A Babá e o Viúvo
A Babá e o Viúvo
Por: J.V
Capítulo 1

**Capítulo 1: O Peso de Uma Decisão**

A floricultura da minha tia Helen era mais do que um simples negócio. Para nós, era um refúgio, um pedaço do mundo onde sempre podíamos encontrar alguma coisa bonita, algo que não fosse afetado pelos problemas do dia a dia. Desde que me lembro, as flores sempre foram a constante na minha vida. Elas falavam de uma simplicidade que o resto do mundo não entendia, uma verdade silenciosa que se espalhava nas cores e nos aromas.

Eu cresci entre rosas, margaridas e lírios. Quando era pequena, me fascinava o modo como a floricultura parecia ser um lugar onde o tempo não passava. Eu costumava me perder nas prateleiras, sentindo o cheiro doce das flores frescas, tocando suas pétalas delicadas e observando como elas se abriam lentamente, uma a uma, como se o mundo lá fora não existisse. Era meu lugar de paz, onde nada podia me alcançar, nem mesmo as tempestades da vida.

Mas, conforme o tempo foi passando, a floricultura de minha tia Helen passou a representar algo mais do que um simples refúgio. Tornou-se nosso trabalho, nossa casa, nosso sustento. Não tínhamos muitos luxos, mas sempre conseguíamos sobreviver, sempre conseguíamos manter a loja funcionando, pagando as contas e atendendo nossos clientes, que eram mais do que apenas pessoas comprando flores — eram amigos, pessoas que vinham não apenas para levar um buquê, mas para conversar, para compartilhar suas histórias.

Eu me dedicava à loja tanto quanto minha tia, talvez até mais. Ela, apesar de ser mais velha e cansada, ainda possuía a energia de quem nunca havia desistido. Eu via isso em seus olhos, na maneira como ela arrumava as flores nas prateleiras, como organizava os arranjos com um olhar atento e preciso. A floricultura era seu legado, algo que ela nunca quis ver desaparecer. Para ela, cada flor, cada ramo, era um reflexo de algo que ela acreditava profundamente: que o mundo podia ser mais bonito, mais colorido, se as pessoas soubessem apreciar as pequenas coisas.

Eu aprendi tudo o que sei sobre flores com minha tia Helen. Não era apenas sobre vender, mas sobre entender cada uma delas, sobre respeitar o processo de crescimento e florescimento, como se estivéssemos também, de alguma forma, plantando algo em nossas vidas. Cada buquê que montávamos era feito com o cuidado de quem sabia que, embora as flores fossem frágeis, elas representavam algo duradouro: amor, carinho, e o cuidado com os outros.

Mas os últimos meses não haviam sido fáceis. A loja, que antes florescia cheia de vida, começou a murchar. As vendas caíram drasticamente. As pessoas pareciam estar mais ocupadas, mais apressadas, como se o tempo tivesse se tornado mais precioso, e as flores, algo supérfluo. A concorrência das grandes redes e dos mercados online também havia enfraquecido o nosso negócio. Por mais que tentássemos resistir, a pressão financeira estava começando a tomar conta de nós. Não era só uma questão de falta de vendas — as dívidas estavam se acumulando, se arrastando como sombras ao redor da loja. Os fornecedores começaram a cobrar, e os impostos, que antes eram pagos com certo conforto, agora eram um peso. As contas do aluguel, da água, da eletricidade... Tudo parecia estar desmoronando ao mesmo tempo.

Minha tia, que sempre fora tão forte, parecia estar se quebrando aos poucos. Eu via a preocupação em seu rosto todas as manhãs quando ela chegava na loja, as mãos trêmulas enquanto pagava as contas com o pouco que tínhamos, tentando encontrar uma maneira de continuar, de dar esperança ao nosso pequeno refúgio. Ela nunca me disse diretamente, mas eu sabia que ela estava lutando para manter a floricultura aberta. Eu via a dor nos olhos dela todas as vezes que ela entrava na sala dos fundos e fechava a porta, falando baixo ao telefone com um credor ou, ainda pior, com os advogados.

Foi durante uma dessas manhãs tensas que Helen me chamou até a parte de trás da loja, onde as flores não estavam tão arrumadas, onde o cheiro doce das pétalas parecia menos intenso, como se o lugar estivesse sentindo a mesma pressão que ela. As lâmpadas fluorescentes acima de nós piscavam constantemente, como se o lugar estivesse lutando para continuar vivo. O ambiente estava sufocante, e eu sentia o peso da situação nas palavras que minha tia estava prestes a me dizer.

“Lucy, você precisa ouvir isso”, ela disse, com a voz rouca, quebrada, como se ela própria estivesse à beira de desabar. Ela me chamou para se sentar ao seu lado, mas eu já sabia que algo estava errado. A floricultura não estava apenas em apuros — ela estava afundando.

Eu me sentei ao lado dela, observando suas mãos vacilantes, enquanto ela olhava para um pedaço de papel com números que se misturavam em minha mente. Não entendia muito de finanças, mas sabia o suficiente para reconhecer quando algo estava fora de controle.

“Esses são os nossos números, Lucy”, ela disse, com um suspiro. “O aluguel está atrasado, e estamos com dificuldade para pagar os fornecedores. Eu tentei, tentei tanto, mas acho que não tenho mais forças para manter isso funcionando.”

Eu não sabia o que responder. Queria falar algo que a confortasse, mas não havia palavras suficientes para resolver aquilo. Eu sabia que ela estava sacrificando muito para manter a loja, mas o peso da realidade estava começando a se fazer sentir de forma dolorosa. Tudo ao nosso redor, as prateleiras com arranjos cuidadosamente feitos, as flores ainda frescas, parecia um reflexo de um sonho que estava começando a desmoronar. Era difícil de aceitar, mas a verdade era que a floricultura estava em perigo de fechar as portas para sempre.

“Temos uma chance, Lucy”, ela continuou, com os olhos fixos no papel à sua frente. Eu a olhei, sem saber o que ela queria dizer. “Uma oportunidade para salvar tudo isso. Não será fácil, mas você é a única pessoa que pode fazer isso por mim. Você é a única pessoa em quem eu confio.”

O que ela disse a seguir foi uma surpresa para mim, algo que jamais imaginei ouvir da boca dela. Ela falou sobre uma proposta que veio de fora, de uma tia distante de um homem poderoso, Dimitri James, o CEO de uma das maiores empresas da cidade. A proposta, embora estranha, oferecia uma chance: eu seria a babá dos filhos de Dimitri, e em troca, ganharia o suficiente para cobrir as dívidas da floricultura. Mas havia mais. A proposta não era apenas cuidar das crianças. Minha tia me pediu para observar Dimitri e, em segredo, ajudá-la a conquistar a guarda das crianças, para que ela pudesse assumir a empresa da família e garantir que as dívidas fossem quitadas. Era um jogo sujo de poder, algo em que a moralidade ficava de lado em nome da sobrevivência.

Eu olhei para minha tia, sentindo um nó apertado na garganta. Como ela podia me pedir algo assim? Como eu poderia me envolver em algo tão... errado? Mas as palavras dela ficaram em minha mente, como um eco: “A floricultura vai desaparecer, Lucy. Não temos outra escolha.”

Eu sabia o que ela estava pedindo. Eu sabia o que isso significava. Era um caminho escuro, uma decisão que me afastaria de tudo o que eu acreditava ser certo. Mas, ao olhar para minha tia, vi uma mulher quebrada, e eu sabia que não podia deixá-la cair sozinha.

A floricultura estava morrendo, e, de alguma forma, eu também.

**Capítulo 1: O Peso de Uma Decisão (Continuação)**

A tarde se arrastou de uma forma estranha depois da conversa com minha tia Helen. Eu saí da floricultura com a cabeça cheia de um turbilhão de pensamentos que não conseguia processar. A cidade parecia mais cinza do que nunca, como se o próprio mundo estivesse se alinhando para refletir o caos dentro de mim. A proposta era absurda, não havia como negar isso. Espionar um homem, um CEO de uma grande empresa, para ajudar minha tia a tomar a guarda dos filhos dele? E ainda pior, fazer isso com a justificativa de salvar a floricultura... Eu não conseguia encaixar tudo isso na minha cabeça. Como eu, uma simples jovem que havia sido criada entre flores e pequenos gestos de bondade, poderia ser parte de algo tão... cruel?

Caminhei pelas ruas, sem realmente ver nada ao meu redor. O som dos meus passos ecoava em meus ouvidos, mas minha mente estava em outro lugar. Eu pensava nas palavras de minha tia, na maneira como ela parecia tão desgastada, tão cansada. As dívidas pesavam sobre ela de uma forma que eu não conseguia compreender totalmente. Mas o que ela me pediu? Ficar perto de um homem que eu nunca conheci e manipular os sentimentos de uma criança, tudo em nome de um poder que eu sabia que não tinha. Isso não era certo.

Aquela floricultura, meu lar desde a infância, estava se desintegrando diante dos meus olhos, e eu não sabia o que fazer para salvá-la. Cada vez que eu pensava no que minha tia me pedira, uma parte de mim se sentia sufocada, como se estivesse sendo empurrada para um abismo sem fundo. Mas, ao mesmo tempo, o peso das dívidas parecia me agarrar, me puxando em direção a uma decisão que eu sabia que ia me consumir. Como salvar algo tão precioso com uma mentira tão grande?

Cheguei em casa sem perceber o tempo passar. A porta estava entreaberta, e eu entrei em silêncio, tentando não fazer barulho, mas, mesmo assim, meu coração batia descompassado, como se o simples fato de estar em casa não fosse suficiente para aliviar o peso que sentia. A casa estava tranquila, mas eu sabia que minha mãe e meu irmão estavam lá, no andar de cima, cada um perdido em seus próprios pensamentos. Eu mal consegui encostar na porta quando ouvi uma voz suave me chamar.

“Lucy?”

Era minha mãe, em seu tom calmo e constante, o mesmo tom que usava quando tentava me proteger de tudo. Eu me virei para vê-la na escada, observando-me com um olhar atento, como se soubesse que algo estava errado. Mas eu não queria falar. Não agora. Eu não sabia nem por onde começar. Como explicar a ela que minha tia Helen me pedira para fazer algo que, no fundo, sabia que não era apenas errado, mas profundamente imoral?

“Você parece cansada, querida. Está tudo bem?”, ela perguntou, com o rosto suave de preocupação.

Eu respirei fundo, tentando afastar os pensamentos que insistiam em me consumir. "Sim, só... só estou pensando em algumas coisas."

Ela me olhou, como se soubesse que havia mais, mas, como sempre, não insistiu. "Você sabe onde me encontrar se precisar conversar, não é? Eu estou aqui."

As palavras dela foram como um alívio momentâneo, mas logo a culpa voltou a me consumir. Entrei no meu quarto e fechei a porta atrás de mim, desejando que o mundo se calasse, que tudo pudesse voltar ao seu lugar, que a floricultura não estivesse em perigo, que minha tia não estivesse tão desesperada. Mas nada disso era real. Nada disso seria fácil.

Me joguei na cama e fiquei ali por algum tempo, olhando para o teto, os pensamentos se misturando em minha cabeça. Eu sentia uma angústia esmagadora, uma sensação de desespero que não sabia como lidar. Como podia tomar uma decisão tão grande? Como poderia trair minha própria moralidade, meus princípios, por algo que, no fundo, sabia que não era o certo?

Foi então que, ao tentar me distrair, meus olhos caíram sobre uma pequena pilha de papéis na mesa de cabeceira da minha tia, que ficava ali no quarto ao lado. Eu sabia que minha tia, com seu coração generoso e silencioso, nunca deixava suas preocupações transparecerem para ninguém. Nunca falou sobre seus próprios problemas. Mas, por alguma razão, aquela pilha de papéis chamou minha atenção. Era estranho, como se eu soubesse que algo mais estava em jogo, algo que eu não tinha visto até então.

Levantei-me da cama e fui até a mesa, com o coração acelerado. Peguei os papéis com cuidado, na esperança de que fosse apenas uma conta qualquer, algo simples que minha tia tivesse esquecido de pagar. Mas, ao olhar para os documentos, percebi que estavam relacionados ao hospital. Ao lado do nome de minha tia, havia uma série de números e datas, que se destacavam em meio à pilha de documentos. A palavra "câncer" estava em letras grandes, como uma sentença gravada no papel.

Eu congelei. Minha mente girava, tentando processar aquilo, mas não conseguia. As palavras pareciam ter se desintegrado diante dos meus olhos, e tudo o que eu conseguia pensar era que aquilo não fazia sentido. Como? Minha tia, aquela mulher tão forte, tão resistente, estava doente? Como eu não soubera disso? Como ela pôde esconder isso de mim?

Com a respiração acelerada, comecei a folhear os papéis, cada página revelando um pouco mais sobre a doença de minha tia: os tratamentos, as consultas, as taxas que ela tinha que pagar. Não havia dúvidas. Ela estava lutando contra um câncer, e, no fundo, eu sabia que isso era uma das principais razões para o seu desespero. Ela estava tentando salvar a floricultura não apenas por nós, mas porque sabia que não teria muito tempo para ver o legado dela prosperar.

Eu senti uma dor profunda, como se uma lâmina tivesse sido cravada no meu peito. Como pude ser tão cega? Como pude olhar para minha tia, com todo o seu sacrifício, e não perceber o que estava realmente acontecendo? Ela nunca me contou. Ela nunca quis me preocupar, mas agora, olhando para aqueles papéis, eu sabia que a verdadeira luta dela não era apenas contra as dívidas, mas contra o tempo.

E, então, algo dentro de mim se quebrou. O peso da situação, a escolha que eu tinha que fazer, tomou uma nova forma. Eu não estava apenas lutando para salvar a floricultura. Eu estava lutando pela vida da minha tia. E, de alguma forma, as escolhas que eu faria nos próximos dias não seriam mais apenas sobre dinheiro ou negócios. Elas seriam sobre família, sobre sacrifício, sobre fazer o que fosse necessário, mesmo que isso significasse perder parte de mim mesma.

Eu sentei na cama, o papel tremendo nas minhas mãos. O conflito estava mais forte do que nunca. Eu precisava salvar minha tia. Mas a pergunta que martelava em minha mente agora era: *Até onde eu iria para fazer isso?*

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