Eu estava diante do espelho, ajustando o nó da gravata, quando minha mãe, Athena, entrou no quarto com aquele olhar de quem sabe o que está acontecendo antes mesmo de acontecer.
— Se você mexer mais uma vez nessa gravata, Luca — ela disse, sua voz firme, quase um comando, "arrancarei sua mão." Não havia dúvida em suas palavras, nem mesmo em seu tom.
Mamma era a única pessoa no mundo que ainda conseguia mandar em mim aos 34 anos de idade, com a autoridade de um império. Ela não tolerava desatenção, especialmente em momentos como aquele.
Ajeitei o colarinho e dei uma última olhada em minha roupa. O terno estava perfeito, cortado sob medida, como sempre. Mas o maldito maluco no porto me fazia querer sair dali e resolver as coisas à força. Eu detestava lidar com traidores, mas Mamma sempre dizia: "O verdadeiro poder é silencioso, Luca. Não se perde tempo com gritos."
Ainda inquieto, me virei para ela, buscando algum tipo de conselho ou distração.
— Eu detesto esses malditos jantares. — murmurei, tentando deixar a raiva fluir para fora de mim. — Não sei como aguento.
Athena, no entanto, não me olhou. Seus olhos estavam fixos em algum ponto distante, como se sentisse algo antes de qualquer um de nós. A sala estava em silêncio, exceto pelo suave som de Matia, nosso subchefe, fazendo alguns ajustes na mesa de jantar. Ele nunca falava muito, mas sua presença sempre carregava uma tensão calma, uma vigilância silenciosa, como um lobo esperando para atacar.
De repente, minha mãe se levantou, com a postura que só ela tinha. Sua leveza era quase ameaçadora. Ela olhou para a escada, como se soubesse que o momento estava prestes a chegar. Eu segui seu olhar, e então os vi: os pais de Elena, a rainha e o rei. Eles desciam pela escada com uma graça de quem sabe que está jogando seu maior trunfo.
A formalidade deles era palpável, mas eu estava mais interessado no que viria a seguir.
E então, ela apareceu.
Eu me vi paralisado por um segundo.
Elena. A última vez que a vi, ela ainda era uma garota, com um semblante inocente, olhos brilhando de curiosidade, e aquele corpo ainda em formação. Mas agora... agora ela era uma mulher. Uma mulher que me deixou sem palavras.
O vestido azul que ela usava se ajustava perfeitamente ao seu corpo, realçando suas curvas de forma quase dolorosa para os meus olhos. O tecido drapeado parecia feito para ela, caindo delicadamente sobre sua pele, como se o próprio vestido estivesse ciente de sua elegância. Os cabelos loiros, agora mais longos, caíam em ondas suaves, quase tocando suas costas, e seus lábios rosados, bem definidos, pareciam um convite silencioso.
Eu não me lembrava da mulher deslumbrante que ela se tornara. Eu sabia que ela estava crescendo, claro, mas nunca imaginei que fosse se transformar em algo assim. Algo tão... tentador.
Minha garganta se apertou e, por um momento, esqueci o motivo de estar ali, de como essa noite era importante para os negócios, para a família. Tudo o que eu conseguia pensar era no fato de que, por um breve instante, eu realmente queria saber como seria tê-la ao meu lado. Não como esposa. Mas como... algo mais.
Eu me forçava a lembrar de onde estava e do que devia ser feito. Mas aquele momento... aquela visão dela, com os olhos azuis fixos em mim, sentindo o peso da situação como eu, mas de uma maneira diferente, me fez questionar tudo. A resposta para a pergunta que jamais deveria fazer pairava no ar. E eu sabia que essa noite, tudo poderia mudar.
Eu não disse nada. Não precisava. Os olhos de Elena estavam nos meus agora, e a tensão no ar era palpável. A mulher diante de mim estava mais do que apenas uma moeda de troca. Ela era um enigma que eu não sabia se queria desvendar ou ignorar.
Mas por agora, ela estava ali. E por agora, o que importava era o que faria depois que nos cruzássemos pela primeira vez.
Minha mãe me cutuca levemente com o cotovelo, e eu percebo que estou parado, absorvido demais pela visão de Elena. Ela me olha com uma expressão que mistura curiosidade e apreensão, mas o que realmente importa agora é o que minha mãe está me dizendo sem palavras: "Se mova, Luca."
Eu limpo a garganta, tentando recuperar o controle. Não posso me deixar perder em pensamentos tolos. Não agora. Não diante dela.
Ajeito os ombros e dou um passo à frente, indo em direção ao rei e à rainha. Curvo-me levemente, com a reverência que o momento exige, mas sem perder minha postura de Don. O rei, com seu olhar pesado e imponente, acena com a mão, e o som profundo de sua voz ressoa pela sala.
— Não é necessário, Don Grecco — diz ele, seu tom formal, mas com uma leve nota de desdém. Eu sabia o que ele pensava de mim. E, por um momento, pude sentir o peso da sua autoridade, como se estivesse me avaliando minuciosamente.
Eu me viro então, sentindo o ar entre nós mudar, como se tudo ao redor parasse. Elena está ali, à minha frente, sua postura ereta e impecável. Ela estende a mão, e eu, sem pensar duas vezes, a tomo.
O toque dela é suave, quase etéreo, e, instintivamente, me inclino para beijar o dorso de sua mão. O contato é leve, quase um sussurro contra sua pele macia, mas é o suficiente para eu sentir algo que jamais deveria sentir: um estremecer em meus dedos, uma reação involuntária que me faz questionar minha própria calma.
Quando meus lábios tocam sua pele, seus olhos se arregalam por um breve momento, e algo sutil, quase imperceptível, passa entre nós. Ela recua a mão com um movimento quase imperceptível, mas os olhos dela não deixam os meus. Eu vejo o medo lá, escondido por baixo da superfície, mas também algo mais... algo que eu não consigo identificar ainda.
— É um prazer finalmente conhecê-la, Elena — digo, minha voz mais suave do que eu gostaria. —Estou encantado em conhecer minha noiva.
Ela me observa, os olhos azuis brilhando em sua feição tão bem treinada.
— A honra é minha, Don Grecco — ela responde, sua voz calma, mas com um toque de reverência.
Eu percebo como ela se esforça para manter a postura, para não se perder em um momento de vulnerabilidade. Mas por baixo da máscara de esposa perfeita, há algo que ela não está dizendo. E é isso que me intriga.
Antes que eu possa dizer mais alguma coisa, minha mãe, Athena, faz seu movimento. Ela interrompe a interação, como sempre faz, com sua presença imponente e uma calma gelada.
— Vamos todos para a sala de jantar — ela diz com uma autoridade que todos obedecem imediatamente. — O jantar será servido.
Sem mais palavras, começamos a caminhar para a sala. Elena segue à frente, acompanhada de seus pais, e eu fico para trás por um momento, meu olhar preso nela. Eu sei que minha mãe me observa de perto, como se estivesse esperando que eu seguisse o protocolo, que me comportasse da maneira esperada. Mas, no fundo, minha mente ainda está ali, no toque suave de Elena, no que aquele pequeno gesto significou, no que ela não disse, mas o que seus olhos deixaram transparecer.
Enquanto atravessamos o corredor, a atmosfera densa da mansão envolve todos nós, como uma sombra que esconde segredos. Eu sei que a noite está apenas começando, e o que está por vir será mais complicado do que qualquer um pode imaginar.
A mesa estava iluminada apenas por velas, o ambiente opressor e formal. A comida, excelente como se esperava, estava sendo servida em silêncio, mas o verdadeiro banquete parecia estar acontecendo nas conversas, as palavras disfarçadas de elogios e investigações disfarçadas de casualidade. Eu, como sempre, mantinha minha postura impecável, minhas mãos delicadamente repousadas sobre o colo, e as palavras escolhidas com extremo cuidado.Athena, a mãe de Luca, falava com minha mãe, Marie, sobre a educação que eu havia recebido. Seus olhos, frios e calculistas, estavam fixos em minha mãe, mas eu podia sentir o peso do olhar de Luca em mim, tão pesado que parecia que eu estava sendo analisada por dentro, como se ele buscasse entender cada pedaço de mim que eu tentava esconder.— A Elena sempre foi muito dedicada aos estudos — minha mãe começou, com um sorriso orgulhoso no rosto. — Ela estudou nas melhores escolas de etiqueta, se formou em três idiomas e ainda teve uma educação política bast
O silêncio pairava sobre a sala como uma lâmina prestes a cair. Homens de rostos endurecidos, leais à Cosa Nostra – ou assim afirmavam ser – me observavam ao redor da mesa de mogno escuro. Olhos calculistas. Alguns, desafiadores. Outros, inseguros. Mas nenhum ousava desviar o olhar quando eu falava.A informação tinha chegado a mim mais cedo, um sussurro camuflado no submundo, carregado pelo vento de Palermo: há um traidor entre nós.Cruzei os dedos sobre a mesa, mantendo a postura firme. Eu não demonstraria fraqueza. Eles não me viam como um homem comum. Eu era o Don. O sangue e o suor de gerações estavam no peso do meu nome.— Recebi uma denúncia. — Minha voz soou fria, controlada. — Alguém aqui acredita que pode me trair e sair impune.Os homens se entreolharam. O ambiente se tornou mais tenso. Meu olhar varreu cada rosto presente. Eu conhecia cada um deles. Conhecia suas famílias, suas histórias, seus medos. Sabia exatamente até onde cada um estaria disposto a ir por poder.— Isso
A noite caía sobre Palermo, tingindo o céu com tons de violeta e dourado. Da sacada do meu quarto, eu observava os jardins iluminados por pequenas lanternas penduradas nos galhos das oliveiras, onde homens engravatados e mulheres em vestidos refinados se moviam como sombras dançando sob a luz. Todas as famílias aliadas à Cosa Nostra estavam ali para prestigiar a assinatura do contrato de casamento. A união que selaria um pacto de sangue, de poder. E a mim, caberia o papel da noiva obediente.Minha mãe trabalhava nos últimos retoques do meu cabelo, suas mãos precisas prendendo uma mecha solta atrás da orelha, enquanto uma das empregadas subia o zíper do vestido de seda branca. O tecido era frio contra minha pele, pesado de significados que eu ainda não ousava nomear.— Você está perfeita, Elena — disse minha mãe, sua voz b
A noite estava quente, e o aroma de jasmim e vinho pairava no ar conforme eu caminhava entre as mesas dispostas pelo jardim. Os cumprimentos eram previsíveis, palavras formais, apertos de mãos firmes, olhares que diziam mais do que qualquer saudação poderia expressar. Ao meu lado, minha mãe mantinha a postura impecável de sempre, cumprimentando os convidados com a graça e a autoridade que sempre exerceu dentro da Cosa Nostra.— Esta noite marca o início de uma nova era, Luca — ela disse suavemente, sem desviar os olhos de um dos capos que se aproximava. — Alguém tomará o meu lugar ao seu lado. Uma mulher escolhida para governar com você. Deve respeitá-la.Eu sabia disso. Sabia de tudo. E, ainda assim, a ideia de um casamento arranjado, de dividir minha vida com alguém que nunca escolhi, era um peso que eu carregava em silêncio. Mas eu era um homem fiel à minha casa, à minha instituição. Os sentimentos pessoais não tinham lugar a
A noite em Palermo era pesada, carregada de umidade salgada que grudava na pele como um aviso silencioso. Eu havia acabado de sair do jantar de assinatura do contrato de casamento com Elena. A cerimônia foi tão formal quanto esperado: sorrisos falsos, brindes vazios e aquele olhar de desespero nos olhos da princesa que tentava disfarçar com uma postura impecável. Ela era forte, eu dava isso a ela. Mas não era hora de pensar em Elena. Agora, eu tinha negócios mais urgentes para resolver.Matia, meu irmão e subchefe, já estava no carro me esperando, com Pietro, meu conselheiro, ao seu lado. Pietro era um homem de poucas palavras, mas cada uma delas valia seu peso em ouro. Ele era o cérebro por trás de muitas das minhas decisões, e eu confiava nele como confiava em poucos. Matia, por outro lado, era sangue do meu sangue. Leal até a morte, mas impulsivo como um furacão. Juntos, éramos a tríade que mantinha a Cosa Nostra em pé.O carro deslizou pelas ruas estreitas de Palermo até chegarmos
A brisa salgada da noite acariciava minha pele enquanto eu permanecia sentada no banco de pedra, cercada pelo perfume das magnólias que resistiam ao vento marítimo. O som das ondas quebrando nas rochas abaixo da mansão era quase hipnótico, um ritmo constante que contrastava com o turbilhão dentro de mim. Não importava quantas vezes eu tentasse, o sono me escapava.Minhas mãos descansavam no colo, entrelaçadas, enquanto meus pensamentos se perdiam no desconhecido do futuro. O casamento havia sido selado em papel, e dentro de dias seria selado perante o mundo. Como matriarca da Cosa Nostra, quais seriam meus deveres? Quais os sacrifícios que ainda teriam que ser feitos?Eu nunca conheci liberdade, apenas uma coleira dourada que mudava de formato ao longo dos anos. Mas agora, ironicamente, o casamento que deveria me aprisionar parecia prestes a me dar algo diferente. Um lugar
As luzes douradas do ateliê refletiam nos espelhos altos, multiplicando os vestidos espalhados pelo salão. Camadas e mais camadas de tecidos volumosos, rendas pesadas e brilhos exagerados me envolviam como uma fortaleza opressiva. Eu estava sentada no pequeno tablado de provas, cercada por tule e seda bordada, enquanto minha mãe e minha futura sogra debatiam acaloradamente sobre qual modelo era digno de um casamento como o meu.— Esse tem presença! — minha mãe exclamou, apontando para um vestido com uma saia tão ampla que poderia engolir metade da sala.— Mas esse aqui tem mais sofisticação! — a sogra rebateu, puxando outro modelo ainda mais exagerado, coberto de bordados brilhantes.Eu respirei fundo, minhas mãos apertando o tecido do vestido que estava usando. Pesado, volumoso, sufocante. Assim como tudo naquele casamento. Como toda a min
O motor do carro roncava baixo enquanto eu dirigia pelas ruas estreitas da cidade, os faróis cortando a escuridão da noite. Matia estava ao meu lado, sentado no banco do passageiro, os dedos batendo levemente no joelho, como sempre fazia quando estava prestes a dizer algo que sabia que eu não queria ouvir. Eu conhecia meu irmão melhor do que ninguém. Ele era a parte sensata de nós dois, o equilíbrio que eu precisava. Por isso o escolhi como meu subchefe. A Cosa Nostra precisava de um líder forte, mas também de alguém sábio e inteligente. E Matia era exatamente isso.Mas, às vezes, eu odiava como ele sempre parecia saber o que eu estava pensando.— Luca — ele começou, a voz calma, mas firme. — Você quer me dizer por que decidiu aparecer no ateliê hoje.Eu não respondi de imediato, mantendo os olhos fixos na estrada. Sabia que ele não ia gostar da resposta. Matia sempre foi direto, e eu sempre fui teimoso. Era uma dinâmica que funcionava, mas que também gerava atritos.— Só queria me cer