Capítulo 2: Elena Santoro

O avião toca o solo de Palermo com uma suavidade que quase passa despercebida pela minha mente, atolada em pensamentos sombrios. Quando as portas do jato se abrem, uma brisa fresca da Sicília invade o ambiente, mas não é o suficiente para afastar o peso em meu peito. O cheiro do mar, misturado com a terra quente, faz minha cabeça girar por um instante, como se o futuro me puxasse para uma realidade que eu nunca quis.

Matia, o subchefe da Cosa Nostra, espera por nós na pista, um homem de presença imponente e olhos calculistas. Ao seu lado, estão os soldados, homens com rostos duros, tatuagens visíveis, sempre em alerta. Eles nos recebem com um cumprimento formal, mas nenhum deles oferece um sorriso. Somos guiados até uma grande limusine preta, a qual nos leva em silêncio por ruas estreitas e sinuosas até a base da montanha.

A mansão do Don, erguida sobre a rocha, parece surgir do próprio coração da terra. Uma construção maciça, imponente, com paredes de pedra que parecem ser parte da própria montanha. Lá de cima, posso ver o mar brilhando ao longe, como um espelho quebrado. Cada curva do caminho me leva mais fundo em um lugar onde nada parece ser real, apenas uma prisão disfarçada de opulência.

Ao chegarmos, Matia nos conduz até a entrada. A mansão é silenciosa, exceto pelo som das nossas passadas ecoando pelas pedras frias.

— O Don estará com vocês no jantar — ele diz, a voz grave e direta. — Está ocupado com assuntos... internos. — Sua resposta é vaga, mas não preciso perguntar mais nada. Sei que o que quer que ele esteja fazendo, é algo que não podemos entender.

— Claro — responde minha mãe, com um sorriso cortês, tentando esconder sua ansiedade. Ela se vira para mim com um olhar que diz "tudo ficará bem", mas não encontro conforto nas palavras dela. Não sei mais o que esperar. Não há mais espaço para promessas ou para ilusões de um futuro diferente.

Matia nos conduz até um grande salão, onde a vista da cidade é de tirar o fôlego. A luz suave da tarde reflete na água, criando uma paisagem que, por um momento, me faz esquecer onde estou. A mansão é decorada com mobília de luxo, mas cada detalhe parece exibir a mão fria e calculista de um homem que controla tudo, até os detalhes mais insignificantes.

A primeira coisa que faço, assim que me vejo sozinha no quarto, é abrir a janela.

O vento fresco me acerta o rosto, carregado de sal e de promessas de liberdade que me parecem distantes demais. O mar se estende diante de mim como um vasto campo de possibilidades, e por um instante, me sinto pequena diante de sua grandeza. O som das gaivotas e o farfalhar das ondas batendo contra a areia me hipnotizam. Sinto uma vontade irresistível de sair correndo até a praia, sentir a areia fria nos meus pés, deixar o vento bagunçar meus cabelos e esquecer, ao menos por alguns segundos, tudo o que está prestes a acontecer.

Mas sei que não posso. Não sou mais dona do meu próprio corpo. E cada passo em direção à liberdade parece um sonho inalcançável, distante demais para ser tocado.

— Você está bem?

A voz da minha mãe me tira do transe. Ela entrou no quarto sem que eu percebesse, provavelmente para ver se estava acomodada. Sua presença é suave, mas carrega o peso de expectativas que ela jamais deixaria de colocar sobre meus ombros.

— Sim, mãe — respondo, tentando esconder o turbilhão de emoções dentro de mim. — Só... observando a vista.

Ela se aproxima de mim, suas mãos delicadas ajeitando os fios de cabelo que escapam do meu penteado.

— A Sicília é maravilhosa — ela diz com um suspiro. —Você vai ver. Vai ser o lugar perfeito para começar sua nova vida.

Ela não entende. Ela nunca entenderá. Eu fui feita para isso, e no entanto, uma parte de mim ainda se recusa a aceitar. Tento sorrir para ela, mas sei que não convenço nem a mim mesma.

— É, acho que sim — respondo, sem muita convicção. — Mas... mãe, você acha que... eu realmente... posso ser feliz aqui?

Ela para, por um momento, como se a pergunta tivesse a pegado de surpresa. Mas logo seu rosto se suaviza em um sorriso compreensivo, como se estivesse dando a resposta certa.

— Você não precisa ser feliz, querida. Você precisa ser forte. E isso, você já aprendeu.

Essas palavras me cortam mais do que eu gostaria de admitir. Ser forte. Sempre fui ensinada a ser forte, mas nunca me ensinaram a ser feliz. Não há espaço para isso, não quando a felicidade é um luxo que não me foi concedido.

Ela começa a se afastar, mas antes de sair do quarto, ela se vira para mim com um olhar de preocupação.

— Precisa descansar um pouco. Mais tarde, virão me ajudar com os preparativos para o jantar. E você... deve estar perfeita, Elena. Será a primeira vez que você e o Don Grecco serão apresentados formalmente.

Perfeito. Eu tinha que ser perfeita. Não havia espaço para falhas. Não havia espaço para ser quem eu sou. Tudo o que me restava agora era o papel que me foi dado. A esposa do Don. A moeda de troca.

Assento com a cabeça, mas por dentro, uma tempestade se forma. O jantar. O encontro. A primeira vez que olharei nos olhos de Luca De Luca, o homem com quem minha vida será compartilhada por... quem sabe quanto tempo. O homem que eu fui obrigada a aceitar. O homem que será meu futuro, minha prisão.

E, enquanto o vento sopra através da janela aberta, a ideia de correr, de ser livre, de sentir a areia entre os dedos, nunca pareceu tão distante. Mas, por um breve momento, eu a imagino, a liberdade, como se fosse algo possível.

Quem sabe, em algum lugar distante, ela ainda me espera.

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