar agora afiado, e ela co
**Capítulo 1: O Peso de Uma Decisão**A floricultura da minha tia Helen era mais do que um simples negócio. Para nós, era um refúgio, um pedaço do mundo onde sempre podíamos encontrar alguma coisa bonita, algo que não fosse afetado pelos problemas do dia a dia. Desde que me lembro, as flores sempre foram a constante na minha vida. Elas falavam de uma simplicidade que o resto do mundo não entendia, uma verdade silenciosa que se espalhava nas cores e nos aromas.Eu cresci entre rosas, margaridas e lírios. Quando era pequena, me fascinava o modo como a floricultura parecia ser um lugar onde o tempo não passava. Eu costumava me perder nas prateleiras, sentindo o cheiro doce das flores frescas, tocando suas pétalas delicadas e observando como elas se abriam lentamente, uma a uma, como se o mundo lá fora não existisse. Era meu lugar de paz, onde nada podia me alcançar, nem mesmo as tempestades da vida.Mas, conforme o tempo foi passando, a floricultura de minha tia Helen passou a representa
**Capítulo 2: Entre o Dever e a Moral**A casa estava silenciosa, exceto pelo leve farfalhar das folhas na janela, agitando-se com a brisa da noite. Eu sentia o peso do silêncio em minha mente, como se o ar estivesse mais denso do que o normal. O papel estava ainda em minhas mãos, e mesmo que eu tentasse me concentrar em algo diferente, meus olhos voltavam àquelas palavras: *câncer*. A realidade se instalava em mim como uma verdade dolorosa, algo que eu não conseguia mais ignorar. O que minha tia estava enfrentando, o que ela havia escondido de todos nós, era uma batalha que ela lutava sozinha, sem pedir ajuda, sem dividir sua dor.Eu me levantei da cama, com a mente turbilhonando, e caminhei até a janela. O que eu sabia sobre minha tia era que ela sempre fora uma mulher orgulhosa. Ela nunca pediu nada a ninguém, sempre acreditando que a solução para os problemas estava em suas próprias mãos. Mas agora, olhando aqueles papéis e vendo o quão desesperada ela parecia estar, ficou claro p