A mesa estava iluminada apenas por velas, o ambiente opressor e formal. A comida, excelente como se esperava, estava sendo servida em silêncio, mas o verdadeiro banquete parecia estar acontecendo nas conversas, as palavras disfarçadas de elogios e investigações disfarçadas de casualidade. Eu, como sempre, mantinha minha postura impecável, minhas mãos delicadamente repousadas sobre o colo, e as palavras escolhidas com extremo cuidado.
Athena, a mãe de Luca, falava com minha mãe, Marie, sobre a educação que eu havia recebido. Seus olhos, frios e calculistas, estavam fixos em minha mãe, mas eu podia sentir o peso do olhar de Luca em mim, tão pesado que parecia que eu estava sendo analisada por dentro, como se ele buscasse entender cada pedaço de mim que eu tentava esconder.
— A Elena sempre foi muito dedicada aos estudos — minha mãe começou, com um sorriso orgulhoso no rosto. — Ela estudou nas melhores escolas de etiqueta, se formou em três idiomas e ainda teve uma educação política bastante sólida. Ela conhece bem os protocolos e sabe como lidar com as situações mais delicadas.
Ela olhou para minha mãe, com um toque de autoridade, como se estivesse defendendo cada detalhe de meu treinamento.
Athena assentiu, sem esconder o leve sorriso de aprovação.
— Isso é o que a Cosa Nostra exige. Uma mulher que saiba se portar, que tenha educação e um entendimento claro sobre o poder e o papel que desempenha ao lado de um homem como Luca. — Ela pausou por um momento, olhando diretamente para ele, o olhar de satisfação claro. — Ela será uma matriarca exemplar, sem dúvida.
Eu senti minhas bochechas queimarem, uma onda de calor subindo por minha pele. Não por causa das palavras de minha mãe, que não faziam mais do que confirmar o que eu sabia ser verdade, mas pela maneira como Luca ainda não tirava os olhos de mim.
Ele estava sentado à minha direita, e mesmo com a conversa fluindo ao nosso redor, ele não desviava o olhar, como se estivesse examinando cada reação minha, cada gesto, como se estivesse esperando por algo, algum sinal que ele soubesse que não viria.
Eu engulo em seco, tentando não me deixar afetar por sua presença avassaladora. O que ele queria de mim? Um sinal de rendição? De aceitação? Ou ele apenas queria ver se eu era realmente a mulher que ele precisava para sua família, sem fraquezas, sem dúvidas?
— Não tenho dúvidas disso — Luca falou, sua voz suave, mas carregada de uma intensidade que não escapava dos meus ouvidos. Ele finalmente desviou os olhos de mim, mas não o suficiente para que a tensão no ar diminuísse. — Ela tem a educação necessária para o que está por vir. É o que todos esperam.
Ele deu um sorriso enigmático, os olhos ainda observando-me com a mesma intensidade.
Eu queria dizer algo, mas as palavras se perderam na minha garganta. Como responder a isso? Ele não estava me elogiando, estava apenas afirmando o óbvio, como se minha educação fosse apenas uma parte de um jogo maior, algo que fazia parte do que eu era agora, como se eu fosse uma peça em um tabuleiro que ele já conhecia bem.
— Sim, a educação dela é realmente impressionante — meu pai acrescentou, com um sorriso orgulhoso no rosto. — Ela foi moldada para ser a mulher certa ao lado de um homem com a importância de Luca.
Mais uma vez, o calor se espalhou pelo meu rosto. A impressão que eu tinha, o que me causava tanta inquietação, era que eu estava sendo observada não apenas como uma filha bem educada, mas como um objeto, algo a ser adquirido e moldado conforme as necessidades de uma família imponente como a dele. E isso me causava uma revolta silenciosa, uma sensação de impotência que eu não sabia como lidar.
Mas Luca não parecia notar minha inquietação. Ele apenas me observava, ainda com aquele sorriso leve nos lábios, como se soubesse exatamente o efeito que causava em mim, como se estivesse jogando um jogo onde eu não sabia as regras.
A conversa continuou ao nosso redor, mas eu mal consegui prestar atenção em qualquer outra palavra. Eu estava perdida nos meus próprios pensamentos, tentando entender o que estava acontecendo dentro de mim, o que significava tudo aquilo. Eu já sabia que estava sendo entregue a ele. Sabia que meu destino estava selado. Mas a maneira como ele me olhava... aquilo mexia comigo de uma forma que eu não conseguia compreender.
***
O jantar havia terminado há algum tempo, mas os ecos da conversa ainda pairavam no ar. Todos se retiraram para seus quartos, deixando a casa silenciosa. Apesar da formalidade que sempre acompanhava esses encontros, Athena, a mãe de Luca, fez questão de nos receber com uma simpatia desconcertante. Ela insistiu para que provássemos todas as sobremesas, algo que minha mãe nunca teria permitido. Desserts eram um luxo que eu raramente podia me dar, e sempre me lembro de sua preocupação sobre minha aparência. Uma princesa acima do peso, afinal, não era boa para os negócios.
Foi com uma certa liberdade que finalmente saí da sala de jantar, agradecendo ao impulso de querer escapar um pouco da atmosfera carregada de conversas políticas e obrigações. A brisa fresca da noite me tocou o rosto assim que pisei no jardim, e os sons suaves da natureza — o farfalhar das folhas, o canto distante de algum inseto noturno — eram um alívio após as horas de tensão que passei à mesa. A lua estava alta no céu, iluminando tudo ao redor com uma suavidade que contrastava com a dureza da vida que eu estava prestes a viver.
Foi então que ouvi os passos suaves atrás de mim. Antes que eu pudesse me virar, uma sombra se aproximou e se sentou ao meu lado. Não precisei olhar para saber quem era. O aroma de seu perfume, algo leve e imponente ao mesmo tempo, preencheu o espaço entre nós.
Luca.
Eu me mantive quieta, não querendo encará-lo diretamente. Aproveitei o momento para observá-lo sem ser vista. O maxilar dele estava marcado pela barba por fazer, que deixava uma impressão de masculinidade rústica, um contraste com a suavidade de seu rosto. Seus cabelos castanhos claros caíam um pouco sobre a testa, e seus olhos, aqueles olhos verdes, eram intensos, como se observassem e analisassem cada movimento meu, como se me devorassem sem que eu soubesse como reagir.
Quando finalmente o encarei, senti minha postura se endurecer. O calor subiu pelo meu rosto, e meu corpo automaticamente se posicionou para longe dele, como se minha mente soubesse o que estava por vir e meu corpo não estivesse preparado.
— Eu também gosto de sair para o jardim depois que todos se retiram — Luca disse, sua voz baixa, mas com um tom que parecia brincar com o silêncio. — É o único momento em que posso respirar um pouco.
Fiquei em silêncio por um momento, tentando encontrar uma resposta, até que, finalmente, eu perguntei, quase sem querer:
— Você foge, então?
Ele riu suavemente, o som de sua risada mais quente do que eu imaginava.
— Em uma posição como a minha, fugir é sempre uma opção. Mas, no fundo, sei que isso nunca será suficiente.
Aquilo me atingiu de forma inesperada, um pequeno toque de humanidade que não esperava encontrar em alguém tão imerso no mundo da máfia. Eu o observei, tentando entender o que ele queria dizer.
— Deve ser um fardo difícil.
— Em um mundo como o nosso, não existe escolha — respondeu com uma calma que me desarmou. — Mas ele pode se tornar mais leve com a companhia certa ao lado.
Essas palavras me fizeram sentir algo que não consegui controlar. Meu rosto queimou novamente sob o peso de seu olhar, e meu coração disparou sem aviso. Ele havia falado com tanta naturalidade, como se estivesse falando sobre o peso do universo, e de repente, aquilo tudo parecia muito real, muito próximo. Mais uma vez, ele estava me testando, ou talvez apenas me observando com atenção para ver como eu reagiria.
Antes que eu pudesse processar mais, Luca se levantou, interrompendo o silêncio novamente. Ele me olhou uma última vez, a expressão em seu rosto impossível de decifrar.
— Eu não vou atrapalhar a sua fuga, Elena — disse com um sorriso leve, mas firme.
E com isso, ele se afastou, seus passos se distanciando rapidamente até que o som dos seus sapatos sobre o cascalho finalmente se dissipou na noite, e ele voltou para dentro, deixando-me sozinha novamente.
Fiquei ali por um longo tempo, sentindo a brisa fresca, tentando entender o que acabara de acontecer. Eu estava assustada. Assustada com as palavras de Luca, com a maneira como ele olhava para mim, com a forma como ele conseguia fazer meu coração bater mais rápido apenas com um simples gesto ou uma frase.
O medo ainda estava lá, mas agora havia algo mais, algo que eu não sabia como lidar.
E, de alguma forma, eu sabia que isso só estava começando.
O silêncio pairava sobre a sala como uma lâmina prestes a cair. Homens de rostos endurecidos, leais à Cosa Nostra – ou assim afirmavam ser – me observavam ao redor da mesa de mogno escuro. Olhos calculistas. Alguns, desafiadores. Outros, inseguros. Mas nenhum ousava desviar o olhar quando eu falava.A informação tinha chegado a mim mais cedo, um sussurro camuflado no submundo, carregado pelo vento de Palermo: há um traidor entre nós.Cruzei os dedos sobre a mesa, mantendo a postura firme. Eu não demonstraria fraqueza. Eles não me viam como um homem comum. Eu era o Don. O sangue e o suor de gerações estavam no peso do meu nome.— Recebi uma denúncia. — Minha voz soou fria, controlada. — Alguém aqui acredita que pode me trair e sair impune.Os homens se entreolharam. O ambiente se tornou mais tenso. Meu olhar varreu cada rosto presente. Eu conhecia cada um deles. Conhecia suas famílias, suas histórias, seus medos. Sabia exatamente até onde cada um estaria disposto a ir por poder.— Isso
A noite caía sobre Palermo, tingindo o céu com tons de violeta e dourado. Da sacada do meu quarto, eu observava os jardins iluminados por pequenas lanternas penduradas nos galhos das oliveiras, onde homens engravatados e mulheres em vestidos refinados se moviam como sombras dançando sob a luz. Todas as famílias aliadas à Cosa Nostra estavam ali para prestigiar a assinatura do contrato de casamento. A união que selaria um pacto de sangue, de poder. E a mim, caberia o papel da noiva obediente.Minha mãe trabalhava nos últimos retoques do meu cabelo, suas mãos precisas prendendo uma mecha solta atrás da orelha, enquanto uma das empregadas subia o zíper do vestido de seda branca. O tecido era frio contra minha pele, pesado de significados que eu ainda não ousava nomear.— Você está perfeita, Elena — disse minha mãe, sua voz b
A noite estava quente, e o aroma de jasmim e vinho pairava no ar conforme eu caminhava entre as mesas dispostas pelo jardim. Os cumprimentos eram previsíveis, palavras formais, apertos de mãos firmes, olhares que diziam mais do que qualquer saudação poderia expressar. Ao meu lado, minha mãe mantinha a postura impecável de sempre, cumprimentando os convidados com a graça e a autoridade que sempre exerceu dentro da Cosa Nostra.— Esta noite marca o início de uma nova era, Luca — ela disse suavemente, sem desviar os olhos de um dos capos que se aproximava. — Alguém tomará o meu lugar ao seu lado. Uma mulher escolhida para governar com você. Deve respeitá-la.Eu sabia disso. Sabia de tudo. E, ainda assim, a ideia de um casamento arranjado, de dividir minha vida com alguém que nunca escolhi, era um peso que eu carregava em silêncio. Mas eu era um homem fiel à minha casa, à minha instituição. Os sentimentos pessoais não tinham lugar a
A noite em Palermo era pesada, carregada de umidade salgada que grudava na pele como um aviso silencioso. Eu havia acabado de sair do jantar de assinatura do contrato de casamento com Elena. A cerimônia foi tão formal quanto esperado: sorrisos falsos, brindes vazios e aquele olhar de desespero nos olhos da princesa que tentava disfarçar com uma postura impecável. Ela era forte, eu dava isso a ela. Mas não era hora de pensar em Elena. Agora, eu tinha negócios mais urgentes para resolver.Matia, meu irmão e subchefe, já estava no carro me esperando, com Pietro, meu conselheiro, ao seu lado. Pietro era um homem de poucas palavras, mas cada uma delas valia seu peso em ouro. Ele era o cérebro por trás de muitas das minhas decisões, e eu confiava nele como confiava em poucos. Matia, por outro lado, era sangue do meu sangue. Leal até a morte, mas impulsivo como um furacão. Juntos, éramos a tríade que mantinha a Cosa Nostra em pé.O carro deslizou pelas ruas estreitas de Palermo até chegarmos
Seis anos antes...A catedral estava mergulhada na penumbra, iluminada apenas pelas velas que tremulavam em um ritmo irregular. O som dos meus passos ecoava pelo chão de mármore, cada batida lembrando que, a partir desta noite, minha vida não era mais minha. Era da Cosa Nostra.Olhei ao redor, permitindo que meus olhos percorressem cada banco. Todos os rostos estavam voltados para mim — aliados, cúmplices, homens e mulheres que deviam suas vidas e fortunas à minha família. Cada um deles estava aqui para testemunhar minha ascensão, para ver o filho de Salvatore De Luca tomar o lugar de seu pai.Meu olhar parou nos últimos bancos, onde estavam os Santoros. Sempre tão distintos, sempre escondidos sob a fachada impecável de uma família nobre, mas nós dois sabíamos o que eles realmente eram. O patriarca deles me lançou um breve aceno de cabeça, mas meu interesse não estava nele. Estava na garota ao seu lado.Ela estava parcialmente escondida pela escuridão, o rosto iluminado apenas pela lu
O silêncio dentro do carro é opressor.Os bancos de couro creme refletem a luz suave que entra pelas janelas, mas nada ali consegue aquecer a sensação de vazio que me toma. Meu pai está ao volante, os olhos fixos na estrada, sua expressão intransigente como sempre. Minha mãe, ao meu lado, olha pela janela, como se estivesse distante, em outro lugar. Em algum lugar onde a dor do momento não fosse tão real.Eu, por outro lado, não consigo desviar o olhar da barra do meu vestido azul. A delicadeza do tecido contra a minha pele parece quase zombar da minha incapacidade de escolher o próprio futuro. Cada fibra, cada detalhe cuidadosamente escolhido para ser a perfeita apresentação do que sou — uma obra de arte, mas apenas para ser admirada, não tocada.Hoje, meu futuro marido finalmente me verá. A imagem que sempre me foi vendida, o homem que todas as lendas falam. Mas para mim, ele não é mais do que uma sombra. Uma promessa de um destino que não escolhi.Os cabelos loiros, cuidadosamente
O avião toca o solo de Palermo com uma suavidade que quase passa despercebida pela minha mente, atolada em pensamentos sombrios. Quando as portas do jato se abrem, uma brisa fresca da Sicília invade o ambiente, mas não é o suficiente para afastar o peso em meu peito. O cheiro do mar, misturado com a terra quente, faz minha cabeça girar por um instante, como se o futuro me puxasse para uma realidade que eu nunca quis.Matia, o subchefe da Cosa Nostra, espera por nós na pista, um homem de presença imponente e olhos calculistas. Ao seu lado, estão os soldados, homens com rostos duros, tatuagens visíveis, sempre em alerta. Eles nos recebem com um cumprimento formal, mas nenhum deles oferece um sorriso. Somos guiados até uma grande limusine preta, a qual nos leva em silêncio por ruas estreitas e sinuosas até a base da montanha.A mansão do Don, erguida sobre a rocha, parece surgir do próprio coração da terra. Uma construção maciça, imponente, com paredes de pedra que parecem ser parte da p
Eu estava diante do espelho, ajustando o nó da gravata, quando minha mãe, Athena, entrou no quarto com aquele olhar de quem sabe o que está acontecendo antes mesmo de acontecer.— Se você mexer mais uma vez nessa gravata, Luca — ela disse, sua voz firme, quase um comando, "arrancarei sua mão." Não havia dúvida em suas palavras, nem mesmo em seu tom.Mamma era a única pessoa no mundo que ainda conseguia mandar em mim aos 34 anos de idade, com a autoridade de um império. Ela não tolerava desatenção, especialmente em momentos como aquele.Ajeitei o colarinho e dei uma última olhada em minha roupa. O terno estava perfeito, cortado sob medida, como sempre. Mas o maldito maluco no porto me fazia querer sair dali e resolver as coisas à força. Eu detestava lidar com traidores, mas Mamma sempre dizia: "O verdadeiro poder é silencioso, Luca. Não se perde tempo com gritos."Ainda inquieto, me virei para ela, buscando algum tipo de conselho ou distração.— Eu detesto esses malditos jantares. — mu