A brisa salgada da noite acariciava minha pele enquanto eu permanecia sentada no banco de pedra, cercada pelo perfume das magnólias que resistiam ao vento marítimo. O som das ondas quebrando nas rochas abaixo da mansão era quase hipnótico, um ritmo constante que contrastava com o turbilhão dentro de mim. Não importava quantas vezes eu tentasse, o sono me escapava.
Minhas mãos descansavam no colo, entrelaçadas, enquanto meus pensamentos se perdiam no desconhecido do futuro. O casamento havia sido selado em papel, e dentro de dias seria selado perante o mundo. Como matriarca da Cosa Nostra, quais seriam meus deveres? Quais os sacrifícios que ainda teriam que ser feitos?
Eu nunca conheci liberdade, apenas uma coleira dourada que mudava de formato ao longo dos anos. Mas agora, ironicamente, o casamento que deveria me aprisionar parecia prestes a me dar algo diferente. Um lugar
As luzes douradas do ateliê refletiam nos espelhos altos, multiplicando os vestidos espalhados pelo salão. Camadas e mais camadas de tecidos volumosos, rendas pesadas e brilhos exagerados me envolviam como uma fortaleza opressiva. Eu estava sentada no pequeno tablado de provas, cercada por tule e seda bordada, enquanto minha mãe e minha futura sogra debatiam acaloradamente sobre qual modelo era digno de um casamento como o meu.— Esse tem presença! — minha mãe exclamou, apontando para um vestido com uma saia tão ampla que poderia engolir metade da sala.— Mas esse aqui tem mais sofisticação! — a sogra rebateu, puxando outro modelo ainda mais exagerado, coberto de bordados brilhantes.Eu respirei fundo, minhas mãos apertando o tecido do vestido que estava usando. Pesado, volumoso, sufocante. Assim como tudo naquele casamento. Como toda a min
O motor do carro roncava baixo enquanto eu dirigia pelas ruas estreitas da cidade, os faróis cortando a escuridão da noite. Matia estava ao meu lado, sentado no banco do passageiro, os dedos batendo levemente no joelho, como sempre fazia quando estava prestes a dizer algo que sabia que eu não queria ouvir. Eu conhecia meu irmão melhor do que ninguém. Ele era a parte sensata de nós dois, o equilíbrio que eu precisava. Por isso o escolhi como meu subchefe. A Cosa Nostra precisava de um líder forte, mas também de alguém sábio e inteligente. E Matia era exatamente isso.Mas, às vezes, eu odiava como ele sempre parecia saber o que eu estava pensando.— Luca — ele começou, a voz calma, mas firme. — Você quer me dizer por que decidiu aparecer no ateliê hoje.Eu não respondi de imediato, mantendo os olhos fixos na estrada. Sabia que ele não ia gostar da resposta. Matia sempre foi direto, e eu sempre fui teimoso. Era uma dinâmica que funcionava, mas que também gerava atritos.— Só queria me cer
A madrugada em Palermo é silenciosa, tão silenciosa que parece que até o vento respeita o código de mudeza que paira sobre esta cidade. Outra noite em que o sono não vem. Viro na cama, o eco dos meus pensamentos mais alto que o tic-tac do relógio na parede. A mansão dos Grecco, este pequeno castelo sombrio, parece respirar segredos. Os funcionários mal falam comigo, seus olhares sempre fugidios, como se eu fosse uma intrusa em um mundo que não me pertence. E talvez eu seja.Mas hoje, a curiosidade vence o medo. Levanto-me da cama, envolta em um roupão fino, e deslizo pelos corredores escuros. As escadas rangem sob meus pés descalços, mas não há ninguém para me ouvir. Luca não está em casa. Ele nunca está. As noites são dele, e eu não me permito pensar no que ele faz enquanto a lua brilha sobre Palermo.O terceiro andar é proibido para mim, mas é justamente por isso que vou. A ala de Luca é um mistério que não consigo ignorar. Os corredores são estreitos, as paredes adornadas com quadr
Eu a vejo antes que ela me veja. Elena está ali, no meio do meu escritório, segurando aquela pasta como se fosse a única coisa que a mantivesse de pé. Meu sangue ferve. Ela não deveria estar aqui. Ninguém deveria estar aqui. Mas é ela. E aqueles papéis... aqueles papéis que eu guardei por anos, escondidos até de mim mesmo, estão agora em suas mãos.— O que você está fazendo aqui?Minha voz soa mais áspera do que eu pretendia, mas não consigo ajudá-lo. Ela se vira, os olhos arregalados, como uma presa acuada. Os papéis voam pelo chão, e eu vejo a confusão, o medo, a curiosidade em seu rosto. Ela gagueja algo sobre insônia, sobre não conseguir dormir. Insônia? É essa a desculpa que ela me dá?— Então você achou que seria uma boa ideia bisbilhotar? — Pergunto, avançando em sua direção. Cada passo que dou parece ecoar no silêncio da sala. Ela se agarra aos papéis como se fossem sua salvação, como se eu fosse arrancá-los de suas mãos a qualquer momento. E talvez eu devesse. Mas há algo em
O sol da manhã entra suavemente pela janela do meu quarto, iluminando o vestido de noiva que penduram na frente do espelho. É um vestido deslumbrante, cheio de detalhes em renda e pérolas, digno de uma princesa. Mas quando olho para ele, sinto um nó no estômago. Não consigo ver beleza ali, apenas um símbolo do que minha vida se tornou: uma gaiola dourada.Os preparativos para o casamento estão em pleno andamento. A mansão está cheia de pessoas – costureiras, floristas, decoradores – todos ocupados, todos falando ao mesmo tempo. É um caos organizado, mas eu me sinto distante, como se estivesse observando tudo de fora. Minha mente não para de vagar para a noite passada, para aquela conversa com Luca no escritório."O seu pai, Elena, foi o mandante da morte do meu pai."As palavras dele ecoam na minha cabeça, uma sentença que não consi
Eu não queria mais pedaços soltos, fragmentos de histórias distorcidas para se encaixarem nos interesses do meu pai. Cansei de ser moldada para ser um presente, uma peça no tabuleiro dele. Precisava ouvir a verdade, diretamente da boca de Luca.— Quero que você me conte. — Minha voz saiu firme, apesar do nó na garganta. — Estou cansada de ser usada, de ser protegida como uma extensão dos planos do meu pai. Não quero mais documentos ou meias-verdades. Eu quero ouvir de você.Luca me olhou por um longo tempo. Eu pude ver o conflito dentro dele, o peso do que estava prestes a dizer. Mas, acima de tudo, eu vi algo que nunca encontrei nos olhos de nenhum homem antes: proteção.—Senta aqui comigo. — Ele disse, batendo levemente no sofá ao lado dele.Obedeci, sentando ao seu lado sem desviar os
O escritório estava mergulhado em penumbra, iluminado apenas pelo abajur sobre minha mesa e pelo brilho distante das luzes da propriedade. O silêncio era quebrado apenas pelo leve farfalhar das páginas que Matia folheava, sentado à minha frente. Pietro, como sempre, mantinha-se em pé diante das janelas, os braços cruzados, observando o nada.Eu sabia que eles estavam insatisfeitos. Podia sentir isso na tensão que pairava no ar, na maneira como Matia franziu a testa ao ler o relatório em suas mãos, no modo como Pietro apertava a mandíbula, ponderando algo que ainda não havia dito.— Você contou para ela — a voz de Matia cortou o silêncio, carregada de censura. Ele ergueu os olhos para mim, um brilho de frustração no olhar. — O que diabos você estava pensando, Luca?Recostei-me na cadeira, cruzando os dedos sobre a mesa. Eu já esperava essa reação.— Eu estava pensando que manter Elena no escuro só a deixaria mais determinada a descobrir tudo por conta própria — respondi com calma. — E s
A explosão foi como um soco no estômago. O som reverberou pelas paredes da mansão, atravessando os corredores e invadindo o escritório onde Pietro, Matia e eu discutíamos estratégias. Antes que pudesse processar o que estava acontecendo, meu instinto falou mais alto. Eu precisava estar com ela."Elena!" Gritei, sem pensar. Meus pés já estavam em movimento, correndo para as escadas.Pietro e Matia ainda discutiam, mas eu não podia esperar. Sabia que ela estava no segundo andar, sozinha, dormindo. O caos lá fora podia esperar. Ela não poderia.Quando cheguei ao topo das escadas, o som de outra explosão fez os vidros da janela tremerem. Eu não hesitei. Corri até o quarto dela, a porta estava fechada. Sem pensar duas vezes, arrombei com força, invadindo o espaço.O quarto estava imerso em uma calma perturbadora, mas logo percebi: Elena já estava acordada. Ela estava sentada na cama, os olhos arregalados, o corpo rígido. A mesma tranquilidade que eu esperava ver nela tinha se transformado e