Lyra Müller
Eu não podia guardar aquilo só pra mim. Precisava dividir com alguém e precisava ser alguém que não fosse da família.
_ Eu não estou bem de saúde Louise – Admiti por fim – Apareceu uma mancha em meu pulmão e parece que é grave. Fui em dois médicos e ambos disseram que... não tenho muito tempo de vida.
Foi muito difícil dizer aquilo. Parecia até que estava falando de qualquer outra pessoa, menos de mim mesma.
_ Como assim? E não dá para tratar?
_ Não. Eles me passaram umas medicações, mas é apenas para prorrogar o irremediável. Eu estou me abrindo com você porque não tenho com quem fazer isso e preciso de ajudar.
_ Não se preocupe. Pode contar comigo para tudo o que precisar.
_ Eu não quero que diga nada a Brian. Eu não quero antecipar seu sofrimento, nem estragar a festa de casamento de minha irmã que está aproxima.
_ Mas eles precisam saber.
_ Não agora. Na hora certa eu vou conversar com eles – Expliquei e ela concordou comigo.
Da clínica eu retornei para casa, queria passar o máximo de tempo possível com meus filhos. Tentei tirar aqueles pensamentos da cabeça e tentar esquecer o que os médicos tinham dito. A semana se passou muito rápido.
A primeira vez que tomei a medicação foi simplesmente horrível. Fiquei enjoada e tonta, grogue o dia todo. Brian insistiu em me levar ao médico, mas eu me recusei terminantemente.
Minha irmã me ligava com frequência, ansiosa por compartilhar comigo aquele momento tão especial de sua vida, onde se casaria com o homem que tanto amava, mas minha disposição de sair da cama estava cada vez mais difícil.
“Lyra, ragazza mia, mäl posso esperar para te ver” – Vi a mensagem de Matteo e desliguei o display. Eu tinha que admitir que aquele rapaz era insistente. Eu já tinha trocado de número mais de dez vezes e ele ainda insistia com suas mensagens. Depois de um tempo, eu simplesmente desisti de tentar bloqueá-lo.
_ Amor – Brian sussurrou perto do meu ouvido, me trazendo de volta do sono induzido pelos remédios. Ele tentou me beijar, mas eu virei o rosto. Minha boca estava amarga e meu estômago embrulhado. Meu marido já estava ficando preocupado comigo, já estava começando a notar que algo não estava bem, mas eu disse apenas que andava cansada e indisposta.
Nos primeiros dias após a descoberta de minha doença, eu tinha decidido não sair de perto dos meus filhos, determinada a ficar com eles o máximo de tempo possível, mas então percebi que aquilo só dificultaria mais as coisas quando eu não estivesse mais presente. Eu precisava garantir que estivessem seguros e que aprendessem a viver sem mim.
Louise passou a frequentar minha casa com mais frequência. Ela trazia os resumos dos trabalhos realizados no dia e me entregava os papéis que precisavam ser assinados para que o serviço não parasse, me deixando a par de tudo o que estava acontecendo.
Meu interesse pela empresa se tornou quase nulo. Só agora eu me dava conta de como a vida era curta, de como a tinha desperdiçado com coisas banais. Se eu soubesse que viveria tão pouco, eu teria me dedicado mais a família.
Eu amava meu trabalho, mas muitas vezes sacrifiquei o tempo que deveria passar com a família trabalhando. Eu tinha feito tantas coisas erradas.
_ Lyra – Minha mãe sentou ao meu lado, na cama – O que está acontecendo com você? Seu marido me procurou preocupado. Disse que não tem ido trabalhar e que mäl levanta da cama. Ele quer que você vá com ele ao médico.
_ Não. Eu não quero ir a lugar nenhum – Falei irritada, me forçando a sair da cama – Hoje vou sair com as crianças para fazer um passeio, se amanhã estiver melhor, irei ao trabalho – Menti sobre o trabalho.
_ Por que isso? Você não é assim.
_ Eu trabalhei a minha vida inteira e agora, só porque decidi tirar umas férias, vocês querem me levar ao médico? – Reclamo irritada e minha mãe se dá por conformada. Ela era teimosa, mas sabia que eu era dez vezes pior do que ela.
Entrei no banheiro e tomando um bom banho decidi que não passaria aquele dia chorando dentro de casa. Eu iria morrer e quem não iria? Por mais difícil que fosse, minha mãe estava certa, eu precisava sair daquela cama.
Enxuguei o rosto e soltando os cabelos fui penteá-los e quando olhei para a escova, percebi um maior volume de fios na escova. Meu coração acelerou. Eu mäl conseguia respirar. Peguei meu celular e fui pesquisar na internet e vi que aquele era um efeito comum na quimioterapia.
Cai sentada no banheiro e chorei miseravelmente. Eu preferia morrer mais cedo a perder meus cabelos. Se fosse pelo menos um tratamento para me curar, mas o médico tinha garantido que não haveria cura pra mim.
_ Lyra – Brian forçou a porta.
Levantei rápido e lavei o meu rosto novamente e só sai do banheiro quando finalmente consegui me acalmar. Minha mãe já tinha ido embora, o que significava que muito tempo tinha se passado.
_ A babá disse que você prometeu sair com as crianças, mas não saiu do quarto – Ele me olhou enquanto eu revirava o guarda-roupas atrás de uma camisola. Eu queria aproveitar meus últimos dias, mas me sentia fraca, doente e infeliz.
_ O que está acontecendo Lyra? – Brian perguntou nervoso – Lyra... – Ele insistiu e eu dei um grito escandaloso e enfurecido.
_ NÃO ESTÁ VENDO QUE QUERO FICAR SÓ? – Berrei enfurecida e ofegante, descontando nele toda a minha raiva e frustração acumulada desde que havia recebido o meu diagnostico.
_ Que Infernö! Por que não pode simplesmente me deixar em paz? É tão difícil assim? Para de ficar me cobrando as coisas.
Eu estava com tanta raiva da minha situação que meus músculos doíam. Estava com medo e magoada. Eu estava desesperada e não conseguia falar. As palavras vinham até a boca, mas eu as engolia de volta. Não conseguia dizer o que estava acontecendo.
_ Qual é o problema? Quer que eu vá embora? Não está mais satisfeito comigo? É isso?
_ É. É isso mesmo. Quero ficar só. Se puder apenas desaparecer e me deixar em paz, eu agradeço – Cuspi as palavras sem qualquer misericórdia.
_ Quer que eu vá? Que eu simplesmente suma da sua vida? Por que? Você tem outro? É aquele malditö italiano de novo? – Quando ouvi Brian tocar novamente naquele assunto, peguei a luminária e joguei em cima dele.
_ SAI DAQUI – Berrei jogando tudo o que minhas mãos alcançavam em cima dele, o obrigando a desaparecer da minha frente. Eu simplesmente destruí o quarto.
Naquela noite, Brian dormiu fora de casa e sinceramente eu senti alivio por isso. Eu só queria poder chorar a vontade, sem que ninguém visse. Sofrer e ser infeliz do jeito que eu quisesse, sem ter que dar explicações ou me justificar.
Matteo Romano _ As tradições precisam ser cumpridas – Antonelli, um dos velhos do conselho reclama em alto e bom som, se escorando no apoio que tem do restante do conselho. Ele não tem medo de mim, nenhum deles tem e isso é bom. Os deixam seguros, relaxados, embriagados pela falsa impressão de que possuem controle sobre mim. Papai costumava dizer que quanto mais se massageava o ego de um homem, mais dependente ele se tornava de reconhecimento. A vaidade era um vício a ser alimentado e constantemente tosado. _ A família é a base de tudo. É o centro e a motivação do coração de um homem e isso precisa vir antes de qualquer coisa – Continua Valério. Reestabelecer o conselho demandou algum esforço. Para meu irmão, o conselho era desnecessário, para mim, peças essenciais de manobra. A organização da máfia era isso, um tabuleiro de xadrez. Quanto mais peças, melhor. Claro que um movimento em falso poderia me colocar em cheque. Era assim que as coisas funcionavam e comigo não e
Matteo Romano O dia do casamento chegou. Chegamos no hotel as cinco da manhã, mas eu não me sentia cansado. _ Tem certeza de que vai fazer isso? – Fabrizio me olha da poltrona, observando eu ajustar o terno no corpo. _ Se fosse para não fazer, eu não teria vindo. _ Você é louco, Matteo – Ele ri. _ Ela está me esperando. _ Ela te respondeu alguma coisa? – Ele pergunta descrente e eu o fito por um momento. Penso em responder, mas me restrinjo a um sorriso curto. Ele não vai estragar meu bom humor. _ Acho que temos direito a uma conversa. _ Sequestrando ela? _ E tem alguma outra maneira de eu conseguir falar com ela de forma tranquila, sem que seu marido encha o saco? Só vamos passar uma noite juntos e não vou fazer nada que ela não queira. _ Além de sequestrá-la. _ Além de sequestra-la – Confirmo avaliando o caimento dos cabelos. _ Você não é louco, você é pirado – Ele diz ficando de pé, também se olhando no espelho. Contra fatos não dava pra argumentar. Eu a qu
Lyra MüllerA semana do casamento de Eduarda tinha chegado. Ela estava atarefada, precisando de mim como nunca, mas eu não estava em condições de lhe fazer companhia, então pedi a minha mãe que a ajudasse. Inventei um tanto de coisas a ela e para o meu alívio, minha mãe entendeu e ficou com Eduarda.As coisas entre Brian e eu não ficaram nada bem. Ele estava magoado e a culpa era minha. Brian não tinha como saber pelo que eu estava passando. Então eu liguei pra ele e pedi perdão, disse que minhas enxaquecas estavam piorando e prometi que iria ao médico. Ele também me pediu perdão. Meu coração se aqueceu com sua presença e a vontade de contar tudo o que estava acontecendo veio até a garganta.Brian era louco por mim, eu não conseguia me imaginar contando pra ele que logo eu já não estaria mais ao seu lado. Não conseguia nem pensar no sofrimento que lhe traria. Por mais que eu tentasse, não conseguia aceitar aquela situação.Mais uma vez eu apenas apertei seu braço e me encolhi ali, inc
Lyra MüllerNão sei por quanto tempo eu dormi. Os braços de Brian me abraçavam como um polvo. Não tínhamos costume de dormir abraçados. Ele até que tentou no começo de nosso casamento, mas nunca deu certo. Sempre fui espaçosa na cama e gostava de liberdade. Eu até tentava pegar no sono, mas meu braço doía, ou eu ficava mudando de posição. Resumindo, eu não dormia até estar completamente solta na cama.Eu apertei ele com carinho e quando fiz isso senti algo estranho. O abdome dele parecia tão firme que tive que passar a mão para ter certeza e quando fiz isso, ele colocou sua mão sobre a minha. Brian era vaidoso, tinha o corpo em forma, mas não ao ponto de estar tão definido.Ergui o corpo porque precisava ver a mágica que tinha acontecido ali e quando vi, franzi o cenho confusa. Olhei para o rosto do homem com tórax despido ao meu lado e minha cabeça quase deu um nó quando vi Matteo Romano olhando pra mim._ Bom dia, princesa – Falou me despertando do transe que cai e minha reação foi
Matteo RomanoEla diz que está com câncer e por um momento não sei como lhe dar com isso. Não consigo acreditar em uma porra dessas, mas também não posso acreditar que ela esteja brincando com isso. Aquela notícia foi como um tiro no meio do meu peito. Não sei o que vou fazer se isso for verdade.Depois que se troca no banheiro, seus cabelos estão novamente organizados e o vestido perfeitamente ajustado ao corpo. Avalio seu corpo magro e sinto um aperto desconfortável no peito. Eu precisava dar um passo a frente em nossa relação, precisava explicar que em breve me casaria e que por isso não iria mais receber minhas mensagens. Eu precisava sentir suas reações e a deixar a par de meus planos. Ela não era imune a mim, mas tinha uma resistência deliciosa.Talvez meu sumiço não significasse nada pra ela, mas eu gostava de pensar que significava. Gostava de ver como se comportava em seu escritório quando recebia minhas mensagens. Ela não tinha a menor ideia de que eu tinha uma câmera em seu
Lyra Müller Retorno para minha casa muito feliz. Feliz como se tivesse renascido. Uma felicidade tão grande que explodia meu coração. Tudo o que eu queria era encontrar meus filhos e meu esposo e dizer o quanto euos amava e o quanto era grata por terem eles na minha vida. Entro no meu apartamento e quando vejo minha mãe e meus filhos, eu os abraço com muita força e choro de tanta felicidade._ Onde esteve Lyra? – Minha mãe pergunta com o semblante preocupado – Seu marido estava te procurando como um louco – Ela fala e um frio transpassa por minha barriga. Brian entra na sala e a sua cara não é de boas-vindas. Ele me olha de cima a baixo e sem dizer nada sobepara o quarto. Eu sinto um nó esquisito na minha garganta, diferente de qualquer coisa que já tenha sentido antes. Entro no quarto e Brian está de pé diante da janela. Fecho a porta e ele se vira pra mim._ Passou a noite com ele? – Percebo ele novamente olhando para minhas roupas. Meu coração subiu para a boca.
Lyra Müller Naquela noite fui dormir pensando em tudo o que tinha acontecido. Era inegável que a culpa de tudo o que tinha acontecido na minha vida era de Matteo. Aquela conversa furada de que só queria dizer que iria se casar não passava de um pretexto para terminar de acabar com meu casamento. Aquilo agora era tão óbvio que me fazia sentir uma completa idiota. Ele com certeza decidiu que se não me teria, destruiria minha vida. Era assim que mafiosos agiam, destruíam tudo o que não lhes pertenciam. Tudo aconteceu de forma tão inesperada que ainda não sei como chegou a esse ponto. Matteo tinha passado três meses me atormentando. Não consigo acreditar que nada que venha dele possa ser bom – Digo a mim mesma quando lembro a forma como se preocupou ao descobrir que eu estava doente. Talvez fosse um bom ator, ou apenas educado o suficiente para enfiar a faca no meu peito e ainda parecer gentil. Não sei nem o que pensar. A ideia diabólica de que ele podia estar por trás de
Bellano - ItáliaJanne de Santis (Narrando) – Um mês antes. O que dizer a meu respeito? Não sou bonita, nem rica e nem legal. É triste ter que admitir isso, mas pior ainda é viver iludida com o contrário, como minhas primas que não aceitam o fato de serem tão pobres quanto eu. Digo pobre porque precisamos trabalhar para sobreviver, já que o dinheiro não cai do céu._ Você vai ficar responsável pelo almoço e pela limpeza da casa – Roberta fala antes de sair de casa. Aquilo me dá uma raiva tão grande que meu corpo adormece. Tudo bem que sou a única que está desempregada, mas se vou ficar responsável pela casa e pelo almoço, então eu também deveria receber uns trocados delas, mas nem adianta eu me iludir com isso, porque nem Roberta, nem Vivian vão gastar um mísero centavo comigo. Elas já acham que ganho muito por estar morando de favor na casa delas. Retiro a carne congelada do frízer e a jogo na pia. Eu não sou legal, não gosto de ser legal. Na verdade eu odeio ser