— Se isto é sério, eu deveria ser condenado ao mízcio… — Marcos Town sentia-se culpado.— Você venceu a si mesmo, Sr. Town. A verdadeira salvação gera uma mudança verdadeira, sacrificar a si mesmo pela verdade. Diferente de muitos, você estava disposto a pagar por todos os seus erros e também pelos erros daqueles que o levaram a errar — Ash acalmava-o, enquanto Ofélia se alegrava por ele.— Se não fosse por você, eu não estaria aqui — o homem grisalho contemplava Ofélia com paixão.O pequeno mago seguia seu caminho enquanto Klaus pensava sobre tudo o que eles haviam dito.Estavam cansados da caminhada, mas rapidamente foi possível vislumbrar o Teatro de Bórdon, o grandioso Teatro de Bórdon rebuscado em tom vermelho.— Eu sempre quis trazê-lo ao teatro de Bórdon, Klaus! — Lóbus contemplou-o ao longe e correu a abraçá-lo.— É bom vê-lo novamente! — Klaus se entusiasmou — Aliás… me perdoe por não ter dado nenhuma atenção a você quando estive em posse do cristal. Se não fosse por você, eu
Um corvo faminto na minha janelaEM UM DIA QUALQUER, em uma simples janela de uma casa velha, apareceu um pequeno vulto voador: destemido, brincalhão, sério, elegante e misterioso. Poderia ser um presságio, uma premonição, um alerta, um mau agouro, como dizem, mas era apenas um corvo que queria milho.Como um bom negociador, pedia insistentemente a atenção que lhe pertencia, e eu o ignorava no início. Corvos não eram comuns ali, e eu, se bem me recordava, nunca fui fã deles.Não acreditava que pudesse me mostrar algo importante; qualquer coisa além do fato de que estava faminto e que sabia imitar meus resmungos tão bem quanto um papagaio.Como permanecia ali, trouxe um pequeno pote de milho, que ele fez questão de recusar... Agia de maneira esquisita, foi a única impressão que tive inicialmente. Mas quem era eu para dizer que um corvo agia de maneira esquisita se nunca estivera tão perto de um? A ave parecia me encarar até que eu retribuísse o olhar. Ainda que eu evitasse aquele peque
A cartomanteNA AVENIDA CRUZES, a dois quarteirões da casa da velha, uma cartomante conversava com a amiga cética sobre o ocorrido:— Soube da velha? — perguntou Clarice a Morgana.— Devo confessar que se ela não estiver louca, eu não estou no meu juízo perfeito — afirmou Morgana, virando uma xícara florida de café.— Isso me lembra o rapaz que namorou Ofélia há doze anos — comentou a cartomante.— Eu acredito mesmo que a velha está delirando nas maluquices da Ofélia e por mais um tempo se prolonga essa história maluca — Morgana mexia nas madeixas ruivas.— Você lembra o que a moça disse na consulta? Lembra que recusei? Achei que ela realmente estava delirando… — a cartomante continuou, receosa em demonstrar seu arrependimento perante a amiga.— Ofélia estava maluca. Ninguém roubou o noivo dela, muito menos uma placa mágica de madeira e a Marta provavelmente alucinou nessa conversa. Nem direi a você o que meu marido pensa sobre isso… — a amiga argumentou, enquanto passeava os dedos pe
KlausKLAUS ERA FILHO DE EDUARDO SANZ e essa era a única certeza que teve desde que se tornou órfão com apenas seis anos de idade. Desde o anúncio da morte dos pais, nunca mais os viu, nem mesmo os corpos deles.O menino crescia compartilhando muitas semelhanças com o pai, mas crescia em meio a circunstâncias que pareciam por vezes tão incompreensíveis ou mal explicadas que sempre tinha a sensação estranha de que por detrás da sua vida trágica, havia algum segredo.Quando era pequeno e a morte dos Sanz ainda era um acontecimento recente, teve a impressão de estar em um pesadelo muito realista: uma sombra aparecia, sinistra e aterradora, mas, no entanto, sem expressão nenhuma. Isso se repetia todas as noites ao pé da cama. Talvez fosse apenas um vulto preto produzido pela dor prematura de perder os pais na infância, apenas uma sequela daquela ausência muito recente para ser remediada por qualquer coisa.Estranhamente, conforme o tempo passava, se acostumou com aquela presença vazia al
— Disse que iria processá-los, pelo menos? — o homem perguntou, levando as mãos trêmulas à cabeça.— Fui ameaçado exatamente por isso.— Deveria ter me contado isso antes de pisar aqui…Eu daria um jeito… — Sinceramente, não compreendo a sua preocupação comigo… Que eu saiba, faz anos que trabalha aqui.— A morte do seu pai não é o suficiente para que perceba que este não é um lugar para você?— Que eu saiba, meus pais faleceram em um acidente. Se é essa a questão, o Sr. Silvace perdeu a família toda e este continuou sendo um lugar para ele.— Garoto, você não tem ideia do que está falando… Vou organizar sua viagem para os Estados Unidos ainda hoje, não vai mais pisar aqui.— Você não é o meu pai!Aqueles dizeres cortaram o coração de Otto. Não era mesmo o pai do garoto, mas nutria algum desespero como se fosse, como se tivesse necessidade de cuidar dele.— Garoto, isso não é o que você pensa! Não é só uma fábrica de armas… — o homem desabafou.— E o que isso seria, além de uma fábrica
Basicamente o homem à sua frente acabava de atribuir a ele o cargo de assassino.— Quem são essas pessoas? — perguntou, ainda assustado com o último diálogo — Eu não vou matá-las!— Se não matá-las, você morre, Sanz! São apenas obstáculos… Você não queria ser como seu pai? Seu trabalho é tirá-los do caminho da Árvore o mais rápido possível — Marcos afirmou, deixando a sala.Klaus estava sem chão, não esperava se tornar um assassino e nem ser confrontado com a informação de que o pai era um, mas como poderia fugir agora daquele empreendimento bizarro que descobria aos poucos ser a Árvore?O rapaz ficou ali até amanhecer e já que estava muito tarde, seguiu para o salão principal, mas notou uma movimentação incomum no corredor, alguém gritava e era voz de uma mulher. O rapaz não gostava de se meter nos problemas de Marcos, mas aquilo cheirava mal. Sabendo agora que a Árvore não possuía nenhum apreço pela moralidade, aquilo cheirava péssimo… Abaixou-se na meia-parede que antecedia o balc
Um casamento fracassadoMORGANA ACORDOU UM POUCO TARDE, tarde demais para se dar conta de que o esposo que ficava semanas fora de casa, já tinha ido para o trabalho. Não sabia os motivos pelos quais havia dormido por mais de quatorze horas. Talvez estivesse depressiva, pois o homem já não lhe dava tanta importância, parecia que os tais sentimentos ardentes de antes ficavam desérticos e gelados, sobrevivendo às vezes em uma palavra vazia e outra.Ela o amava, mas aquele relacionamento já não era mais o que prometia ser no início, já não era mais semelhante aos filmes de paixão que costumam deixar os corações dos jovens em chamas, estava em frangalhos.O casamento fracassava a cada dia e a mulher conservava no íntimo uma insolúvel intuição de que o marido lhe escondia algo. Essa impressão se nutria a cada experiência cotidiana, ficava nas perguntas não respondidas, nas perguntas respondidas com raiva ou descaso. Será que Vitor havia se apaixonado por outra mulher? Quem seria a serigaita
Marta e OféliaNO MANICÔMIO, a Senhora Marta e Ofélia conversavam sobre as lembranças que possuíam. Ao menos naquele cômodo, não havia quem as criticasse, conheciam melhor do que ninguém as dores uma da outra.Perder alguém era difícil, mas era ainda pior arcar com a tarja que as encobria, o adesivo de loucas, a determinação de apodrecer ali, até o último instante da vida, por jurar algo impossível que havia acontecido na frente dos seus olhos.O lugar ganhava uma nova enfermeira, que era loira e um pouco mais velha do que Ofélia, vestia branco e sorria pelos corredores, era a única talvez que não se sentia no inferno que percorria a cabeça dos pacientes.A enfermeira, no entanto, passando pelo corredor, se aproximou das mulheres, tocando o braço de Ofélia de uma maneira muito peculiar.— Não acredito… — suspirou a mulher.— Silêncio! — angustiou-se a enfermeira, percebendo que havia sido indiscreta.Ofélia estava pasma e Marta, que estava confusa, resolveu tentar compreender a situaç