— Disse que iria processá-los, pelo menos? — o homem perguntou, levando as mãos trêmulas à cabeça.
— Fui ameaçado exatamente por isso.
— Deveria ter me contado isso antes de pisar aqui…Eu daria um jeito…
— Sinceramente, não compreendo a sua preocupação comigo… Que eu saiba, faz anos que trabalha aqui.
— A morte do seu pai não é o suficiente para que perceba que este não é um lugar para você?
— Que eu saiba, meus pais faleceram em um acidente. Se é essa a questão, o Sr. Silvace perdeu a família toda e este continuou sendo um lugar para ele.
— Garoto, você não tem ideia do que está falando… Vou organizar sua viagem para os Estados Unidos ainda hoje, não vai mais pisar aqui.
— Você não é o meu pai!
Aqueles dizeres cortaram o coração de Otto. Não era mesmo o pai do garoto, mas nutria algum desespero como se fosse, como se tivesse necessidade de cuidar dele.
— Garoto, isso não é o que você pensa! Não é só uma fábrica de armas… — o homem desabafou.
— E o que isso seria, além de uma fábrica de armas? Um depósito de armas? — Klaus perguntou, incrédulo.
— Não é raro ouvir entre os outros funcionários dessa empresa, que, na verdade, isso é uma seita. Seu pai parecia muito estranho antes de “morrer misteriosamente com a esposa” em um voo que ninguém sabia que estavam. Os seus pais nunca viajavam juntos, Klaus!
— Pois eu acredito que ele apenas estava cansado, você ouve demais os resmungos da Senhora Sanz — Klaus insinuou — Não é porque meus pais não viajavam juntos que não poderiam decidir viajar, ora. Eu vou trabalhar na 000Pater e confesso que a cada dia tenho uma impressão maior de que tudo está falido nessa cidade, exceto a fábrica de armas.
Otto percebia que o rapaz estava irredutível quanto a ideia de trabalhar na 000Pater e como a maioria dos jovens, insuportável. O homem estava enfurecido com ele por isso. O Silvace falava o que julgava ser importante, mas ainda assim parecia esconder alguma coisa.
Seria mais fácil se Otto fosse direto, mas homens são complicados. Talvez Klaus estivesse certo em não dar atenção a ele sob o argumento de que dava lado às conspirações da avó, mas poderia também estar errado… Só o tempo poderia dizer essas coisas com precisão.
O rapaz voltou para a casa e teve de lidar com todos os bravejos da Senhora Sanz, que quase infartou quando soube da decisão do neto.
— Não! Não! Não! Não aceito isso, não pode fazer isso com a sua avó! — Eugênia se afundou em lágrimas.
— Não deveria ter contado… — Klaus se dirigiu a Otto com alguma irritação.
Nem as lágrimas da Senhora Sanz, nem a frustração de Otto tiravam da mente do rapaz a impressão de que a fábrica de armas seria uma boa escolha. De certa forma, estava com sorte, pois a comunicação que Marcos mencionou chegou no outro dia pelo correio e dizia: “Você foi aceito, Sanz! Nos vemos amanhã na 000Pater.”
Curiosamente, assim que recebeu a comunicação, todas as empresas nas quais inutilmente trabalhou, que eram as sugestões de Otto, pagaram pelo seu trabalho e pediram desculpas pelo transtorno. Aparentemente, as armas faziam milagres, pois recebia um valor extravagante, que até excedia o valor combinado nos contratos.
Para fugir da incompreensão familiar sobre a própria vida e as próprias decisões, o Sanz se mudou de residência, também para o desespero de Otto que perdia aos poucos o contato com ele.
Na fábrica de armas, o rapaz se esforçava e os resultados eram evidentes. Marcos olhava para ele com uma curiosa admiração, parecia ter encontrado um funcionário perfeito e, com o passar do tempo, teve certeza de que poderia ser útil em questões mais ambiciosas.
Klaus pouco falava com os outros e essa resistência emocional apavorava Otto. Certo dia, o homem aproximou-se dele novamente, tocou-lhe respeitosamente o ombro e perguntou:
— Filho, como você está?
— Não sei. Acho que bem — Klaus respondeu.
O homem percebia que o rapaz se sentia distante e preferiu dar-lhe o espaço desejado, mesmo que quisesse se mostrar presente.
Otto tinha as suas razões, mas não as revelava por completo e assim ficava difícil estabelecer um entendimento digno sobre o que realmente pensava.
Conforme o tempo passava e as capacidades do jovem eram treinadas, Marcos percebia que ele herdava bem as características do pai e nutria cada vez mais certeza de que poderia ser muito útil em outras áreas. O homem levou Klaus para uma sala e passou a fazer perguntas um pouco estranhas para ele, que envolviam basicamente moralidade, emoções e trabalho.
— Responda-me, Sanz, tem o intuito de algum dia se casar? — Marcos perguntou, olhando fixamente para ele.
— Não faço ideia…
— Bom… próxima: O que acha de um homem que mata outro em estado de fúria?
— Acredito que deve ser punido.
— E um homem que mata outro sem motivo?
— Deve ser punido com maior rigor.
— Muito bem… E um homem que mata outro para poupá-lo do sofrimento de uma morte dolorosa e inevitável?
— É uma atitude bonita — Klaus respondeu, tentando entender o que levava o Sr. Town a fazer aquelas perguntas.
— Um homem que mata um homem para salvar outro?
— Imoral, mas considerável.
— Acha salvar alguém imoral? — Marcos estranhou.
— O homem vai poupar aquele pelo qual tem mais apreço e não obrigatoriamente o mais justo. Se salvar o mais justo e este for aquele pelo qual tem mais apreço, terá feito algo por si mesmo e se não tiver apresso pelo mais justo e mesmo assim o salvar, a intenção será imoral, pois só o fará para ter uma reputação admirável.
— “O louco e o lobo”, de Careth Fatnon… Eu conheço bem esse livro que acabou de recitar. Sinceramente, não há tanto que se prezar por essa “moralidade”. Se não sabia, eu conheci o autor pessoalmente em Londres ano passado, era um bêbado, foi condenado por homicídio quatro meses atrás — Marcos não conteve a risada.
— Eu não sabia… — Klaus respondeu desconsertado.
— Tudo bem… vamos continuar com as perguntas: E se um homem mata vários homens para tornar o mundo um lugar organizado?
— Me abstraio dessa… — Klaus se sentiu por alguma razão ameaçado.
— Por quê? — Marcos indagou surpreso.
— Pode ser algo bom e ruim, a depender dos verdadeiros interesses do homem e da forma como pretende organizar o mundo.
— Esqueça a moralidade, Klaus, esqueça esses livros que Otto te apresentou, são péssimos. Se quiser ler algo de qualidade, leve essa caixa, tem vários livros — Marcos pegou uma caixa empoeirada debaixo da mesa — Está um pouco empoeirado, faz anos que eu não pego esses livros… Só de manuseá-los, tenho a impressão de que atacará a minha rinite — e entregou para o rapaz — Deve passar por cima de algumas dessas filosofias para conseguir ser feliz nessa empresa. Não existe certo e errado, o que existe são interesses. Pensar muito é desnecessário, vai perceber isso com o tempo. Mas me responda, só por curiosidade: Se um homem mata vários homens para tornar o mundo um lugar organizado e as suas motivações parecem convincentes para você, se você fosse um assassino, faria estrago?
— Talvez… Mas não compreendo… o que quer dizer com essa pergunta?
— Quero que assuma o posto que idealizei a você no momento em que decidi contratá-lo, Sanz, o mesmo posto que pertencia ao seu pai. Se mostrou tão competente quanto ele. Você aceita? — Marcos intimou.
Ser como o pai parecia algo muito importante para o Sanz, Otto sempre fez com que ele parecesse uma figura de hombridade, respeito, e assumir o posto que pertencia ao pai fez brilhar os olhos de Klaus como se pudesse enxergá-lo outra vez.
— Aceito — Klaus respondeu, sentindo uma estranha ardência que surgia repentinamente no peito — mas, poderia me explicar isso melhor?
— Posso, mas farei isso hoje à noite. Preciso apresentá-lo a alguém… Garanto que a sua visão sobre algumas coisas deve mudar.
— Nesse caso, nos vemos à noite — o rapaz concordou.
Eles se separaram, o rapaz seguia para o salão principal enquanto Marcos descia uma escada que levava até o estacionamento. Otto via Klaus ali e contemplava nele um semblante confuso, o mesmo semblante que percebia em Eduardo Sanz anos atrás. O homem pensava sobre o que deveria passar pela cabeça dele naquele exato momento, pois poderia ser muita coisa, mas temia que fosse uma, temia que as habilidades do Sanz o levassem ao mesmo caminho do pai.
— Sanz… — Otto chamou.
— O que foi? — Klaus respondeu sintético.
O rapaz estava tão superficial ultimamente que nem parecia mais aquele garoto que se divertia com ele ao ouvir os descalabros da avó sobre os vizinhos.
— Está estranho… — Otto observou.
— Marcos acabou de me fazer perguntas esquisitas… Nunca parei para pensar em algumas coisas — desabafou.
— Que tipo de perguntas? — o homem estranhou.
— Se um homem mata muitos homens para tornar o mundo um lugar organizado… o que acha disso?
Pois é… Dessa vez Otto estava com uma boa intuição. Marcos provavelmente idealizava no rapaz os mesmos atributos que encontrava em Eduardo Sanz.
— Marcos pretende te apresentar uma proposta a noite? — o homem desconfiou.
— Como sabe? — Klaus perguntou — Na verdade, já aceitei, só faltam os detalhes, ele disse que pretende me apresentar a alguém e que vou assumir o posto que pertencia ao meu pai.
— Você aceitou a proposta sem saber qual era? — Otto parecia indignado — Há algo que eu preciso contar para você, Sanz…
Klaus estranhou o semblante de Otto que pela primeira vez não lhe parecia familiar, pela primeira vez percebia a ocultação de uma informação importante naqueles olhos.
— O que seria? — o rapaz perguntou.
— Isso que você conhece é só uma fachada, existe algo maior e tenebroso por detrás disso, é uma seita, uma sociedade secreta… São comentários comuns entre os outros funcionários, tome cuidado!
— Mais um pouco de teorias da conspiração? — Klaus ironizou.
— Deixe-me ver o seu peito… — Otto pediu, vislumbrando uma fraca e estranha tatuagem que descia cinco centímetros no peito do rapaz.
— Não entendi — o rapaz observou desconsertado o semblante do homem.
— Se lembra de ter feito essa tatuagem? — Otto perguntou.
— Eu não tenho tatuagem!
— Olhe de novo! — Otto ordenou, encarando o semblante assustado de Klaus com preocupação.
O rapaz acreditava que o homem estava louco, mas ao observar o local que ele dizia conter a tatuagem, teve uma assustadora surpresa, pois ela estava realmente ali.
— Eu não me lembro de ter feito uma tatuagem… Nem mesmo bebi para ter esquecido que fiz uma… — Klaus desabafou confuso diante daquela marca apagada em seu peito — Parece, inclusive, ser de péssima qualidade… Será que não é apenas tinta? Minha camiseta sequer está suja… devo ter me sujado ontem com isso e não saiu completamente com o banho.
— Seu pai também tinha uma… — o Silvace lembrou.
— É mais fácil ser tinta do que alguém ter feito em mim essa tatuagem… — Klaus analisou, tentando se recordar de alguma situação que poderia ter marcado seu corpo — Mas quando?! Você tem uma também?
— Não, eu não tenho — Otto suspirou, seguindo de volta para a fábrica.
Klaus herdava a teimosia do pai, seguia com a caixa em mãos, em direção a área externa, pensando por qual razão Otto, que parecia um sujeito tão inteligente, se deixava levar por hipóteses tão descabidas sobre a existência de uma “sociedade secreta”.
A “tatuagem”, no entanto, era mesmo uma incógnita. Não se recordava de tê-la feito e quando chegou em casa se ocupou em observá-la melhor diante do espelho, ainda certo de que era apenas tinta da fábrica. O desenho desbotado, ao primeiro olhar, era de difícil interpretação, mas depois de um tempo, observando em frente ao espelho, conseguiu perceber alguma coisa. A tatuagem consistia em uma árvore, com uma copa interligada de forma semelhante aos neurônios de um cérebro, com uma coroa no centro, sob um tronco que mais parecia um braço e raízes generosas que muito se assemelhavam aos dedos de uma mão, essa imagem estava inclusa dentro de um triângulo iluminado.
Tentou cochilar por alguns minutos, mas foi surpreendido outra vez por aquela velha sombra que cercava seus pesadelos de criança, dessa vez a sombra aparecia ao pé da cama no seu apertado apartamento e caminhava, fazendo com que a seguisse em direção a uma sala cheia de corpos que se tornavam esqueletos subitamente e quando Klaus desviou o olhar para ela, tudo simplesmente desaparecia à sua frente.
Acordou assustado e se arrumou depressa percebendo que dormia mais do que havia programado. Seguiu ansioso para a 000Pater a fim de saber o que Marcos tinha a dizer e a quem deveria apresentá-lo. Chegando lá percebeu que as coisas eram mais esquisitas do que imaginava.
Clópis, a cozinheira, mandou que ele entrasse em uma sala, disse que estavam esperando por ele. Quando entrou, teve a impressão de alucinar, pois a sala estava preenchida de sombras que dançavam, desviavam-se dele e ofereciam uma espécie de bebida.
Por sorte, não demorou muito até que Marcos entrasse na sala. O homem, diferente de Klaus, encarava tudo aquilo com normalidade, uma normalidade até assustadora.
— O que diabos é isso? — Klaus indagou assustado.
— Está com medo? — Marcos provocou.
— Não… — o rapaz disfarçou angustiado.
— Então pegue uma bebida! — Marcos cobrou, encarando-o insistentemente.
O rapaz pegou uma taça oferecida por aquelas sombras com um pouco de receio. Sentia como se aquela cena fizesse parte de outro pesadelo e estivesse prestes a acordar em sua cama.
Tomou aquele líquido que tinha um sabor horroroso, olhando para o homem que estava ao seu lado, com um semblante indignado.
— Não há nenhum remédio ou bebida que eu tenha tomado em toda a vida, que tivesse um gosto desastroso como esse… — Klaus suspirou.
— Você é engraçado, Sanz! — Marcos gargalhou — Essa é uma bebida relaxante, não teria gosto similar às bebidas da Terra, foi feita para ser ruim. Ninguém conseguiria viciar-se nisso.
O rapaz tentava aos poucos compreender o que o homem dizia, mas os olhos embaçavam e não percebia os movimentos que fazia, parecia agir sem perceber, apenas vagando por impulso por onde Marcos o levava.
Estava atordoado, tonto e por isso seguiu facilmente pelas intermináveis portas que surgiam à frente deles. Aparentemente o intuito da bebida era o de dopá-lo e fazer com que não memorizasse o caminho até o destino.
Foi levado para um lugar sombrio, atravessou os galhos de uma árvore e encontrou um castelo, um palácio que parecia ter saído de um filme de terror. O rapaz estava tão sedado que não se importava com o que via a frente, enquanto Marcos adentrava o palácio com ele.
O homem chegou com o rapaz até a sala do trono, na qual estava assentado um rei estranho, que vestia roupas completamente pretas, usava uma máscara de caveira e tinha uma coroa prateada sob a cabeça.
— Soberano, peço sua atenção… — Marcos o cumprimentou um pouco temeroso.
— Quem é este que traz até mim? — o rei perguntou.
— Um novo atirador… — o homem respondeu.
— Ótimo! — o rei comentou, virando-se entediado para a parede mais próxima.
— Não quer analisá-lo? — Marcos estranhou.
— Não será preciso! Tenho afazeres mais importantes…
— É que… — Marcos gaguejou.
— É um costume… eu sei, mas percebi que é um esforço inútil fazê-los lutar contra sombras — o rei respondeu, percebendo que seus últimos atiradores haviam sido assassinados, mesmo sob uma análise criteriosa de habilidades.
Marcos olhava o rei fixamente. Dessa vez o soberano não fazia questão de conhecer o atirador, estava acostumado a perder homens e pouco lhe importava se perdesse mais um. Naquele último mês, o sujeito trouxera mais de vinte homens àquela sala e o rei já estava farto dos mesmos procedimentos de sempre.
— Organize isso você mesmo a partir de hoje — o rei exigiu — Estou cansado disso, contra sombras estes atiradores não duram mais do que formigas, já perdi as contas de quantos foram mortos.
— Mas nenhum deles morre por completo… — Marcos observou.
— Eu sei disso, mas já tenho um exército de sombras que pode vencer o dos Estados Unidos cem vezes, são tantas sombras que eu poderia substituir todos os funcionários da 000Pater por sombras. Sombras são úteis, Marcos, mas não fazem todo o trabalho, não tem mais consciência humana.
— Poderia tê-las feito com alguma consciência… — o homem analisou, passando a mão pela barba curta pouco perceptível.
— Se as sombras dos atiradores mortos tivessem consciência, elas atrapalhariam meus planos. É mais fácil manipular homens vivos, eles sempre acham que tem muito a perder.
— Bom, Sarbeth, se não deseja realizar a aceitação do atirador, por mim ele está aceito e se me permitir, voltarei para a 000Pater.
Marcos sentiu-se aliviado, acreditou que haviam escapado do ritual de aceitação, mas enquanto caminhavam para a saída da sala, o sujeito coroado os seguiu e se aproximou de Klaus, abaixando um pouco a gola da camisa do rapaz e notando a tatuagem fraca em seu peito.
— Marcos, me diga o nome do sujeito! Eu decidi fazer esse ritual, esse sujeito me parece muito familiar, gostaria que meu pacto com ele estivesse completo…
— Klaus… Spense — Marcos travou virando-se para ele de maneira repentina.
Sarbeth mandou que Marcos fosse buscar os materiais, ferisse o pescoço do Sanz com um espinho minúsculo e que pusesse no cálice, algumas miligramas de seu sangue. Marcos agiu de maneira silenciosa, retirando disfarçadamente do bolso do paletó um pequeno frasco de nakopo transparente e adicionando ao cálice no qual misturaria o sangue do Sanz com uma dose de vinho.
— Que sobrenome interessante, Senhor Spense… — o rei disse cheirando o sangue no cálice e passando suas unhas afiadas próximo ao pescoço do Sanz — Por mim, Sarbeth, grande rei da terra, você está aceito e a sua alma me pertencerá para sempre.
O sujeito coroado tomou aquele líquido com um vinho tinto e deu por celebrado aquele novo atirador em seu exército.
O ambiente ficou silencioso, Sarbeth conseguia visualizar a tatuagem do Sanz ganhando cor, uma neblina negra de tinta adentrava a pele, onde se encontrava o rascunho que estava presente ali desde que ele havia sido aceito por Marcos. Percebendo que tudo corria como esperava, se deu por satisfeito.
—Quer que ele lute com sombras? — o homem perguntou temeroso diante da insistência do seu líder em completar aquele pacto.
—Não… Creio que como meu servo, ele tem coisas mais importantes a fazer. Como eu disse, tenho sombras de sobra, prefiro que ele morra tirando obstáculos do meu caminho.
— Tudo bem… Agradeço, Senhor! — Marcos se despediu arrastando o rapaz.
Aquela apresentação havia sido a mais rápida de todas. Se soubesse que, de início, ele não faria questão de conhecer o novo atirador, sequer perderia seu tempo levando-o até lá.
— Você teve muita sorte, Klaus, que eu levei o meu frasco de nakopo, se ele sentisse o gosto do seu sangue, você não voltaria vivo ao meu lado.
Quanto a Klaus, se manteve dormente até que passasse o efeito da bebida, que era mais forte do que imaginava. Quando acordou, o primeiro rosto que viu foi o de Clópis.
— Está bem? — a mulher perguntou.
— Acho que estou… O que aconteceu com as sombras? — o rapaz perguntou assustado.
Clópis olhou para ele com a impressão de que ele estava embriagado e não falou mais nada até que Marcos chegasse.
— E então…. Como ele está? — o homem perguntou.
— Alucinando um pouco… — Clópis desabafou.
— Deixe-me um pouco a sós com ele. — Marcos pediu.
Quando Clópis saiu, o homem se aproximou dele:
— E então, Klaus?
— O que fizeram comigo? — o rapaz perguntou, se dando conta de que não se lembrava de nada.
— Precisei apresentá-lo a alguém que você não pode conhecer, sinto muito — Marcos desabafou.
— Como?! — Klaus estranhou.
— Ok… — Marcos decidiu explicar — Isso não é o que você pensa… Há interesses maiores do que os de uma empresa. Como pode ter visto, a 000Pater é uma gloriosa fábrica de armas e projéteis que recebe elogios corriqueiros por produzir itens de qualidade, mas é apenas um disfarce para o que realmente importa, a Árvore. Trabalhando para a Árvore seu salário deve triplicar.
— E eu acreditava que Otto era o mais maluco… — o rapaz suspirou confuso com a tal Árvore.
— O que disse? — Marcos perguntou inquisitivo.
— O que tem a ver uma árvore com uma fábrica de armas? — o rapaz disfarçou o insulto anterior — Poderia ser mais direto?
— Aqui está! — Marcos retirou do bolso uma lista com trinta nomes e entregou para o rapaz.
— Do que se trata isso? — o rapaz analisou confuso.
—Pois bem… Sanz. Não vai mais fabricar armas, vai usá-las.
Basicamente o homem à sua frente acabava de atribuir a ele o cargo de assassino.— Quem são essas pessoas? — perguntou, ainda assustado com o último diálogo — Eu não vou matá-las!— Se não matá-las, você morre, Sanz! São apenas obstáculos… Você não queria ser como seu pai? Seu trabalho é tirá-los do caminho da Árvore o mais rápido possível — Marcos afirmou, deixando a sala.Klaus estava sem chão, não esperava se tornar um assassino e nem ser confrontado com a informação de que o pai era um, mas como poderia fugir agora daquele empreendimento bizarro que descobria aos poucos ser a Árvore?O rapaz ficou ali até amanhecer e já que estava muito tarde, seguiu para o salão principal, mas notou uma movimentação incomum no corredor, alguém gritava e era voz de uma mulher. O rapaz não gostava de se meter nos problemas de Marcos, mas aquilo cheirava mal. Sabendo agora que a Árvore não possuía nenhum apreço pela moralidade, aquilo cheirava péssimo… Abaixou-se na meia-parede que antecedia o balc
Um casamento fracassadoMORGANA ACORDOU UM POUCO TARDE, tarde demais para se dar conta de que o esposo que ficava semanas fora de casa, já tinha ido para o trabalho. Não sabia os motivos pelos quais havia dormido por mais de quatorze horas. Talvez estivesse depressiva, pois o homem já não lhe dava tanta importância, parecia que os tais sentimentos ardentes de antes ficavam desérticos e gelados, sobrevivendo às vezes em uma palavra vazia e outra.Ela o amava, mas aquele relacionamento já não era mais o que prometia ser no início, já não era mais semelhante aos filmes de paixão que costumam deixar os corações dos jovens em chamas, estava em frangalhos.O casamento fracassava a cada dia e a mulher conservava no íntimo uma insolúvel intuição de que o marido lhe escondia algo. Essa impressão se nutria a cada experiência cotidiana, ficava nas perguntas não respondidas, nas perguntas respondidas com raiva ou descaso. Será que Vitor havia se apaixonado por outra mulher? Quem seria a serigaita
Marta e OféliaNO MANICÔMIO, a Senhora Marta e Ofélia conversavam sobre as lembranças que possuíam. Ao menos naquele cômodo, não havia quem as criticasse, conheciam melhor do que ninguém as dores uma da outra.Perder alguém era difícil, mas era ainda pior arcar com a tarja que as encobria, o adesivo de loucas, a determinação de apodrecer ali, até o último instante da vida, por jurar algo impossível que havia acontecido na frente dos seus olhos.O lugar ganhava uma nova enfermeira, que era loira e um pouco mais velha do que Ofélia, vestia branco e sorria pelos corredores, era a única talvez que não se sentia no inferno que percorria a cabeça dos pacientes.A enfermeira, no entanto, passando pelo corredor, se aproximou das mulheres, tocando o braço de Ofélia de uma maneira muito peculiar.— Não acredito… — suspirou a mulher.— Silêncio! — angustiou-se a enfermeira, percebendo que havia sido indiscreta.Ofélia estava pasma e Marta, que estava confusa, resolveu tentar compreender a situaç
Acordando em outro lugarKLAUS SENTIU FORMIGAMENTOS nas costas quando enfim acordou em um lugar densamente neblinado e sombrio, que inicialmente o fez esfregar os olhos, não conseguindo acreditar que estava naquele lugar ou que aquele lugar de fato existia.A terra era escura e úmida, as plantas oscilavam entre o verde-musgo e o preto, os céus eram cinzentos e as nuvens pairavam como uma fumaça cinzenta sobre todo o território.Aquele lugar era imenso e as suas partes mais elevadas eram preenchidas no solo por uma notável bruma indiminuta. Sem dúvidas, percorreria um caminho confuso e difícil, no qual não era possível saber em todo tempo o que havia abaixo de seus pés.Parte das suas memórias eram confusas, não se recordava de muita coisa, seu maior questionamento era o lugar onde estava, ao menos naquele instante, pois só tinha aquele vazio íngreme a vista, ao qual todos os detalhes não pareciam facilmente revelados.Caminhou por ali como o ponteiro de um relógio, às voltas, em círcu
Oslen: O mundo do SaroteuHAVIA UM PEQUENO PEDAÇO DE SOLO no meio da escuridão vazia de um espaço esquecido e sem propósito, onde a única paisagem era uma árvore em um território cinza.Um homem, passeava como de costume pelo terreno escuro em direção à árvore, lugar de seu repouso. E então, em um desses dias, foi visto por Taus, o espírito que escondia o sol da face da Terra.Eram anos muito turbulentos no mundo do qual o espírito vinha e a falta de consciência fazia com que aquele ser desejasse se afastar. Ele havia criado os humanos com todos os poderes que eles precisavam para permanecerem completos e ao se desfazer da consciência, a raiz de todos eles, aos poucos, se esqueciam de que tinham poderes e predominava dentro deles um vazio cruel que causava destruição.No entanto, ao ver o homem repousando naquela árvore em meio à escuridão completa, seu coração se confundiu quanto ao desejo de abandonar a Terra e se afastar das suas criações, percebeu que nem tudo o que vinha de uma d
Histórias de bruxaAslie terminava de contar a história de Oslen, enquanto Klaus a encarava um pouco confuso:— Vocês acreditam mesmo nisso? — ele perguntou.— Da mesma forma que você acredita no que acredita.— E esta figueira que dizem? Tenho a impressão de nunca ter visto.— Eu a vi uma vez, mas não me lembro onde estava — Aslie desabafou.A bruxa encontrava na fragilidade do atirador sem arma bom ouvinte, até deixava escapar que ameaçara Lóbus certa vez de algo improvável, não podia transformá-lo em sapo.O rapaz que antes evitava Aslie, agora não conseguia tirar seus olhos da moça. Pouco importava se era uma ótima ou uma péssima bruxa. Ao passo que a conhecia, ficar perto dela se tornava a cada dia mais instigante.Aquele contato começava a surtir os primeiros raios de sol, milagroso talvez em causar sorrisos tímidos em pedra bruta, pois aqueles jovens não sorriam costumeiramente e agora os lábios, se pudessem enxergá-los… Como estavam ficando bobos…As paixões fazem dessas coisa
Mal de famíliaSENTINDO-SE PÉSSIMA diante do último acontecimento e temerosa de que o pai fizesse uma grande besteira, Aslie levou o rapaz para o cemitério báltico, local no qual o exército de Alftór foi encontrado morto, antes mesmo da guerra programada.A bruxa não trazia o Sanz por acaso àquele lugar. Possivelmente, o cristal havia sido usado para exterminar aquele exército e por isso ainda emanava alguma energia daquela parte do território, por isso a presença de flores, pequenos animais e alguma vegetação. Próximo dali também havia uma gruta e muitas casas em ruínas, isso poderia servir de esconderijo até que conseguisse pensar em algo. Etéro certamente não a ouviria, apenas Lóbus poderia fazer alguma coisa, mas já estava farto de esperar por explicações, fora claro: queria detalhes, precisava saber exatamente o que trazia o rapaz ali.Todas as vezes que Aslie perguntava algo sobre o seu passado, “Marcos” fugia da pergunta e isso tornava o diálogo com Lóbus quase impossível. Se o
Decifrando KlausCOMO ERA DE SE ESPERAR, Aslie só poderia estar na caverna de Lóbus, local pelo qual agora o rapaz nutria certa “inconveniência”, palavra essa que quem vos fala substituiria sem reservas pela palavra “ciúmes”.O gigante se mostrara um bom amigo, mas isso não o impedia de recear pelas possibilidades, uma vez que não seria novidade se, por ela, Lóbus também conservasse aspirações românticas. O rapaz sentia medo de entrar ali (e tomar outra pancada na cabeça?) e se deparar com o pior: suas tão recentes e reconfortantes expectativas amorosas se desfazerem à sua frente.Assim que o rapaz entrou, percebeu que aquela sensação anterior era apenas uma paranoia sua. Lóbus cochilava debruçado frente a um extenso livro enquanto Aslie se encontrava do lado direito da estante de artefatos fabricando alguma coisa.— O que está fazendo? — Klaus perguntou.— Lóbus emprestou seu laboratório, Klaus. Andei estudando a sua tatuagem… — Aslie revelou cabisbaixa.— E por que essa cara? — o ra