Capítulo 4: Elena Santoro

A mesa estava iluminada apenas por velas, o ambiente opressor e formal. A comida, excelente como se esperava, estava sendo servida em silêncio, mas o verdadeiro banquete parecia estar acontecendo nas conversas, as palavras disfarçadas de elogios e investigações disfarçadas de casualidade. Eu, como sempre, mantinha minha postura impecável, minhas mãos delicadamente repousadas sobre o colo, e as palavras escolhidas com extremo cuidado.

Athena, a mãe de Luca, falava com minha mãe, Marie, sobre a educação que eu havia recebido. Seus olhos, frios e calculistas, estavam fixos em minha mãe, mas eu podia sentir o peso do olhar de Luca em mim, tão pesado que parecia que eu estava sendo analisada por dentro, como se ele buscasse entender cada pedaço de mim que eu tentava esconder.

— A Elena sempre foi muito dedicada aos estudos — minha mãe começou, com um sorriso orgulhoso no rosto. — Ela estudou nas melhores escolas de etiqueta, se formou em três idiomas e ainda teve uma educação política bastante sólida. Ela conhece bem os protocolos e sabe como lidar com as situações mais delicadas.

Ela olhou para minha mãe, com um toque de autoridade, como se estivesse defendendo cada detalhe de meu treinamento.

Athena assentiu, sem esconder o leve sorriso de aprovação.

— Isso é o que a Cosa Nostra exige. Uma mulher que saiba se portar, que tenha educação e um entendimento claro sobre o poder e o papel que desempenha ao lado de um homem como Luca. — Ela pausou por um momento, olhando diretamente para ele, o olhar de satisfação claro. — Ela será uma matriarca exemplar, sem dúvida.

Eu senti minhas bochechas queimarem, uma onda de calor subindo por minha pele. Não por causa das palavras de minha mãe, que não faziam mais do que confirmar o que eu sabia ser verdade, mas pela maneira como Luca ainda não tirava os olhos de mim.

Ele estava sentado à minha direita, e mesmo com a conversa fluindo ao nosso redor, ele não desviava o olhar, como se estivesse examinando cada reação minha, cada gesto, como se estivesse esperando por algo, algum sinal que ele soubesse que não viria.

Eu engulo em seco, tentando não me deixar afetar por sua presença avassaladora. O que ele queria de mim? Um sinal de rendição? De aceitação? Ou ele apenas queria ver se eu era realmente a mulher que ele precisava para sua família, sem fraquezas, sem dúvidas?

— Não tenho dúvidas disso — Luca falou, sua voz suave, mas carregada de uma intensidade que não escapava dos meus ouvidos. Ele finalmente desviou os olhos de mim, mas não o suficiente para que a tensão no ar diminuísse. — Ela tem a educação necessária para o que está por vir. É o que todos esperam.

Ele deu um sorriso enigmático, os olhos ainda observando-me com a mesma intensidade.

Eu queria dizer algo, mas as palavras se perderam na minha garganta. Como responder a isso? Ele não estava me elogiando, estava apenas afirmando o óbvio, como se minha educação fosse apenas uma parte de um jogo maior, algo que fazia parte do que eu era agora, como se eu fosse uma peça em um tabuleiro que ele já conhecia bem.

— Sim, a educação dela é realmente impressionante — meu pai acrescentou, com um sorriso orgulhoso no rosto. — Ela foi moldada para ser a mulher certa ao lado de um homem com a importância de Luca.

Mais uma vez, o calor se espalhou pelo meu rosto. A impressão que eu tinha, o que me causava tanta inquietação, era que eu estava sendo observada não apenas como uma filha bem educada, mas como um objeto, algo a ser adquirido e moldado conforme as necessidades de uma família imponente como a dele. E isso me causava uma revolta silenciosa, uma sensação de impotência que eu não sabia como lidar.

Mas Luca não parecia notar minha inquietação. Ele apenas me observava, ainda com aquele sorriso leve nos lábios, como se soubesse exatamente o efeito que causava em mim, como se estivesse jogando um jogo onde eu não sabia as regras.

A conversa continuou ao nosso redor, mas eu mal consegui prestar atenção em qualquer outra palavra. Eu estava perdida nos meus próprios pensamentos, tentando entender o que estava acontecendo dentro de mim, o que significava tudo aquilo. Eu já sabia que estava sendo entregue a ele. Sabia que meu destino estava selado. Mas a maneira como ele me olhava... aquilo mexia comigo de uma forma que eu não conseguia compreender.

                                                                                   ***

O jantar havia terminado há algum tempo, mas os ecos da conversa ainda pairavam no ar. Todos se retiraram para seus quartos, deixando a casa silenciosa. Apesar da formalidade que sempre acompanhava esses encontros, Athena, a mãe de Luca, fez questão de nos receber com uma simpatia desconcertante. Ela insistiu para que provássemos todas as sobremesas, algo que minha mãe nunca teria permitido. Desserts eram um luxo que eu raramente podia me dar, e sempre me lembro de sua preocupação sobre minha aparência. Uma princesa acima do peso, afinal, não era boa para os negócios.

Foi com uma certa liberdade que finalmente saí da sala de jantar, agradecendo ao impulso de querer escapar um pouco da atmosfera carregada de conversas políticas e obrigações. A brisa fresca da noite me tocou o rosto assim que pisei no jardim, e os sons suaves da natureza — o farfalhar das folhas, o canto distante de algum inseto noturno — eram um alívio após as horas de tensão que passei à mesa. A lua estava alta no céu, iluminando tudo ao redor com uma suavidade que contrastava com a dureza da vida que eu estava prestes a viver. 

Foi então que ouvi os passos suaves atrás de mim. Antes que eu pudesse me virar, uma sombra se aproximou e se sentou ao meu lado. Não precisei olhar para saber quem era. O aroma de seu perfume, algo leve e imponente ao mesmo tempo, preencheu o espaço entre nós.

Luca.

Eu me mantive quieta, não querendo encará-lo diretamente. Aproveitei o momento para observá-lo sem ser vista. O maxilar dele estava marcado pela barba por fazer, que deixava uma impressão de masculinidade rústica, um contraste com a suavidade de seu rosto. Seus cabelos castanhos claros caíam um pouco sobre a testa, e seus olhos, aqueles olhos verdes, eram intensos, como se observassem e analisassem cada movimento meu, como se me devorassem sem que eu soubesse como reagir.

Quando finalmente o encarei, senti minha postura se endurecer. O calor subiu pelo meu rosto, e meu corpo automaticamente se posicionou para longe dele, como se minha mente soubesse o que estava por vir e meu corpo não estivesse preparado.

— Eu também gosto de sair para o jardim depois que todos se retiram — Luca disse, sua voz baixa, mas com um tom que parecia brincar com o silêncio. — É o único momento em que posso respirar um pouco.

Fiquei em silêncio por um momento, tentando encontrar uma resposta, até que, finalmente, eu perguntei, quase sem querer:

— Você foge, então?

Ele riu suavemente, o som de sua risada mais quente do que eu imaginava.

— Em uma posição como a minha, fugir é sempre uma opção. Mas, no fundo, sei que isso nunca será suficiente.

Aquilo me atingiu de forma inesperada, um pequeno toque de humanidade que não esperava encontrar em alguém tão imerso no mundo da máfia. Eu o observei, tentando entender o que ele queria dizer.

— Deve ser um fardo difícil.

— Em um mundo como o nosso, não existe escolha — respondeu com uma calma que me desarmou. — Mas ele pode se tornar mais leve com a companhia certa ao lado.

Essas palavras me fizeram sentir algo que não consegui controlar. Meu rosto queimou novamente sob o peso de seu olhar, e meu coração disparou sem aviso. Ele havia falado com tanta naturalidade, como se estivesse falando sobre o peso do universo, e de repente, aquilo tudo parecia muito real, muito próximo. Mais uma vez, ele estava me testando, ou talvez apenas me observando com atenção para ver como eu reagiria.

Antes que eu pudesse processar mais, Luca se levantou, interrompendo o silêncio novamente. Ele me olhou uma última vez, a expressão em seu rosto impossível de decifrar.

— Eu não vou atrapalhar a sua fuga, Elena — disse com um sorriso leve, mas firme. 

E com isso, ele se afastou, seus passos se distanciando rapidamente até que o som dos seus sapatos sobre o cascalho finalmente se dissipou na noite, e ele voltou para dentro, deixando-me sozinha novamente.

Fiquei ali por um longo tempo, sentindo a brisa fresca, tentando entender o que acabara de acontecer. Eu estava assustada. Assustada com as palavras de Luca, com a maneira como ele olhava para mim, com a forma como ele conseguia fazer meu coração bater mais rápido apenas com um simples gesto ou uma frase.

O medo ainda estava lá, mas agora havia algo mais, algo que eu não sabia como lidar.

E, de alguma forma, eu sabia que isso só estava começando.

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