A noite estava quente, e o aroma de jasmim e vinho pairava no ar conforme eu caminhava entre as mesas dispostas pelo jardim. Os cumprimentos eram previsíveis, palavras formais, apertos de mãos firmes, olhares que diziam mais do que qualquer saudação poderia expressar. Ao meu lado, minha mãe mantinha a postura impecável de sempre, cumprimentando os convidados com a graça e a autoridade que sempre exerceu dentro da Cosa Nostra.
— Esta noite marca o início de uma nova era, Luca — ela disse suavemente, sem desviar os olhos de um dos capos que se aproximava. — Alguém tomará o meu lugar ao seu lado. Uma mulher escolhida para governar com você. Deve respeitá-la.
Eu sabia disso. Sabia de tudo. E, ainda assim, a ideia de um casamento arranjado, de dividir minha vida com alguém que nunca escolhi, era um peso que eu carregava em silêncio. Mas eu era um homem fiel à minha casa, à minha instituição. Os sentimentos pessoais não tinham lugar aqui. O que importava era a família, a honra e o poder.
De repente, minha mãe parou. Senti a tensão ao meu redor, e quando ergui o olhar, compreendi o motivo. Todos os olhos estavam voltados para a escadaria que levava ao jardim. E então, eu a vi.
Elena descia os degraus ao lado dos pais, com a elegância de uma rainha. O vestido de seda branco moldava seu corpo pequeno e curvilíneo com precisão, parando logo abaixo dos joelhos. As mangas caíam suavemente sobre os ombros, delineando os seios fartos, enquanto alguns fios soltos de seu cabelo loiro repousavam ali, como um toque acidental de perfeição. Sua aparência era angelical. Inocente. E, ao mesmo tempo, arrebatedora.
Minha mandíbula ficou tensa quando percebi o efeito que ela causava. Nos olhares ao redor, havia respeito, desejo, até inveja. Mas era o olhar dela que me intrigava mais. Havia algo ali, algo que eu ainda não conseguia decifrar.
Os três se aproximaram, e cumprimentamos uns aos outros com formalidade. Minha mãe, sempre cordial, recebeu os pais de Elena como aliados preciosos, enquanto eu mantinha minha atenção na mulher diante de mim.
Então, segurei sua mão, trazendo-a até meus lábios. Seu perfume era discreto, mas envolvente. O toque de sua pele era quente, firme, sem hesitação aparente. Eu poderia estar enganado, mas tive a impressão de que sua respiração vacilou por um instante.
Puxei a cadeira para que se sentasse ao meu lado, e quando ela obedeceu sem questionar, senti algo se instalar em meu peito. Uma certeza. Uma promessa silenciosa.
Ela era minha.
O jantar prosseguia com elegância, o tilintar de taças se misturando às conversas em tons baixos e respeitosos. Meu olhar recaía sobre Elena a cada instante, observando sua postura impecável, a maneira como respondia com graça aos elogios e cumprimentos. Cada gesto dela parecia calculado, como se já tivesse nascido para ocupar esse lugar ao meu lado.
Entre um prato e outro, quando o silêncio se acomodou por um breve momento, estendi a mão sobre a dela. Meus dedos repousaram ali, firmes, sem pressionar, apenas sentindo o calor de sua pele. Um leve estremecer passou por seus dedos, quase imperceptível, mas o suficiente para me fazer perceber que, sob toda aquela graça e autocontrole, havia algo mais.
— Está aproveitando a noite? — perguntei, minha voz baixa, carregada de curiosidade.
Os olhos dela encontraram os meus, e um pequeno sorriso se formou em seus lábios antes que respondesse.
— O jantar está impecável. A comida da Itália tem me deixado mal acostumada.
Arqueei um dos cantos da boca, satisfeito.
— Então ficará ainda melhor nos próximos dias. Ainda não conheceu nossas confeitarias. Tenho certeza de que vai gostar.
O ambiente entre nós se tornou mais leve, uma pausa bem-vinda na formalidade da noite. Mas antes que pudesse prolongar esse momento, a voz da minha mãe se ergueu, chamando a atenção de todos.
— Chegou o momento de assinarmos o contrato.
Soltei sua mão e me levantei, estendendo a outra para ajudá-la. Ela colocou a ponta dos dedos sobre os meus com compostura, como se cada gesto fosse parte de uma coreografia ensaiada. Ao nosso redor, o murmúrio entre os convidados foi cessando conforme Matia se aproximava com o documento.
Ergui minha taça e minha voz preencheu o espaço, firme e sem hesitação.
— Esta noite marca um novo capítulo para nossa família. Hoje, damos as boas-vindas a uma matriarca honrada e digna de governar ao meu lado. Que esta união fortaleça nossos laços e nos leve a um futuro próspero. A Elena!
O brinde foi entoado por todos, mas minha atenção se manteve nela. Seus olhos se prenderam aos meus, como se um ímã nos conectasse, e por um instante, parecia que éramos apenas nós ali.
Peguei a caneta e assinei o contrato sem hesitação. Em seguida, entreguei-a para Elena. Ela segurou o objeto com firmeza e deslizou a tinta sobre o papel, selando seu destino. Nossos pais assinaram em seguida, formalizando o compromisso diante de todas as testemunhas.
O tilintar das taças ecoou pelo jardim, brindes eram trocados ao nosso redor, mas minha atenção permaneceu nela. Inclinei-me, aproximando meus lábios de seu ouvido, a voz baixa, carregada de algo provocador.
— Agora você é oficialmente minha.
Senti a satisfação me percorrer quando vi o rubor tomar suas bochechas sob a luz dourada da noite.
A noite em Palermo era pesada, carregada de umidade salgada que grudava na pele como um aviso silencioso. Eu havia acabado de sair do jantar de assinatura do contrato de casamento com Elena. A cerimônia foi tão formal quanto esperado: sorrisos falsos, brindes vazios e aquele olhar de desespero nos olhos da princesa que tentava disfarçar com uma postura impecável. Ela era forte, eu dava isso a ela. Mas não era hora de pensar em Elena. Agora, eu tinha negócios mais urgentes para resolver.Matia, meu irmão e subchefe, já estava no carro me esperando, com Pietro, meu conselheiro, ao seu lado. Pietro era um homem de poucas palavras, mas cada uma delas valia seu peso em ouro. Ele era o cérebro por trás de muitas das minhas decisões, e eu confiava nele como confiava em poucos. Matia, por outro lado, era sangue do meu sangue. Leal até a morte, mas impulsivo como um furacão. Juntos, éramos a tríade que mantinha a Cosa Nostra em pé.O carro deslizou pelas ruas estreitas de Palermo até chegarmos
A brisa salgada da noite acariciava minha pele enquanto eu permanecia sentada no banco de pedra, cercada pelo perfume das magnólias que resistiam ao vento marítimo. O som das ondas quebrando nas rochas abaixo da mansão era quase hipnótico, um ritmo constante que contrastava com o turbilhão dentro de mim. Não importava quantas vezes eu tentasse, o sono me escapava.Minhas mãos descansavam no colo, entrelaçadas, enquanto meus pensamentos se perdiam no desconhecido do futuro. O casamento havia sido selado em papel, e dentro de dias seria selado perante o mundo. Como matriarca da Cosa Nostra, quais seriam meus deveres? Quais os sacrifícios que ainda teriam que ser feitos?Eu nunca conheci liberdade, apenas uma coleira dourada que mudava de formato ao longo dos anos. Mas agora, ironicamente, o casamento que deveria me aprisionar parecia prestes a me dar algo diferente. Um lugar
As luzes douradas do ateliê refletiam nos espelhos altos, multiplicando os vestidos espalhados pelo salão. Camadas e mais camadas de tecidos volumosos, rendas pesadas e brilhos exagerados me envolviam como uma fortaleza opressiva. Eu estava sentada no pequeno tablado de provas, cercada por tule e seda bordada, enquanto minha mãe e minha futura sogra debatiam acaloradamente sobre qual modelo era digno de um casamento como o meu.— Esse tem presença! — minha mãe exclamou, apontando para um vestido com uma saia tão ampla que poderia engolir metade da sala.— Mas esse aqui tem mais sofisticação! — a sogra rebateu, puxando outro modelo ainda mais exagerado, coberto de bordados brilhantes.Eu respirei fundo, minhas mãos apertando o tecido do vestido que estava usando. Pesado, volumoso, sufocante. Assim como tudo naquele casamento. Como toda a min
O motor do carro roncava baixo enquanto eu dirigia pelas ruas estreitas da cidade, os faróis cortando a escuridão da noite. Matia estava ao meu lado, sentado no banco do passageiro, os dedos batendo levemente no joelho, como sempre fazia quando estava prestes a dizer algo que sabia que eu não queria ouvir. Eu conhecia meu irmão melhor do que ninguém. Ele era a parte sensata de nós dois, o equilíbrio que eu precisava. Por isso o escolhi como meu subchefe. A Cosa Nostra precisava de um líder forte, mas também de alguém sábio e inteligente. E Matia era exatamente isso.Mas, às vezes, eu odiava como ele sempre parecia saber o que eu estava pensando.— Luca — ele começou, a voz calma, mas firme. — Você quer me dizer por que decidiu aparecer no ateliê hoje.Eu não respondi de imediato, mantendo os olhos fixos na estrada. Sabia que ele não ia gostar da resposta. Matia sempre foi direto, e eu sempre fui teimoso. Era uma dinâmica que funcionava, mas que também gerava atritos.— Só queria me cer
A madrugada em Palermo é silenciosa, tão silenciosa que parece que até o vento respeita o código de mudeza que paira sobre esta cidade. Outra noite em que o sono não vem. Viro na cama, o eco dos meus pensamentos mais alto que o tic-tac do relógio na parede. A mansão dos Grecco, este pequeno castelo sombrio, parece respirar segredos. Os funcionários mal falam comigo, seus olhares sempre fugidios, como se eu fosse uma intrusa em um mundo que não me pertence. E talvez eu seja.Mas hoje, a curiosidade vence o medo. Levanto-me da cama, envolta em um roupão fino, e deslizo pelos corredores escuros. As escadas rangem sob meus pés descalços, mas não há ninguém para me ouvir. Luca não está em casa. Ele nunca está. As noites são dele, e eu não me permito pensar no que ele faz enquanto a lua brilha sobre Palermo.O terceiro andar é proibido para mim, mas é justamente por isso que vou. A ala de Luca é um mistério que não consigo ignorar. Os corredores são estreitos, as paredes adornadas com quadr
Eu a vejo antes que ela me veja. Elena está ali, no meio do meu escritório, segurando aquela pasta como se fosse a única coisa que a mantivesse de pé. Meu sangue ferve. Ela não deveria estar aqui. Ninguém deveria estar aqui. Mas é ela. E aqueles papéis... aqueles papéis que eu guardei por anos, escondidos até de mim mesmo, estão agora em suas mãos.— O que você está fazendo aqui?Minha voz soa mais áspera do que eu pretendia, mas não consigo ajudá-lo. Ela se vira, os olhos arregalados, como uma presa acuada. Os papéis voam pelo chão, e eu vejo a confusão, o medo, a curiosidade em seu rosto. Ela gagueja algo sobre insônia, sobre não conseguir dormir. Insônia? É essa a desculpa que ela me dá?— Então você achou que seria uma boa ideia bisbilhotar? — Pergunto, avançando em sua direção. Cada passo que dou parece ecoar no silêncio da sala. Ela se agarra aos papéis como se fossem sua salvação, como se eu fosse arrancá-los de suas mãos a qualquer momento. E talvez eu devesse. Mas há algo em
O sol da manhã entra suavemente pela janela do meu quarto, iluminando o vestido de noiva que penduram na frente do espelho. É um vestido deslumbrante, cheio de detalhes em renda e pérolas, digno de uma princesa. Mas quando olho para ele, sinto um nó no estômago. Não consigo ver beleza ali, apenas um símbolo do que minha vida se tornou: uma gaiola dourada.Os preparativos para o casamento estão em pleno andamento. A mansão está cheia de pessoas – costureiras, floristas, decoradores – todos ocupados, todos falando ao mesmo tempo. É um caos organizado, mas eu me sinto distante, como se estivesse observando tudo de fora. Minha mente não para de vagar para a noite passada, para aquela conversa com Luca no escritório."O seu pai, Elena, foi o mandante da morte do meu pai."As palavras dele ecoam na minha cabeça, uma sentença que não consi
Eu não queria mais pedaços soltos, fragmentos de histórias distorcidas para se encaixarem nos interesses do meu pai. Cansei de ser moldada para ser um presente, uma peça no tabuleiro dele. Precisava ouvir a verdade, diretamente da boca de Luca.— Quero que você me conte. — Minha voz saiu firme, apesar do nó na garganta. — Estou cansada de ser usada, de ser protegida como uma extensão dos planos do meu pai. Não quero mais documentos ou meias-verdades. Eu quero ouvir de você.Luca me olhou por um longo tempo. Eu pude ver o conflito dentro dele, o peso do que estava prestes a dizer. Mas, acima de tudo, eu vi algo que nunca encontrei nos olhos de nenhum homem antes: proteção.—Senta aqui comigo. — Ele disse, batendo levemente no sofá ao lado dele.Obedeci, sentando ao seu lado sem desviar os