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Prólogo
MINHA REALIDADEMorro do Cantagalo, Rj.RAELCresci em um lugar onde a violência batia na minha porta. Não importava a hora, sempre era a mesma coisa. Um assasinato por dívidas de drogas, violência física e sexual contra a mulheres e crianças, e como era rotina, operações todos os dias com quem deveria nos proteger, matando quem viam pela frente sem se importa em saber se era um inocente ou realmente um bandido. E foi assim, desse modo, que a minha mulher morreu junto ao nosso filho que ela esperava, me deixando sozinho com a minha pequena, minha Ritinha.— Papai, quando tu chegar a gente pode ir tomar sorvete? — Rita perguntou enquanto eu penteava seus longos cabelos loiros.— Claro, gatinha. Vamos sim — prendi seu cabelo pra cima — bora, a Lis ta esperando tu lá na casa dela - Falei e ela pulou da cama com um sorriso de orelha a orelha.Sorri.Saí do quarto, arrumei a mochila dela com o lanche e fechei a porta do quintal.Arrumei minha mochila também, peguei meu boné no armador e jo
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Um
RAELEles me acusaram, me humilharam e me agrediram sem motivo. E se eu reagisse, seria pior, parcero. Me deixei ser tratado como bicho por aqueles filhos da puta.Aquela manhã foi a mais ralada da minha vida. Horrível, cara. Me esculacharam bonito, e depois me largaram no pé do morro, em uma rua entre o asfalto e a favela. Eu tava todo fodido, braço quebrado e os caralho.Todos que passavam ali faziam pouco-caso e nem me direcionavam o olhar, passavam rente. Papo de não ter amor ao próximo, tá ligado.Me arastei até a calçada de uma casa e caí por lá, o sol tava dando moca, calor tava foda e sem ao menos perceber eu apaguei.RICO- Dindo, o meu papai vai voltar né? - perguntou enquanto rabiscava alguns papéis.Fiquei calado. Eu nem sabia o que dizer. Eu não tinha o que dizer nessa porra.Respirei fundo, passei a mão pelo meu rosto e me sentei no sofá que tinha alí na salinha.Eu tava nervosão, parcero. Se ele rodasse eu não teria condições e nem estrutura pra criar a Ritinha. Maior
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Dois
RAELAcordei com uma luz forte que tomava todo o quarto, e as paredes brancas deixavam tudo ainda mais claro.Tudo doía, cara. Meu corpo, meu rosto tava inchadasso, conseguia nem abrir os olhos direito e o braço que mesmo quebrado eu sentia menos, agora tá doendo pra caralho.Ouvi uma gritaria alí fora, e logo a porta foi aberta.— Tu é foda em — Sorriso falou e eu virei a cabeça com dificuldade vendo ele me encarar, risonho como sempre.Me apoiei no braço bom e me sentei na cama. Grunhir sentindo minhas costas doerem.— A Rita tá com a Aninha, e o Rico tá vendo um médico aí pra tu — falou, antes mesmo que eu perguntasse.Assenti sentindo um fisgada no pescoço, coloquei rápido a mão alí me desequilibrando e caindo deitado na cama novamente.— Ai caralho! — resmunguei de dor. Respirei fundo olhando pro teto de gesso.— Tá mal em, corajoso — Neguinho entrou no quarto — Só os covardes pegaram você aí, parceiro. Melhor forma é tu largar essa vida de moleque certinho, papo de visão — comen
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Três
RICO— Não quero você cuidando de filha de bandido e muito menos de conversinha com esses desviados, tá me ouvindo Ana Luz? — ouvi a mãe dela gritar assim que cheguei na porta da casa da dela.O foda é te julgarem sem nem ao menos te conhecerem, igual a velha tá fazendo agora com o Rael. Tu pode não ser aquilo, mas se anda com alguém que faz tu leva o nome pro resto da vida.— Mãe, eu apenas fiz um favor. Como diz o ditado, faça o bem sem olhar a quem — Aninha respondeu, seu tom de voz parecia cansado. Papo de quem ouvia comentários preconceituosos todos os dias.— Meu papai não é bandido — a Ritinha falou seguida de uma risada abafada da parte da Aninha.— Mostra essa língua de novo pra ver se eu não corto ela fora — ameaçou a minha afilhada e essa foi a minha deixa para bater na porta.Esperei um pouco e logo a Aninha abriu a porta, ela tinha um sorriso doce em seus lábios.— Dindo, a velha falou que ia cortar minha língua fora — a Ritinha veio na minha direção segurando a língua e
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Quatro
1 mês depois.RAELDois dias depois de tudo o que aconteceu recebi uma ligação do dono da padaria dizendo que fui demitido por justa causa. Pelo meu atraso e por não ter tido como justificar os dias de faltas.Minha situação financeira se tornou um poço de dívidas depois daquela covardia que fizeram comigo. Não conseguia trabalho de jeito nenhum.Única coisa que consegui foi vender bala no sinal, e mesmo assim era xingado e humilhado todos os dias.Tava foda sustentar a casa e a minha princesa, e tudo que eu conseguia de comida dava pra ela com a desculpa de que eu comeria depois, mas na verdade eu ficava dias sem comer, só pra não deixar a Rita com fome.Eu vivia pra ela, e por ela. Minha única razão de viver era ela.- Tu não cansa não, Rael?! Ser humilhado todo santo dia pra ganhar uns trocado que não dá nem pra um dia direito. Porra, tá na hora de tu ver um caminho mais fácil aí, na moral mesmo - Neguinho como sempre querendo entrar na minha mente.Passei pela barreira com ele me
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Cinco
RAELA Lis fez um prato pra mim e eu sentei a mesa com a Rita no colo. Comecei a comer e dividir o meu almoço com a minha princesa.— Rita, você já comeu! Deixa o almoço do teu pai, menina — reclamou com ela que fez um bico e cruzou os braços saindo do meu colo.— Você é chata, a Clarinha é mais legal que você — resmungou fazendo a Clara rir e foi para a sala puxando a mesma pela mão.A Lisiane negou com a cabeça e deixou um riso escapar, perdendo a pose de madrinha durona.A Lis me deu um copo de suco e eu tomei um gole logo em seguida.— Pode começar a falar — se encostou na pia e ficou me encarando.Levei uma colherada do meu almoço até a boca e encarei ela de volta.— Vou entrar pro tráfico — falei com a boca cheia. Ela me encarou confusa, terminei de mastigar e continuei — Cansei pô, vou falar com o Rico hoje mesmo — ela negou com a cabeça.— Tá falando sério? — perguntou incrédula — Você tem outras opções, Raelisson... — cruzou os braços e negou mais uma vez, agora chateada.— A
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Seis
RAELPorra, cara, aquilo foi a gota d'água, papo reto mesmo.De todas as humilhações sofridas, essa foi a pior, pô. E o pior de tudo, foi na frente da minha princesa.Fiquei com o coração na mão quando ela me perguntou se a gente iria morar na rua, parceiro. A pergunta doeu pra caramba. Quase não consegui responder, papo de ter formado um nó na garganta nessa hora.— Eu vou dar um jeito, meu amor — apertei ela em meus braços, deixando minhas lágrimas molharem seu cabelo loiro.Ela agarrou o meu pescoço e deitou a cabeça no meu ombro, molhando toda a minha camisa com as suas lágrimas.Ajeitei ela no meu colo e levantei da calçada enxugando minhas lágrimas com as costas da mão que estava livre.O Sorriso estava esquina esperando o Rico, e enquanto ele não chegava eu fui juntando todas as minhas roupas e da Rita que estava no guarda-roupa que tinha sido largado no meio da rua.Coloquei tudo que pude dentro da minha única mochila, e as roupas que sobraram da Rita coloquei na bolsinha dela
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Sete
RICOColoquei a Ritinha na minha cama e voltei para a sala onde o Rael tava me esperando.Eu não queria que ele entrasse nessa, porque uma vez dentro é papo de pesadelo pra poder sair. Mas o cara já passou por tanta coisa que tá se vendo sem opções e eu não tenho autoridade nenhuma pra julgar ou ficar contra ele. Um amigo de verdade não faria isso.E a única coisa que eu fiz foi respeitar a escolha dele e apoiar. Ele só tinha a mim, e eu a ele. E foi assim desde os quinze anos, quando a nossa mãe morreu ele se levou pro caminho certo, e eu fui certeiro no errado. Foi fácil até, ele era claro e ainda tinha algumas oportunidades, e eu que era negro não tive as mesmas chances que ele.Minha única formatura foi na boca da rua 22, enquanto ele ainda conseguiu concluir o ensino fundamental.Passamos um tempão separados, ele morando na casa de uma mulher aí no asfalto que pegou ele pra criar mesmo depois de adolescente, e eu na comunidade sendo criado pelo crime.Foi foda. Mas depois de uns
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Oito
RAELNaquele mesmo dia eu tive que voltar na casa da Lis e engolir o meu orgulho. Deixei a Rita lá e voltei pro morro dizendo que viria buscar ela amanhã de tarde assim que tudo ficasse bem no por aqui.Dormi na casa do Rico, e muito antes de amanhecer eu já estava de pé no meio da rua assim como todos os soldados. O Rico, o Sorriso e o Neguinho também estavam lá.— O Paulista falou que os alemão vão invadir as quatro — o Talibã começou a explicar — Metade sobe pra linha — apontou pra uns dez soldados — E vocês vão pra barreira — apontou pro restante.Assim que ele se calou os fogos começaram a estourar e todos os soldados se espalharam pelas vielas.O Neguinho me entregou um colete camuflado, um Ak-47 e meteu o pé sem falar nada.— Saí dessa vivo e você tá dentro — Talibã falou e saiu seguido do Rico que me olhou preocupado mas não falou nada.O Sorriso já tinha ido com os outros soldados e fiquei alí sozinho. O medo já tava tomando conta de mim, e aquela pergunta fodida ficou ronda
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Nove
3 meses depois.RAELNunca consegui me ver nesse meio. Trabalhei desde moleque pra ter o meu certinho e não me envolver, mas não teve jeito. A dificuldade e o bem estar da minha filha falaram mais alto eu e nem pensei duas vezes. Botei a cara, mesmo.E graças ao cara lá de cima eu saí ileso naquele dia. A famosa prova de fogo. Tu só tem o direito de portar um fuzil se passar por ela, aí sim tu tá dentro.Foi ralado, mas eu consegui.Com o dinheiro que tô recebendo do tráfico eu consegui pagar todas as minhas dívidas, comprar uma casa, e ainda matrícular a Rita em colégio particular aí. Era em período integral e dava muito bom pra mim, já que eu fazia plantão o dia todo, a noite eu tava em casa pra curtir a minha filhota.Passei o dia pelo morro com os crias sempre fazendo o meu melhor, e tava tudo suave. Morrão tava na paz e eu tava tranquilinho, me preocupando só com a hora de ir buscar a Rita na escola porque aí que era foda, parceiro. Sair do morro e voltar sem nenhum arranhão, era
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