Lyra Müller
_ Infelizmente essa mancha em seu pulmão possui caráter maligno.
_ O que? – Fiquei completamente sem reação. Fui ao médico por causa de uma tosse alérgica persistente e agora não sei como entender isso.
_ O senhor tem certeza disso? – Eu me sentia sadia demais para descobrir que estava morrendo.
_ Vou pedir mais alguns exames, mas as imagens são bem claras. Esse padrão de comportamento só ocorre nesse tipo específico de tumor. Ele tem um início rápido e possui uma progressão acelerada. Como pode ver aqui – Ele aponta para a tela do computador – Ele já comprometeu a sua pleura. Eu lamento muito ter que dizer isso, mas a senhora está diante de um tumor agressivo e o quanto antes começar a quimioterapia, mais chances terá de conseguir pelo menos retardar a evolução da doença.
_ Quimioterapia? – Meu mundo desmoronou diante dos meus olhos.
Sai daquele consultório sem rumo e sem direção. Entrei no carro e nem sei por quanto tempo fiquei dentro dele. O médico me deu três meses de vida, no máximo seis meses. Eu estava a beira da morte e não sabia.
Como entender isso? Como digerir isso? Eu simplesmente não sabia. Pensei nos meus filhos. Meu deus! Meus filhos ainda eram pequenos. Ryan tinha apenas cinco anos e Beatriz quatro. Quem cuidaria deles? E Brian, meu esposo? O que aconteceria quando eu não estiver mais aqui? Como eu diria a ele que estava a beira da morte, que precisariam ser forte? Eu simplesmente não podia.
“Mãe, vá buscar as crianças na escola” – Mandei a mensagem para a minha mãe e voltei a chorar. Eu estava destruída.
Jogada dentro daquele carro, eu pensei em ligar para minha irmã, mas ela estava ocupada com os preparativos para seu casamento, eu não podia estragar sua felicidade daquela forma.
Já estava anoitecendo quando decidi enxugar o rosto e retornar para minha casa. Meu celular vibrou. Olhei na tela e vi que era uma mensagem de Matteo. Todos os dias ele insistia mandando suas mensagens, mesmo eu nunca as respondendo.
“Cuore mio, mi manchi” – (Meu coração, estou sentindo sua falta) – Leio a mensagem e desligo a tela. Não sei como pode sentir minha falta se nunca lhe dei nenhuma atenção. Ele é no mínimo louco ou apenas tem prazer em se divertir com a minha cara.
Enxugo o rosto e retoco a maquiagem. Não posso passar a noite toda chorando ali. Ligo o carro pensando em milhões de coisas ao mesmo tempo e quando estou saindo da garagem, bato em um carro e o homem sai de lá me xingando.
_ Desculpa, eu sinto muito – Anoto os dados do homem, mesmo com ele me escroteando e retorno para casa tentando prestar mais atenção nas coisas. Não é porque eu estava com os dias contados que tinha o direito de sair causando o caos por onde passava.
Peguei todos os remédios que o médico passou e os enfiei na bolsa. Não podia deixar que Brian visse aquilo. Dei um suspiro profundo e subi para minha casa.
Olhei para os botões do elevador e por um momento esqueci até qual era o andar que eu morava. Meu deus! Em três meses eu estaria morta e enterrada. Talvez sobrevivesse por seis meses, mas quem sabe em quais condições.
_ Senhora Müller – Lola, a senhora que cuidava da minha casa, olhou pra mim certamente sem entender o que eu fazia parada no meio da sala.
_ Onde estão meus filhos? – Perguntei e antes que ela me respondesse, Beatriz apareceu na sala correndo para abraçar minhas pernas. Eu a apertei com força contra meus braços e não aguentei. Chorei muito.
_ Mãe. Por que a senhora está chorando? – Ryan perguntou me olhando com um de seus brinquedos na mão.
_ A minha cabeça está doendo um pouco, querido. Não é nada demais – Eu também o puxei para os meus braços e o abracei com força.
_ Lyra, querida, você está bem? – Minha mãe ainda estava me aguardando.
_ Bati o carro quando estava saindo da clínica e agora estou com uma terrível enxaqueca.
_ Tome seus remédios e tente descansar. Me encarregarei de dar o jantar da crianças e depois Lola pode coloca-las para dormir – Minha mãe olhou para Lola que concordou prontamente. Dulce, a babá das crianças tinha tirado aquele dia de folga.
Fui para o quarto e tomando um banho demorado, coloquei uma camisola e me encolhi embaixo dos cobertores. Algo ali não podia estar certo. Eu não podia estar morrendo, eu era uma mulher muito saldável. Minha alimentação era regrada e mesmo com minha agenda lotada, eu sempre respeitava minhas atividades físicas. Eu não podia aceitar isso. Eu não fumava, eu praticamente não bebia, eu não era uma pessoa rüim. Meu deus, aquilo não tinha como ser verdade.
Quando Brian chegou aquela noite, fingi que estava dormindo. Ele não tentou me acordar. Tomou seu banho, passou um bom tempo fora do quarto e quando voltou já era quase meia noite. Ele ainda me abraçou, mas eu apenas fingi que estava dormindo e logo ele adormeceu. Ele pegava no sono muito rápido.
Aquela noite eu simplesmente não consegui dormi. Vi o dia amanhecer sem conseguir pregar os olhos. Eu já nem estava mais preocupada com a minha morte e sim com os meus filhos.
Levantei bem cedo e sai antes que Brian levantasse. Eu não queria que ele percebesse nada. Então apenas fugi dele e fui para o escritório.
Quando passei por Louise, minha secretária e assistente pessoal, pedi que me acompanhasse até minha sala. Luise Cepagatti era uma garota de vinte anos que tinha passado por muitos problemas, tendo perdido a mãe de forma bem trágica e agora vivia com sua irmã. No começo tive dificuldades em compreender a situação dela, mas hoje a vejo e a trato como se fosse minha própria irmã, pois sua trajetória de vida foi, de certa forma, parecida com a minha.
_ Desmarque toda a minha agenda desta semana.
_ Toda? – Ela me olhou surpresa.
_ Sim e não agende nenhuma viagem ou compromisso sem antes me consultar.
_ Está certo – Ela concordou sem fazer perguntas e quando me deu as costas para deixar a sala, eu a chamei.
_ Eu gostaria de que me acompanhasse em uma consulta. Pode ser?
_ É claro – Ela concordou prontamente. Por mais que eu tivesse tentando, não conseguia aceitar aquele diagnostico, então peguei os exames que tinha realizado e segui para uma outra consulta. Louise foi dirigindo. Para o meu alivio, ela era uma garota discreta e não me fez nenhuma pergunta.
Entrei no consultório sozinha e quando entreguei os exames que tinha feito, para a médica oncologista, as palavras dela foram as mesmas do médico anterior. Ela disse que precisaria fazer a biopsia e começar a quimio e a radioterapia.
Ela agendou um retorno, me dando um tempo para absorver a notícia e pediu que eu retornasse acompanhada nas próximas consultas. Eu expliquei a ela que já estava fazendo um tratamento com outro médico e que só tinha marcado aquela consulta porque queria um segundo parecer.
Desta vez eu não chorei. Retornei para o carro completamente destruída e vazia e quando me sentei, pedi a Louise que me levasse de volta para o escritório.
_ Aconteceu alguma coisa Lyra? – Ela perguntou, mas não consegui olhar no rosto dela. Eu estava derrotada.
Lyra Müller Eu não podia guardar aquilo só pra mim. Precisava dividir com alguém e precisava ser alguém que não fosse da família. _ Eu não estou bem de saúde Louise – Admiti por fim – Apareceu uma mancha em meu pulmão e parece que é grave. Fui em dois médicos e ambos disseram que... não tenho muito tempo de vida. Foi muito difícil dizer aquilo. Parecia até que estava falando de qualquer outra pessoa, menos de mim mesma._ Como assim? E não dá para tratar? _ Não. Eles me passaram umas medicações, mas é apenas para prorrogar o irremediável. Eu estou me abrindo com você porque não tenho com quem fazer isso e preciso de ajudar. _ Não se preocupe. Pode contar comigo para tudo o que precisar. _ Eu não quero que diga nada a Brian. Eu não quero antecipar seu sofrimento, nem estragar a festa de casamento de minha irmã que está aproxima. _ Mas eles precisam saber. _ Não agora. Na hora certa eu vou conversar com eles – Expliquei e ela concordou comigo. Da clínica eu retorne
Matteo Romano _ As tradições precisam ser cumpridas – Antonelli, um dos velhos do conselho reclama em alto e bom som, se escorando no apoio que tem do restante do conselho. Ele não tem medo de mim, nenhum deles tem e isso é bom. Os deixam seguros, relaxados, embriagados pela falsa impressão de que possuem controle sobre mim. Papai costumava dizer que quanto mais se massageava o ego de um homem, mais dependente ele se tornava de reconhecimento. A vaidade era um vício a ser alimentado e constantemente tosado. _ A família é a base de tudo. É o centro e a motivação do coração de um homem e isso precisa vir antes de qualquer coisa – Continua Valério. Reestabelecer o conselho demandou algum esforço. Para meu irmão, o conselho era desnecessário, para mim, peças essenciais de manobra. A organização da máfia era isso, um tabuleiro de xadrez. Quanto mais peças, melhor. Claro que um movimento em falso poderia me colocar em cheque. Era assim que as coisas funcionavam e comigo não e
Matteo Romano O dia do casamento chegou. Chegamos no hotel as cinco da manhã, mas eu não me sentia cansado. _ Tem certeza de que vai fazer isso? – Fabrizio me olha da poltrona, observando eu ajustar o terno no corpo. _ Se fosse para não fazer, eu não teria vindo. _ Você é louco, Matteo – Ele ri. _ Ela está me esperando. _ Ela te respondeu alguma coisa? – Ele pergunta descrente e eu o fito por um momento. Penso em responder, mas me restrinjo a um sorriso curto. Ele não vai estragar meu bom humor. _ Acho que temos direito a uma conversa. _ Sequestrando ela? _ E tem alguma outra maneira de eu conseguir falar com ela de forma tranquila, sem que seu marido encha o saco? Só vamos passar uma noite juntos e não vou fazer nada que ela não queira. _ Além de sequestrá-la. _ Além de sequestra-la – Confirmo avaliando o caimento dos cabelos. _ Você não é louco, você é pirado – Ele diz ficando de pé, também se olhando no espelho. Contra fatos não dava pra argumentar. Eu a qu
Lyra MüllerA semana do casamento de Eduarda tinha chegado. Ela estava atarefada, precisando de mim como nunca, mas eu não estava em condições de lhe fazer companhia, então pedi a minha mãe que a ajudasse. Inventei um tanto de coisas a ela e para o meu alívio, minha mãe entendeu e ficou com Eduarda.As coisas entre Brian e eu não ficaram nada bem. Ele estava magoado e a culpa era minha. Brian não tinha como saber pelo que eu estava passando. Então eu liguei pra ele e pedi perdão, disse que minhas enxaquecas estavam piorando e prometi que iria ao médico. Ele também me pediu perdão. Meu coração se aqueceu com sua presença e a vontade de contar tudo o que estava acontecendo veio até a garganta.Brian era louco por mim, eu não conseguia me imaginar contando pra ele que logo eu já não estaria mais ao seu lado. Não conseguia nem pensar no sofrimento que lhe traria. Por mais que eu tentasse, não conseguia aceitar aquela situação.Mais uma vez eu apenas apertei seu braço e me encolhi ali, inc
Lyra MüllerNão sei por quanto tempo eu dormi. Os braços de Brian me abraçavam como um polvo. Não tínhamos costume de dormir abraçados. Ele até que tentou no começo de nosso casamento, mas nunca deu certo. Sempre fui espaçosa na cama e gostava de liberdade. Eu até tentava pegar no sono, mas meu braço doía, ou eu ficava mudando de posição. Resumindo, eu não dormia até estar completamente solta na cama.Eu apertei ele com carinho e quando fiz isso senti algo estranho. O abdome dele parecia tão firme que tive que passar a mão para ter certeza e quando fiz isso, ele colocou sua mão sobre a minha. Brian era vaidoso, tinha o corpo em forma, mas não ao ponto de estar tão definido.Ergui o corpo porque precisava ver a mágica que tinha acontecido ali e quando vi, franzi o cenho confusa. Olhei para o rosto do homem com tórax despido ao meu lado e minha cabeça quase deu um nó quando vi Matteo Romano olhando pra mim._ Bom dia, princesa – Falou me despertando do transe que cai e minha reação foi
Matteo RomanoEla diz que está com câncer e por um momento não sei como lhe dar com isso. Não consigo acreditar em uma porra dessas, mas também não posso acreditar que ela esteja brincando com isso. Aquela notícia foi como um tiro no meio do meu peito. Não sei o que vou fazer se isso for verdade.Depois que se troca no banheiro, seus cabelos estão novamente organizados e o vestido perfeitamente ajustado ao corpo. Avalio seu corpo magro e sinto um aperto desconfortável no peito. Eu precisava dar um passo a frente em nossa relação, precisava explicar que em breve me casaria e que por isso não iria mais receber minhas mensagens. Eu precisava sentir suas reações e a deixar a par de meus planos. Ela não era imune a mim, mas tinha uma resistência deliciosa.Talvez meu sumiço não significasse nada pra ela, mas eu gostava de pensar que significava. Gostava de ver como se comportava em seu escritório quando recebia minhas mensagens. Ela não tinha a menor ideia de que eu tinha uma câmera em seu
Lyra Müller Retorno para minha casa muito feliz. Feliz como se tivesse renascido. Uma felicidade tão grande que explodia meu coração. Tudo o que eu queria era encontrar meus filhos e meu esposo e dizer o quanto euos amava e o quanto era grata por terem eles na minha vida. Entro no meu apartamento e quando vejo minha mãe e meus filhos, eu os abraço com muita força e choro de tanta felicidade._ Onde esteve Lyra? – Minha mãe pergunta com o semblante preocupado – Seu marido estava te procurando como um louco – Ela fala e um frio transpassa por minha barriga. Brian entra na sala e a sua cara não é de boas-vindas. Ele me olha de cima a baixo e sem dizer nada sobepara o quarto. Eu sinto um nó esquisito na minha garganta, diferente de qualquer coisa que já tenha sentido antes. Entro no quarto e Brian está de pé diante da janela. Fecho a porta e ele se vira pra mim._ Passou a noite com ele? – Percebo ele novamente olhando para minhas roupas. Meu coração subiu para a boca.
Lyra Müller Naquela noite fui dormir pensando em tudo o que tinha acontecido. Era inegável que a culpa de tudo o que tinha acontecido na minha vida era de Matteo. Aquela conversa furada de que só queria dizer que iria se casar não passava de um pretexto para terminar de acabar com meu casamento. Aquilo agora era tão óbvio que me fazia sentir uma completa idiota. Ele com certeza decidiu que se não me teria, destruiria minha vida. Era assim que mafiosos agiam, destruíam tudo o que não lhes pertenciam. Tudo aconteceu de forma tão inesperada que ainda não sei como chegou a esse ponto. Matteo tinha passado três meses me atormentando. Não consigo acreditar que nada que venha dele possa ser bom – Digo a mim mesma quando lembro a forma como se preocupou ao descobrir que eu estava doente. Talvez fosse um bom ator, ou apenas educado o suficiente para enfiar a faca no meu peito e ainda parecer gentil. Não sei nem o que pensar. A ideia diabólica de que ele podia estar por trás de