A madrugada em Palermo é silenciosa, tão silenciosa que parece que até o vento respeita o código de mudeza que paira sobre esta cidade. Outra noite em que o sono não vem. Viro na cama, o eco dos meus pensamentos mais alto que o tic-tac do relógio na parede. A mansão dos Grecco, este pequeno castelo sombrio, parece respirar segredos. Os funcionários mal falam comigo, seus olhares sempre fugidios, como se eu fosse uma intrusa em um mundo que não me pertence. E talvez eu seja.Mas hoje, a curiosidade vence o medo. Levanto-me da cama, envolta em um roupão fino, e deslizo pelos corredores escuros. As escadas rangem sob meus pés descalços, mas não há ninguém para me ouvir. Luca não está em casa. Ele nunca está. As noites são dele, e eu não me permito pensar no que ele faz enquanto a lua brilha sobre Palermo.O terceiro andar é proibido para mim, mas é justamente por isso que vou. A ala de Luca é um mistério que não consigo ignorar. Os corredores são estreitos, as paredes adornadas com quadr
Eu a vejo antes que ela me veja. Elena está ali, no meio do meu escritório, segurando aquela pasta como se fosse a única coisa que a mantivesse de pé. Meu sangue ferve. Ela não deveria estar aqui. Ninguém deveria estar aqui. Mas é ela. E aqueles papéis... aqueles papéis que eu guardei por anos, escondidos até de mim mesmo, estão agora em suas mãos.— O que você está fazendo aqui?Minha voz soa mais áspera do que eu pretendia, mas não consigo ajudá-lo. Ela se vira, os olhos arregalados, como uma presa acuada. Os papéis voam pelo chão, e eu vejo a confusão, o medo, a curiosidade em seu rosto. Ela gagueja algo sobre insônia, sobre não conseguir dormir. Insônia? É essa a desculpa que ela me dá?— Então você achou que seria uma boa ideia bisbilhotar? — Pergunto, avançando em sua direção. Cada passo que dou parece ecoar no silêncio da sala. Ela se agarra aos papéis como se fossem sua salvação, como se eu fosse arrancá-los de suas mãos a qualquer momento. E talvez eu devesse. Mas há algo em
O sol da manhã entra suavemente pela janela do meu quarto, iluminando o vestido de noiva que penduram na frente do espelho. É um vestido deslumbrante, cheio de detalhes em renda e pérolas, digno de uma princesa. Mas quando olho para ele, sinto um nó no estômago. Não consigo ver beleza ali, apenas um símbolo do que minha vida se tornou: uma gaiola dourada.Os preparativos para o casamento estão em pleno andamento. A mansão está cheia de pessoas – costureiras, floristas, decoradores – todos ocupados, todos falando ao mesmo tempo. É um caos organizado, mas eu me sinto distante, como se estivesse observando tudo de fora. Minha mente não para de vagar para a noite passada, para aquela conversa com Luca no escritório."O seu pai, Elena, foi o mandante da morte do meu pai."As palavras dele ecoam na minha cabeça, uma sentença que não consi
Eu não queria mais pedaços soltos, fragmentos de histórias distorcidas para se encaixarem nos interesses do meu pai. Cansei de ser moldada para ser um presente, uma peça no tabuleiro dele. Precisava ouvir a verdade, diretamente da boca de Luca.— Quero que você me conte. — Minha voz saiu firme, apesar do nó na garganta. — Estou cansada de ser usada, de ser protegida como uma extensão dos planos do meu pai. Não quero mais documentos ou meias-verdades. Eu quero ouvir de você.Luca me olhou por um longo tempo. Eu pude ver o conflito dentro dele, o peso do que estava prestes a dizer. Mas, acima de tudo, eu vi algo que nunca encontrei nos olhos de nenhum homem antes: proteção.—Senta aqui comigo. — Ele disse, batendo levemente no sofá ao lado dele.Obedeci, sentando ao seu lado sem desviar os
O escritório estava mergulhado em penumbra, iluminado apenas pelo abajur sobre minha mesa e pelo brilho distante das luzes da propriedade. O silêncio era quebrado apenas pelo leve farfalhar das páginas que Matia folheava, sentado à minha frente. Pietro, como sempre, mantinha-se em pé diante das janelas, os braços cruzados, observando o nada.Eu sabia que eles estavam insatisfeitos. Podia sentir isso na tensão que pairava no ar, na maneira como Matia franziu a testa ao ler o relatório em suas mãos, no modo como Pietro apertava a mandíbula, ponderando algo que ainda não havia dito.— Você contou para ela — a voz de Matia cortou o silêncio, carregada de censura. Ele ergueu os olhos para mim, um brilho de frustração no olhar. — O que diabos você estava pensando, Luca?Recostei-me na cadeira, cruzando os dedos sobre a mesa. Eu já esperava essa reação.— Eu estava pensando que manter Elena no escuro só a deixaria mais determinada a descobrir tudo por conta própria — respondi com calma. — E s
A explosão foi como um soco no estômago. O som reverberou pelas paredes da mansão, atravessando os corredores e invadindo o escritório onde Pietro, Matia e eu discutíamos estratégias. Antes que pudesse processar o que estava acontecendo, meu instinto falou mais alto. Eu precisava estar com ela."Elena!" Gritei, sem pensar. Meus pés já estavam em movimento, correndo para as escadas.Pietro e Matia ainda discutiam, mas eu não podia esperar. Sabia que ela estava no segundo andar, sozinha, dormindo. O caos lá fora podia esperar. Ela não poderia.Quando cheguei ao topo das escadas, o som de outra explosão fez os vidros da janela tremerem. Eu não hesitei. Corri até o quarto dela, a porta estava fechada. Sem pensar duas vezes, arrombei com força, invadindo o espaço.O quarto estava imerso em uma calma perturbadora, mas logo percebi: Elena já estava acordada. Ela estava sentada na cama, os olhos arregalados, o corpo rígido. A mesma tranquilidade que eu esperava ver nela tinha se transformado e
Eu sabia que o tempo era crucial. Quando entrei na biblioteca novamente, encontrei Fiorella e Elena sentadas, ainda em silêncio. Matia estava ao lado, com a expressão fechada, enquanto ele mantinha um olhar atento para a porta, como se estivesse esperando que algo mais acontecesse. A tensão no ambiente era palpável.Antes de entrar, dei ordens claras a Matia. Ele sabia o que fazer.— Matia, leve os pais dela de volta ao quarto. — Eu falei, com um tom que não aceitava resposta. Ele assentiu, imediatamente se afastando para cumprir o que eu havia pedido. Era uma medida necessária, ainda mais agora que sabia da traição do meu sogro. Ele não fazia parte dessa conversa. Não ainda.Ao entrar na sala, percebi a quietude de Elena. Ela olhou para mim com um olhar indecifrável, mas ainda era óbvio que ela estava absorvendo tudo de maneira lenta e cuidadosa. Fiorella, no entanto, tinha uma expressão diferente: firme, séria, como se estivesse tentando processar o que acabara de acontecer.Uma empr
A tensão na sala ainda era palpável quando Matia falou, quebrando o silêncio com sua voz firme.— Vamos dar um jeito de adiantar a cerimônia para este final de semana — ele disse, olhando diretamente para mim. — Não temos tempo a perder. E Elena... ela deve ser apresentada como matriarca da família na mesma noite.Fiorella se virou para Matia, com uma expressão de surpresa misturada à preocupação. Antes que ela pudesse responder, eu interrompi, firme.— Não há outra opção. A cerimônia será adiantada, e Elena será apresentada. Não podemos mais esperar. A segurança da minha mulher está em primeiro lugar.O tom de minha voz d