Estrela

Minha noite foi péssima. Eu não dormi e fiquei com dor de cabeça durante toda a manhã. O que eu andei fazendo durante a madrugada toda? Tentando arrumar alguma coisa pra pagar o hospital daqui. E achei. Não sei se era o certo, mas achei.

No meio disso tudo, era a única opção que eu tinha, pelo menos até arrumar um trabalho de verdade. Coloquei um pouco de café na xícara e me sentei no sofá da sala, logo desbloqueei o celular e abri o aplicativo que eu havia instalado em meu aparelho nesta madrugada. Já tinha algumas mensagens, porém não pensei que seriam tantas assim.

"Oi baby! Eu adoraria sentir o sabor que você tem"

"Oi? Achei as suas fotos lindas e sexys. Mas o que acha de mandar algo em especial para mim?"

— O que eu estou fazendo da minha vida?

Sim. Eu queria tentar arrumar algo nesse aplicativo de homens ricos, basicamente eles pagavam por ter o seu corpo, ou apenas a sua companhia. Não sabia muito bem como isso acontecia, mas foi o único jeito que eu achei de arrumar esse dinheiro rápido. Afinal, eu não tinha nem um emprego fixo, quem dirá um que me pague onze mil em uma semana. 

Era cada mensagem escrota e ridícula, que eu apenas ria e excluía.

— Meu Deus! Onde eu estava com a cabeça quando entrei nisso? - eu estava rindo de desespero, e mesmo achando aquilo tudo uma palhaçada, eu continuei deslizando o meu dedo para a esquerda, rejeitando vários caras, até que uma nova notificação chegou. Era mais uma mensagem daquele aplicativo, mais um cara que me curtiu. Curiosa, eu olhei por cima da notificação e li a mensagem.

"- Bom dia, princesa. Como você está? Espero não estar lhe incomodando."

Me surpreendi, pois foi o primeiro a não citar nenhum adjetivo indecente no meio da frase, e ainda teve a educação de perguntar como eu estou.

— Vamos ver!

Eu entrei no perfil dele e ao contrário de mim, ele não tinha fotos que mostrassem seu rosto, porém dava pra ver que não era nenhum velho, e que muito menos tinha passado dos trinta anos. 

Em uma das fotos, seu corpo estava quase todo amostra. Ele era bonito. 

— Vamos lá, Isabella! Só uma vez. Depois disso, você exclui esse aplicativo e volta a participar de algumas entrevistas. Pense na sua mãe.

Bebi mais um pouco do meu café e abri o chat com ele.

"Bom dia! Eu estou bem, e você? Não se preocupe, não está me incomodando, de forma alguma" - Enviei a mensagem e em menos de cinco minutos ele já estava digitando — Nossa, que rápido - resmunguei e bebi mais um pouco do meu café. 

"Estou bem, também. Melhor agora, que você me respondeu. Confesso que pensei que seria ignorado."

"De todas as mensagens que recebi, você é o primeiro a ser respondido."

"Sério? Por quê? Não achou ninguém interessante?"

"Não. Nem um pouco"

"Uau! Que sorte a minha. Confesso que ficaria decepcionado se você dissesse que já tinha encontrado alguém por aqui. Então isso significa que eu posso lhe convidar pra sair?"

Sair? Assim, tão rápido? E agora, o que eu poderia fazer? Digo que sim ou que não? Talvez eu pudesse resolver tudo isso com um empréstimo, mas quem o pagaria depois?

"Sair? Para onde?"

"Não sei, mas você pode escolher um local de sua preferência. Assim você pode se sentir mais à vontade."

Talvez não fosse tão ruim conhecer alguém novo. Isso seria tipo, eu ir para uma balada e acabar encontrando alguém para passar o resto da noite. A única diferença, era que eu estaria sendo paga para isso.

"Ok. Eu aceito. Porém, tenho algumas perguntas para fazer antes"

"Que tipo de perguntas?"

"Algumas pessoais, mas garanto que não são tão invasivas assim. Só quero te conhecer melhor” - saber onde estou me metendo, completei mentalmente.

''Adoraria responder todas. Então, que tal nos encontrarmos pessoalmente? Assim teremos mais assuntos para conversar.”

"Tudo bem. Para quando prefere marcar o encontro?"

"Amanhã à tarde. O que acha? Podemos almoçar e nos conhecer melhor"

"Certo. O que acha de nos encontramos no Shopping?" - É um lugar público e me sentirei confortável.

"Ótimo. Me passe o nome do Shopping depois e o horário que você decidir - enviei um emoji balançando a cabeça - Tenho que ir agora, princesa. Aguardo o nome do Shopping e o horário em que nos encontraremos. Beijos!"

Eu coloquei o celular de lado e me deitei no sofá, encarando o teto.

— Está vendo onde o senhor me fez chegar? - encarei o teto escuro da sala - Mesmo com medo eu irei fazer isso - senti os meus olhos se encherem de lágrimas - O senhor já me tirou duas pessoas, não vai tirar outra. Está me ouvindo? - enxuguei as minhas lágrimas com a palma da minha mão direita - Por favor, não faça isso. Não me deixe sozinha aqui.

Durante o resto do dia, eu fiquei limpando a casa e pensando se eu realmente iria naquele encontro ou se inventava uma desculpa esfarrapada para me livrar de tudo disso. O único problema, era que a vida da minha mãe estava em jogo. Eu já perdi duas pessoas importantes, e não aceitaria perder mais uma.

No final da tarde, eu enviei uma mensagem para aquele cara o informando o endereço do Shopping e pedi para que ele me encontrasse na praça de alimentação. Eu sabia que tudo aquilo era errado, que minha mãe me mataria se soubesse. Mas eu não tinha outra escolha. Era pegar ou largar e, eu optei por pegar, já que era a minha única solução de ganhar dinheiro o suficiente para pagar logo o tratamento da minha mãe.

Passei o dia todo pensando e repensando no que eu tinha feito. Estava com muito medo de algo dar errado, mas agora já era. Tinha que ser. 

Antes de dormir, eu deixei a bolsa dela já organizada, para que eu pudesse levar para ela na manhã seguinte.

Durante aquela manhã, eu acordei cedo e tomei banho enquanto pensava outra vez. Pensei e chorei. Por que tudo tinha que ser tão difícil assim? Eu estava me sentindo triste por ter mentido para a minha mãe, mas ainda assim, me sentia envergonhada para lhe contar a verdade e colocar mais preocupações nos ombros dela. Eu me encontrava em uma luta mental sobre ir ou não ao encontro. E no final eu fui. Fui porque eu precisava do dinheiro. E se vender o meu corpo para um estranho iria salvar a vida da minha mãe, eu iria fazer isso. Não iria ser a primeira e muito menos a última. 

Saí do banheiro e fui direto para a frente do meu guarda roupa. Entre várias opções, eu escolhi um vestido preto curto, adicionei uma jaqueta jeans preta por cima e nos pés coloquei uma bota de cano longo.

Eu sempre fui apaixonada por moda. Meu sonho era ser uma grande modelo um dia, e eu tinha quem me apoiava nisso, mas ele se foi, assim como o meu sonho.

Colin e eu nos conhecemos no ensino fundamental e nos tornamos melhores amigos. Até que no primeiro ano do ensino médio, ele confessou os sentimentos que tinha por mim e eu confessei os meus.

Foram os três anos mais incríveis que eu já tive em toda a minha vida. Meus domingos solitários dentro do quarto, passaram-se a serem movimentados e alegres, desde que Colin se juntava com a gente no almoço.

Quando era dia de sair e aproveitar as programações que o meu pai fazia para nós, Colin sempre estava junto. Meus pais o adoravam, e sempre o adicionavam em nossas férias familiares.

Se íamos à praia, Colin estava lá. Se meu pai acordava com uma louca vontade de viajar, Colin era o primeiro a ser informado. Se minha mãe transformava um dia qualquer da semana no dia da faxina, Colin aparecia para ajudá-la.

Às vezes eu achava que o meu namorado era mais filho dos meus pais do que eu, e até sentia ciúmes. Mas eu amava isso. Amava o jeito todo sorridente dele, amava a pintinha que ele tinha embaixo do olho esquerdo, amava os beijos, os seus carinhos, a forma delicada na qual ele me tocava sempre. Eu amava tudo nele.

Juramos ser para sempre um do outro. Aos dezoito anos, nós dois já tínhamos planejado como seria a nossa vida, nomes dos nossos filhos escolhidos e trabalhos decididos.

" — Serei o seu policial, enquanto você será a minha modelo." - era o que ele sempre dizia pra mim.

Colin sempre me apoiou, assim como sempre tive o apoio dos meus pais. Ele prometeu ficar para sempre ao meu lado. Prometeu ser o homem da minha vida. Prometeu que, aos trinta anos, estaria me esperando em cima do altar. Prometeu-me uma vida onde nós dois iríamos construir o nosso futuro juntos e que teríamos o nosso final feliz. Prometeu-me tantas coisas e acabou me deixando sozinha. Ele dizia que eu sempre seria a sua estrela, mas no final, se tornou a minha.

Eram dez e cinquenta quando cheguei no shopping. Havíamos marcado de nos encontrar às onze e vinte na frente da praça de alimentação. Eu cheguei trinta minutos antes, pois estava nervosa e ansiosa. Não sabia quem eu iria encontrar e prometi a mim mesma que se eu me sentisse insegura ou ameaçada, durante aquele encontro, eu iria sair disso. Sabia que estava colocando a minha vida em risco e isso me deixava louca. Mas já era tarde demais para voltar atrás. Pai, Colin, eu sinto muito, mas a mamãe está doente e não vejo outra saída. Me perdoem por isso.

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