Alice

Onde você está agora? Como está se sentindo nesse momento? Feliz? Está realizada e completa com as escolhas que fez? Está se sentindo acolhida e bem-vinda? Se sente segura?

Estar segura não é algo que eu conheça. Eu não sei o que é estar segura em um lugar.

Eu não sei o que é isso, desde muito pequena estive perdida, tão perdida…e quando me tornei adulta não consegui mais encontrar o caminho de volta. Todas as portas que eu bati se mantiveram fechadas, todas as esperanças que um dia tive foram roubadas de mim. Eu não posso culpá-lo também, lembro-me bem, esforço-me para lembrar todos os dias: eu pude escolher. E escolhi o caminho menos doloroso, não só para mim. É uma pena, as consequências que um simples “eu aceito” pode gerar são enormes. Infelizmente o caminho que eu pensei ser melhor, ou menos doloroso, hoje me transmite dores inimagináveis, e marcas que eu terei que tratar para o resto da vida.

Ironicamente tocava Etta James ( Por favor, ouçam enquanto lêem)

“Até que enfim meu amor chegou

Meus dias solitários acabaram

E a vida é como uma canção

Ohh, sim sim

Até que enfim

O céu está azul

Meu coração ficou coberto de tranquilidade

Na noite em que eu olhei para você

Eu encontrei um sonho, que eu posso dizer

Um sonho que posso chamar de meu. Eu achei um prazer apertar minha bochecha um prazer que eu nunca havia conhecido

Ohh, sim sim

Você sorriu, você sorriu

E assim o encanto foi lançado

E aqui estamos no céu. Porque você é meu enfim

“Até que enfim o amor chegou”,

Que patetico, amor? novamente outra perda de tempo. Acho que nunca senti. Certa vez me apaixonei, mas todo esse sentimento foi embora tão rápido como chegou, às vezes suspeito que nunca existiu. Jamie, o amigo que meu pai nunca me apresentou, que se infiltrou na nossa família , que se aproximou de mim e logo me tomou tudo, e me deixou sem nada, a não ser a ele para recorrer. Esse era o seu plano desde o começo, como não pude perceber? Como pude me deixar levar? Sinto que meus problemas começaram como um pequeno grão de neve, e eram tão pequenos e insignificantes, hoje mudaram e se tornaram uma grande avalanche, uma grande e destruidora avalanche.

— Sorria, querida. — Jamie me arrancou dos meus pensamentos. — Todas querem ver a alegria radiante da noiva.

Meus ouvidos doeram só de ouvir essas palavras, pensei que o mais difícil seria dizer “eu aceito”, mas então percebi que o mais difícil era aquele momento, encarar a todos como se estivesse feliz. Ter que viver toda a vida com ele.

Como eu pude chegar a esse ponto?

— Acho que não quero mais dançar Jamie, meus pés estão me matando, estou cansada.

— Não ouse sair deste salão. — Seus olhos azuis encaram os meus. — Além do mais, estão todos olhando para nós. E ainda todos os homens da família Gambino que querem lhe tomar em uma dança — Jamie disse em um sussurro, sua voz era firme e fatal. Tive vontade de gritar com ele, dizer que não dançaria com ninguém, que queria ir embora, que não o amava, nem pretendia amá-lo. Mas não podia dizer nada, eu estava presa com amarras invisíveis, recebendo as consequências das minhas escolhas. A dança finalmente acabou, e fomos tomados por uma salva de palmas dos convidados. Ouvi alguém gritar “Felicidades”, “Salve os noivos” e algumas outras palavras de alegria e gratificações. Tudo o que eu queria viver, e nada do que eu estava vivendo.

Jamie me rodou e então me tomou um beijo profundo, sua língua invadiu a minha boca e foi o pior beijo da minha vida. Há alguns meses eu apreciava aquele beijo, eu gostava. Naquele momento eu tive que segurar a vontade de vomitar quando ele me beijou, senti uma forte pontada no estômago, e um verdadeiro aperto no peito. Logo o reconheci, como um novo amigo:

Tristeza.

As palmas apenas aumentaram quando ele finalmente me largou, fazendo a porra de um show. Eu evitei olhar para os convidados, não queria que percebessem meus olhos marejados. Eu fingia tão bem que mesmo a pessoa mais próxima a mim não perceberia.

— Posso tomá-la em uma dança filho?

— Claro, papa. — Jamie cumprimentou seu pai, o senhor de corpo musculoso, cabelos pouco grisalhos, olhos azuis penetrantes. Porém, percebi um músculo irritado na mandíbula de Jamie e que seus olhos estavam obscuros como aço.

Hm, estranho.

O homem, seu pai, me causava arrepios tinha um olhar cruel e insensível. Ele parecia como um dos personagens dos filmes do Tarantino.

Jamie me olhou, como se estivessemos trocando uma mensagem silenciosa de cumplicidade. Mas isso não aconteceu. Eu nem se quer tinha conexao com ele para isso.

Ele me deixou com seu pai e foi até o outro lado com a sua família.

Ele beijou minha mão e em nenhum momento tirou os olhos dos meus. Uma merda de um calafrio percorreu todo o meu corpo. Medo? Nervosismo? Não sabia, mas o sentimento não era bom. Eu olhei para o lustre no alto atrás dele, querendo ocultar o fato de que estava literalmente tremendo. Não era segredo que o pai de Jamie era um assassino, e capo del capo da máfia de Seattle. Ele havia sido inocentado de todas as acusações, mas só Deus poderia dizer quem ele comprou ou matou para isso.

Cansada de olhar para o alto, o encarei. Ele me olhava como se fosse me devorar.

Sinto meu coração bater rápido no peito, se chocando contra minha caixa torácia. Estou apavorada e não é só com essa dança, é esse casamento. É oque virá daqui para frente.

Graças a Deus outra dança começou, uma música típica da Itália. Fechei meus olhos rezando para tudo aquilo acabar logo e finalmente eu poder correr daquele pesadelo, ele apoiou a mão na minha cintura, e eu apoiei meus braços em seus ombros. Ele cheirava a charuto e a perfume importado caro. Enquanto a dança seguia, ele aproximou seus lábios do meu ouvido e começou a falar.

— Quem diria que o grande Trevor Madox teria uma belezura como você escondida em casa… — Tive que sugar inúmeras respirações profundas quando o ouvi falando de meu pai. Meus braços ficaram rígidos, quase atrapalhando os meus movimentos. — Você não tem ideia dos planos que eu teria pra você.

Cheirou meu cabelo de forma possessiva, fazendo com que meu corpo estremecesse e eu quase vomitasse. Eu engoli minha agonia e reparei fundo.

— Você não é muito de falar né. — Ignorei a primeira frase.

— Não com você. — Respondi secamente.

Ele solta uma risada, mas sem muita emoção.

— Uma gatinha malcriada. — Ele sorriu de forma perversa. — Não tenho dúvidas que Jamie logo a botará em seu devido lugar, não temos lugares para mulheres malcriadas nesta família.

— Vocês não são a minha família — disse seca.

— Ah querida, mas é claro que somos. Não pense que eu gosto deste arranjo tanto quanto você parece gostar. Você não faz ideia do que a sua permanência nos causou. — Reage instantaneamente, com sua voz endurecendo como aço. — Sua relação com Jamie apenas atrapalhou meus negócios, eu preferia tê-lo arrumado com uma Costello, não aprovo alguém que não faça parte de alguma família de nosso círculo, e que ainda por cima venha de uma família putrefata e desleal que não acrescenta nada a nós. — Ele funga para mim como seu eu estivesse suja de merda. — Você e sua família me causaram mais problemas que você pode sequer imaginar. Jamie fez escolhas desastrosas quando preservou vocês. — Seu sorriso falso desaparece, revelando sua verdadeira face. — Mas confio que James saiba o que está fazendo. Caso contrário, ele estará botando muito a perder, coisas que farão esse casamento parecer uma merda de passeio na Disney para você. — Sua voz é áspera. — Ah, antes que me esqueça querida, pelo que sei você não tem ninguém. Apenas um pai viciado em jogos e uma mãe submissa. Sem irmãos, sem filhos… — Ele pisca e sorri como se tivesse dito algo engraçado para mim. Ele se inclina, seu tamanho se sobrepondo ao meu, quando ele leva os lábios próximos ao meu ouvido e Sussurra: — Sim baby, nós somos a sua família.

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