Secretária

   

Sabe aquele momento onde você para e se pergunta se aquilo que você fez foi certo ou errado? Eu estava bem assim. Me fazia essa pergunta enquanto encarava aquele dinheiro todo na minha conta. Já havia passado três dias desde o meu primeiro encontro com o David, e hoje era dia de pagar a mensalidade do hospital. 

Eu acordei bem cedinho. Queria ir logo pagar a mensalidade do hospital e começar, o mais rápido possível o tratamento da minha mãe, assim ela voltaria logo para casa. 

Quando estava no banho, ouvi o meu celular tocando na sala. Então desliguei o chuveiro, me enrolei em uma toalha e fui atrás do celular.

Alô? - logo atendo a ligação. 

— Senhorita Foorbes?

Isso.

— Aqui é do hospital. Ligamos para avisar que já realizamos a transferência da sua mãe para o outro hospital e o seu amigo já assinou o cancelamento da autorização que a senhorita tinha assinado. 

Amigo? Espera aí, eu não solicitei transferência e nem pedi para cancelarem a minha autorização - falei nervosa — Como…como vocês deixaram um estranho fazer isso? Cadê a minha mãe? 

— A senhora não solicitou uma transferência? - senti pelo tom de voz que ela estava tão nervosa quanto eu, talvez fosse receio. 

Não! Quem assinou o cancelamento da minha autorização? 

— Bom. Ele se identificou como David Wilston e disse que era seu amigo. Além de contar que tinha a sua total autorização para isso. 

David Wilston?

— Sim. 

Ah meu Deus. Ele simplesmente chegou aí e levou a minha mãe? 

— Na verdade, ela foi levada por alguns enfermeiros do outro hospital. Mas ele se responsabilizou por ela, também já pagou as despesas daqui. 

Eu não acredito que ele tinha feito isso. Ele já tinha me dado o dinheiro, pra que isso agora? 

Ele avisou para onde iria levar a minha mãe?

— Sim. Quer o endereço?

Claro que eu quero. 

Eu peguei um papel e uma caneta e anotei o endereço que o David havia deixado lá. Eu não estava entendendo nada, como tudo isso aconteceu? Eu tive apenas um encontro com aquele cara e do nada ele já decide ter autoridade alguma em cima do tratamento da minha mãe? Foi por isso, que em certo momento da nossa conversa, ele perguntou o nome do hospital onde ela estava? Mas o que ele iria fazer com ela? Eu fiquei nervosa, claro. Afinal, um desconhecido se passou por meu amigo no hospital e tirou a minha mãe de lá. 

Assim que me troquei, eu chamei um carro de aplicativo e decidi ligar para a minha mãe, queria saber se ela estava bem. A ligação não demorou nem seis segundos para ser atendida. 

— Oi, filha. 

Mãe, onde a senhora está? Por que saiu com uma pessoa desconhecida? O que ele te disse? A senhora está bem? 

Minha mãe apenas riu. 

— Pra que tantas perguntas assim? Calma!

Só...me responde. 

— Eu estou no hospital, não sei o nome, mas você tem que ver o quarto em que estou. 

Por que? 

— Filha, eu tenho uma televisão só pra mim e ela é enorme, não preciso dividir o quarto, tenho um guarda roupa só pra mim também, pelo menos minhas roupas não irão ficar amassadas na bolsa e de cinco em cinco minutos vem alguém perguntar se estou com fome ou sede. E eu estou olhando o cardápio aqui, nada de gelatina sem sabor ou sopa sem sal. Essas comidas parecem ser realmente gostosas. 

Eu respirei fundo. O que o David havia feito com a minha mãe? 

Termina de responder as perguntas logo. 

— Tá. Pessoa desconhecida? Ele me disse que era o seu chefe. E sim, eu estou bem. 

Chefe? 

— Sim.

Isso foi tudo o que ele disse para a senhora? 

— A gente passou um tempão conversando, mas ele disse que a empresa costuma dar uma ajuda financeira aos funcionários. 

Eu ainda estava brava com ele, muito brava, mas não vou negar que senti um pequeno alívio por ele ter escondido a real identidade dele. 

Mãe, eu estou a caminho do hospital. O David ainda está aí? 

— Sim. Ele saiu do meu quarto a pouco tempo. Disse que iria conversar com o médico e...

Arruma as suas coisas. A senhora vai sair daí. 

— O que? Por quê? 

Por que? A senhora sabe que não temos como pagar isso. 

— Isabella, ele disse que a gente não precisaria se preocupar com as despesas nem...

Eu não quero saber, mãe. Por favor, só arrume as suas coisas e me espere aí. Eu já estou chegando. 

Desliguei e acenei para o carro branco do aplicativo. Fui o caminho todo me perguntando onde merda eu havia me metido. Onde eu estava com a cabeça quando decidi aceitar todo aquele dinheiro que ele me deu? Eu sabia que algo iria acontecer, que ele iria querer mais. E agora, eu tinha decidido que não iria querer mais nada. Decidi que iria devolver todo o dinheiro para ele e que daria um jeito de pagar o tratamento da minha mãe sozinha.                                                                              

Assim que cheguei em frente ao tal hospital, já vi de cara que eu não teria como pagar aquilo de jeito nenhum. 

Entrei na recepção e passei meus dados, os dados da minha e quando dei o nome do David, a recepcionista logo me passou o número do quarto onde ela estava. 

Assim que abri a porta do quarto, encontrei o David e a minha mãe rindo juntos com um homem mais velho, que eu julgo ser o médico, pois estava com um jaleco branco e um estetoscópio em volta do seu pescoço. 

— Com licença - bati na porta e entrei. 

Minha mãe logo parou de rir e virou o rosto. Já vi que ela iria me dar trabalho. 

— Senhor Compell, essa é Isabella Foorbes, a minha secretária e a filha da sua mais nova paciente. Eu te falei dela, lembra? - David, sorrindo, pegou minha mão e me puxou para mais perto. 

— Claro. Como vai Isabella? - ele estendeu a mão e eu o cumprimentei. 

— Bem, obrigada, e o senhor? 

— Estou bem também - ele sorriu — Bom, eu vou deixar os três sozinhos, mas volto daqui a duas horas, ok? - ele sorriu e se virou para a minha mãe - Senhora Cecília, você precisa beber bastante água. O cardápio já está liberado, mas nada de doce em excesso. 

— Não se preocupe, doutor. Já vieram estragar a minha felicidade - ela olhou de canto para mim. 

— David, qualquer coisa, pode me chamar. 

— Tudo bem. Obrigado, senhor Compell. 

Assim que o doutor saiu, eu virei para a minha mãe. 

— Vamos. Cadê as suas coisas? - Ela alternou o olhar entre David e eu, como se quisesse falar: "Mas ele disse que está tudo bem"Mãe, por favor. Não complica as coisas para mim. 

— Bella, será que poderíamos…- David tentou tocar a minha mão, de novo, mas eu a puxei. 

— Anda, mãe. Cadê as suas coisas? - eu o cortei. 

— Eu não arrumei nada. 

— Por que não? 

— Porque eu gostei daqui e eu quero ficar aqui - a mais velha reclamou. 

— Mãe! O que eu te disse pelo telefone? 

Ela virou o rosto outra vez. 

— Por favor. Só...faz o que eu estou pedindo. Sabe que eu não te negaria isso se fosse fácil. Se eu pudesse é claro que te deixaria aqui, mas não dá, então arruma as suas coisas e vamos logo. 

Minha mãe me olhou, mas apenas balançou a cabeça em confirmação e se levantou da cama. Eu soltei a respiração que nem sabia que estava prendendo e agradeci a Deus por ela estar sendo compreensiva naquele momento. 

Eu sentia o olhar do David sobre mim, mas eu não queria falar com ele agora. 

Assim que a minha mãe se levantou e caminhou até um guarda-roupa que tinha ali, onde com certeza estava as roupas dela, David a impediu e a guiou com cuidado de volta para a cama. Ela poderia lutar contra, mas como imaginei, apenas voltou sorrindo para a cama grande e espaçosa. 

— David, para! 

Ele estava colocando minha mãe de volta naquela cama, impedindo a gente de sair de lá. 

— A senhora vai ficar aqui, tá bom? Não vai sair daqui até que o médico te libere, e vai demorar um pouquinho, a senhora ouviu. Ainda nesta semana, irá realizar a sua cirurgia e dar início aos tratamentos, certo? - a mais velha concordou com a cabeça - Então nada de se mexer, apenas descanse. Vejo um sorriso convencido surgir nos lábios da minha mãe, mas claro, ela tentou disfarçar. 

— Mas a Isabella está certa. Não podemos pagar por isso. 

Agora ela está se fazendo de vítima e colocando a culpa em mim? Ah meu Deus. Eu sorri desacreditada. Cecília Foorbes, não sabia que a senhora era assim. 

— Já falei para senhora que não precisa se preocupar. A empresa irá pagar por tudo isso. Então apenas fique deitada nessa cama e peça algo para comer, beber ou assista a um filme ou novela. A senhora pode escolher - ele entregou o controle da televisão para a minha mãe.

— Não sei - ela faz uma cara triste - A Isabella não parece nada feliz com isso. Acho que não devo aceitar. 

— Não se preocupe. Eu vou conversar com a minha secretária e dizer pra ela o quanto é importante a senhora ficar aqui, tá bom? 

A mulher de meia idade apenas concordou com a cabeça, e assim que o David deu as costas para ela, a mesma sorriu. 

— Senhorita Foorbes, poderia...

Eu nem deixei ele terminar de falar. Apenas coloquei a minha bolsa em uma poltrona que tinha ali e saí do quarto, ouvindo os passos dele atrás de mim.

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