7

 

Marta e Ofélia

NO MANICÔMIO, a Senhora Marta e Ofélia conversavam sobre as lembranças que possuíam. Ao menos naquele cômodo, não havia quem as criticasse, conheciam melhor do que ninguém as dores uma da outra.

Perder alguém era difícil, mas era ainda pior arcar com a tarja que as encobria, o adesivo de loucas, a determinação de apodrecer ali, até o último instante da vida, por jurar algo impossível que havia acontecido na frente dos seus olhos.

O lugar ganhava uma nova enfermeira, que era loira e um pouco mais velha do que Ofélia, vestia branco e sorria pelos corredores, era a única talvez que não se sentia no inferno que percorria a cabeça dos pacientes.

A enfermeira, no entanto, passando pelo corredor, se aproximou das mulheres, tocando o braço de Ofélia de uma maneira muito peculiar.

Não acredito… — suspirou a mulher.

Silêncio! — angustiou-se a enfermeira, percebendo que havia sido indiscreta.

Ofélia estava pasma e Marta, que estava confusa, resolveu tentar compreender a situação:

Vocês se conhecem?!

Eu sou Clarice, a cartomante! — revelou a mulher o seu disfarce.

Sabe sobre meu sobrinho Dário? — perguntou a velha.

Não sei nada… — Clarice resmungou, olhando para os lados.

Marcos… Sabe sobre Marcos? — Ofélia indagou desesperada.

Ele fez uma péssima escolha… Eu sinto muito.

Como? Ele está vivo? Que péssima escolha seria essa? — Ofélia encheu a cartomante de perguntas.

Ele se tornou um criminoso, um homem maligno, cujos únicos interesses são ambiciosos…

Meu Deus… — Ofélia se entristeceu.

Querida, tenho certeza que haverá alguém melhor para você… — Marta a consolou. — Mas meu sobrinho… espero que continue sendo um bom homem…

Eu pretendo tirá-las daqui — a cartomante revelou.

E como vai fazer isso? — Ofélia perguntou, observando o quanto o lugar era protegido.

Arrumei um amigo na Espanha e ele me deixou a par de alguns contatos.

As mulheres disfarçaram todo o plano como se ele não existisse, como se não houvesse, pela primeira vez, uma grande oportunidade de fuga.

Quando o relógio bateu três horas da tarde e um carro se aproximou do refeitório, Clarice acenou discretamente com a mão direita para as mulheres.

Elas entraram no carro junto a ela. O motorista não falava muito, mas estava com a loira naquela empreitada. Momentaneamente, as pessoas que o viram partir, deram aquilo apenas por algo comum e ninguém percebeu de imediato o que de fato acontecia.

Ofélia propôs a própria casa como um abrigo porque os olhares não estavam mais sobre ela depois de doze anos. Quando chegaram, as duas mulheres estavam pálidas, seus corações saltavam, não acreditavam que estavam livres.

O motorista havia se tornado um bom amigo da cartomante e se dispôs a ajudá-la no que fosse preciso. A mulher, por sua vez, conservava alguma preocupação com a amiga Morgana que estava já há tanto tempo sendo enganada por Vitor.

O baralho

NA CASA DE MORGANA tudo esfriava novamente, aquele relacionamento se tornava ainda mais artificial que de costume e aquelas flores alaranjadas que Vitor trouxera sorridente já estavam secas há uma semana, mesmo sob os cuidados dele.

O marido estava mais frequente em casa e até cozinhava para a esposa que parecia enfrentar sérios problemas com o sono. A mulher sentia muitas tonturas e não foi difícil convencê-la de que ela estava doente e demandava cuidados.

Vitor queria demonstrar preocupação, nem mesmo a atualizava sobre o andamento das investigações sobre o sumiço da cartomante ou sobre o sequestro relâmpago do qual a esposa havia sido vítima. Isso era estranho e ela queria acreditar que ele apenas desejava poupá-la de estresse desnecessário.

Mesmo com os cuidados do esposo e um acompanhamento médico rígido, Morgana continuava dormindo muito, o que era incomum, pois sentia-se dopada e a origem do distúrbio era, até aquele momento, indecifrável.

Nada mais ali parecia real e a mulher não tinha mais motivos para viver daquela forma, parecia que seus passos eram todos controlados e o marido sabia de cada recaída de desconfiança que lhe atingia.

Quando olhava para ele agora, sentia-se em uma selva e estremecia. Não havia mais nada ali, sentimento algum que sobressaísse o medo e o controle, mas ela temia ser injusta, afinal o esposo nunca esteve tão presente e ela nunca precisou tanto dele.

O baralho a desafiava, olhava todos os dias para ele na gaveta entreaberta. Se sentia tão presa ali, que aquele se tornava seu único momento de liberdade e por mais que Vitor fizesse perguntas sobre os baralhos de Clarice com muita frequência, decidiu não revelar a existência daquele.

Em um dia sortudo ou azarado em que o esposo tinha saído às pressas e se esquecia de dar a ela a medicação controlada, a mulher que enlouquecia sentiu uma curiosidade ímpar de pegar o baralho nas mãos e manusear carta por carta em busca de uma resposta.

Abriu a gaveta da escrivaninha miúda e retirou dali seu pequeno artifício de ânimo diário, criara gosto em estar perto dele, talvez por recordá-la da existência da amiga, talvez porque estava acostumada a se consolar com aquilo, era a única novidade que lhe restava.

Abriu a caixa e passou a mão pelas cartas, constatando depois de algum período que as estampas mudavam:

Mas que coisa… será que estou ficando louca?! — se perguntou.

Embaralhou as cartas a fim de encontrar outra vez aquela que continha a imagem do monstrengo feio, mas dessa vez a carta revelava o marido a olhando por uma porta de maneira maquiavélica. Ficou tão aflita e desesperada com a mudança das figuras nas cartas que derrubou as cartas todas no chão, sem perceber que atrás dela se formava uma silhueta masculina.

Seu marido está envenenando você. Era isso que desejava saber? — surgia uma voz.

Por que ele faria isso?! — a ruiva indagou desconfiada.

Porque Vitor não deseja dar explicações.

As coisas que sua amiga viu… não as viu porque era vidente ou cartomante, não foram as aves que as mostraram, mas eu que as mostrei.

Morgana imediatamente virou-se assustada com o desconhecido que habitava sua casa.

Quem é você? O que está fazendo aqui?!

Prazer, Carl Hug, mágico. Um mágico não ficaria preso em um baralho por escolha, não acha? Se estou na sua casa, é porque precisei fugir da “empresa” em que o seu marido trabalha e se estou preso em um baralho é porque receio não estar vivo, mas tenho trabalho a fazer.

Morgana estava aflita com o homem ali, afinal não o conhecia e agora sabia que o baralho não se tratava apenas de um item comum, mas continha uma alma aprisionada nele.

O que você fez com a minha amiga?! — a ruiva lembrou-se de Clarice, intimando-o furiosamente.

Ela perguntou o que acontecia com os rapazes e eu revelei o que consegui ver, mas não fazia ideia de que você era esposa de Vitor Casferati!

Vitor trabalha em uma fábrica! O que ele teria a ver com o sumiço de uma cartomante?! Ele nem acredita nessas coisas…

Não é apenas uma fábrica de armas, vai muito além disso. Vitor é um criminoso e a “Árvore” deve estar atrás de mim. Sobre a sua amiga… eu sinto muito, mas ela deve estar morta e logo você estará também se não sair daqui.

Não! — Morgana gritou, não conseguindo lidar com as lágrimas que pareciam ter vontade própria.

A mulher rapidamente vislumbrou as cartas e todas elas estampavam a tatuagem de Vitor, aquela mão árvore ou árvore mão que ele dizia ter um significado árabe.

Ela tentou rebater o que o homem lhe dizia, mas agora não havia mais nada que pudesse dizer para mascarar a verdade. A verdade estava ali o tempo todo, mas ela estava tola de paixão, sendo envenenada dia após dia pelo cuidado.

O mágico, por outro lado, sentia-se estranho em fazê-la chorar, parecia tão apegado a dona da casa, a dona da gaveta que olhava rotineiramente para ele com olhos tão cansados, que vê-la se dissipando em lágrimas lhe trazia uma dor muito familiar, como se tivesse perdido tudo outra vez.

Se seu esposo te amasse, seus olhos não me fariam perguntas, tão certos da resposta. Quanto a mim, sou apenas um mágico morto vivo que aos poucos se apega a sua calmaria triste, como se fosse minha própria tristeza me olhando pela fresta de uma gaveta.

Os dizeres do mágico infelizmente não faziam efeito. Nem mesmo se citasse a poesia mais parnasiana do mundo, faria efeito… Morgana se sentia em pedaços.

O mágico queria ter poder para fazer algo, mas ao contar a esposa de Vitor toda a verdade, imediatamente a colocava em perigo. Certamente haviam grampos pela casa, talvez os brincos da mulher fossem grampos… Fora irresponsável e agora ela, que nada tinha a ver com aquilo, também seria morta por sua causa.

Nós precisamos sair daqui! Você ainda deve estar grampeada e isso quer dizer que estamos em perigo! — Carl alertou.

A mulher removeu os brincos, a pulseira de ametista, colocou o baralho dentro do bolso do vestido e saiu desgovernada, fugindo da própria casa, pálida como se lhe fosse sobrevir outro desmaio à qualquer momento.

Cerca de poucos minutos depois, Vitor entrava armado na casa, calculava milimetricamente em que havia errado, em qual diálogo não conseguia fingir o amor que era necessário, mas a resposta estava exatamente nisso… Morgana percebia agora que seu casamento havia sido um festival de atuações e para isso aquele baralho havia sido indispensável.

Que dia maldito… Agora ela sabia de tudo e já não havia mais com o que enganar-se.

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