A noite caía sobre Palermo, tingindo o céu com tons de violeta e dourado. Da sacada do meu quarto, eu observava os jardins iluminados por pequenas lanternas penduradas nos galhos das oliveiras, onde homens engravatados e mulheres em vestidos refinados se moviam como sombras dançando sob a luz. Todas as famílias aliadas à Cosa Nostra estavam ali para prestigiar a assinatura do contrato de casamento. A união que selaria um pacto de sangue, de poder. E a mim, caberia o papel da noiva obediente.
Minha mãe trabalhava nos últimos retoques do meu cabelo, suas mãos precisas prendendo uma mecha solta atrás da orelha, enquanto uma das empregadas subia o zíper do vestido de seda branca. O tecido era frio contra minha pele, pesado de significados que eu ainda não ousava nomear.
— Você está perfeita, Elena — disse minha mãe, sua voz b
A noite estava quente, e o aroma de jasmim e vinho pairava no ar conforme eu caminhava entre as mesas dispostas pelo jardim. Os cumprimentos eram previsíveis, palavras formais, apertos de mãos firmes, olhares que diziam mais do que qualquer saudação poderia expressar. Ao meu lado, minha mãe mantinha a postura impecável de sempre, cumprimentando os convidados com a graça e a autoridade que sempre exerceu dentro da Cosa Nostra.— Esta noite marca o início de uma nova era, Luca — ela disse suavemente, sem desviar os olhos de um dos capos que se aproximava. — Alguém tomará o meu lugar ao seu lado. Uma mulher escolhida para governar com você. Deve respeitá-la.Eu sabia disso. Sabia de tudo. E, ainda assim, a ideia de um casamento arranjado, de dividir minha vida com alguém que nunca escolhi, era um peso que eu carregava em silêncio. Mas eu era um homem fiel à minha casa, à minha instituição. Os sentimentos pessoais não tinham lugar a
A noite em Palermo era pesada, carregada de umidade salgada que grudava na pele como um aviso silencioso. Eu havia acabado de sair do jantar de assinatura do contrato de casamento com Elena. A cerimônia foi tão formal quanto esperado: sorrisos falsos, brindes vazios e aquele olhar de desespero nos olhos da princesa que tentava disfarçar com uma postura impecável. Ela era forte, eu dava isso a ela. Mas não era hora de pensar em Elena. Agora, eu tinha negócios mais urgentes para resolver.Matia, meu irmão e subchefe, já estava no carro me esperando, com Pietro, meu conselheiro, ao seu lado. Pietro era um homem de poucas palavras, mas cada uma delas valia seu peso em ouro. Ele era o cérebro por trás de muitas das minhas decisões, e eu confiava nele como confiava em poucos. Matia, por outro lado, era sangue do meu sangue. Leal até a morte, mas impulsivo como um furacão. Juntos, éramos a tríade que mantinha a Cosa Nostra em pé.O carro deslizou pelas ruas estreitas de Palermo até chegarmos
Seis anos antes...A catedral estava mergulhada na penumbra, iluminada apenas pelas velas que tremulavam em um ritmo irregular. O som dos meus passos ecoava pelo chão de mármore, cada batida lembrando que, a partir desta noite, minha vida não era mais minha. Era da Cosa Nostra.Olhei ao redor, permitindo que meus olhos percorressem cada banco. Todos os rostos estavam voltados para mim — aliados, cúmplices, homens e mulheres que deviam suas vidas e fortunas à minha família. Cada um deles estava aqui para testemunhar minha ascensão, para ver o filho de Salvatore De Luca tomar o lugar de seu pai.Meu olhar parou nos últimos bancos, onde estavam os Santoros. Sempre tão distintos, sempre escondidos sob a fachada impecável de uma família nobre, mas nós dois sabíamos o que eles realmente eram. O patriarca deles me lançou um breve aceno de cabeça, mas meu interesse não estava nele. Estava na garota ao seu lado.Ela estava parcialmente escondida pela escuridão, o rosto iluminado apenas pela lu
O silêncio dentro do carro é opressor.Os bancos de couro creme refletem a luz suave que entra pelas janelas, mas nada ali consegue aquecer a sensação de vazio que me toma. Meu pai está ao volante, os olhos fixos na estrada, sua expressão intransigente como sempre. Minha mãe, ao meu lado, olha pela janela, como se estivesse distante, em outro lugar. Em algum lugar onde a dor do momento não fosse tão real.Eu, por outro lado, não consigo desviar o olhar da barra do meu vestido azul. A delicadeza do tecido contra a minha pele parece quase zombar da minha incapacidade de escolher o próprio futuro. Cada fibra, cada detalhe cuidadosamente escolhido para ser a perfeita apresentação do que sou — uma obra de arte, mas apenas para ser admirada, não tocada.Hoje, meu futuro marido finalmente me verá. A imagem que sempre me foi vendida, o homem que todas as lendas falam. Mas para mim, ele não é mais do que uma sombra. Uma promessa de um destino que não escolhi.Os cabelos loiros, cuidadosamente
O avião toca o solo de Palermo com uma suavidade que quase passa despercebida pela minha mente, atolada em pensamentos sombrios. Quando as portas do jato se abrem, uma brisa fresca da Sicília invade o ambiente, mas não é o suficiente para afastar o peso em meu peito. O cheiro do mar, misturado com a terra quente, faz minha cabeça girar por um instante, como se o futuro me puxasse para uma realidade que eu nunca quis.Matia, o subchefe da Cosa Nostra, espera por nós na pista, um homem de presença imponente e olhos calculistas. Ao seu lado, estão os soldados, homens com rostos duros, tatuagens visíveis, sempre em alerta. Eles nos recebem com um cumprimento formal, mas nenhum deles oferece um sorriso. Somos guiados até uma grande limusine preta, a qual nos leva em silêncio por ruas estreitas e sinuosas até a base da montanha.A mansão do Don, erguida sobre a rocha, parece surgir do próprio coração da terra. Uma construção maciça, imponente, com paredes de pedra que parecem ser parte da p
Eu estava diante do espelho, ajustando o nó da gravata, quando minha mãe, Athena, entrou no quarto com aquele olhar de quem sabe o que está acontecendo antes mesmo de acontecer.— Se você mexer mais uma vez nessa gravata, Luca — ela disse, sua voz firme, quase um comando, "arrancarei sua mão." Não havia dúvida em suas palavras, nem mesmo em seu tom.Mamma era a única pessoa no mundo que ainda conseguia mandar em mim aos 34 anos de idade, com a autoridade de um império. Ela não tolerava desatenção, especialmente em momentos como aquele.Ajeitei o colarinho e dei uma última olhada em minha roupa. O terno estava perfeito, cortado sob medida, como sempre. Mas o maldito maluco no porto me fazia querer sair dali e resolver as coisas à força. Eu detestava lidar com traidores, mas Mamma sempre dizia: "O verdadeiro poder é silencioso, Luca. Não se perde tempo com gritos."Ainda inquieto, me virei para ela, buscando algum tipo de conselho ou distração.— Eu detesto esses malditos jantares. — mu
A mesa estava iluminada apenas por velas, o ambiente opressor e formal. A comida, excelente como se esperava, estava sendo servida em silêncio, mas o verdadeiro banquete parecia estar acontecendo nas conversas, as palavras disfarçadas de elogios e investigações disfarçadas de casualidade. Eu, como sempre, mantinha minha postura impecável, minhas mãos delicadamente repousadas sobre o colo, e as palavras escolhidas com extremo cuidado.Athena, a mãe de Luca, falava com minha mãe, Marie, sobre a educação que eu havia recebido. Seus olhos, frios e calculistas, estavam fixos em minha mãe, mas eu podia sentir o peso do olhar de Luca em mim, tão pesado que parecia que eu estava sendo analisada por dentro, como se ele buscasse entender cada pedaço de mim que eu tentava esconder.— A Elena sempre foi muito dedicada aos estudos — minha mãe começou, com um sorriso orgulhoso no rosto. — Ela estudou nas melhores escolas de etiqueta, se formou em três idiomas e ainda teve uma educação política bast
O silêncio pairava sobre a sala como uma lâmina prestes a cair. Homens de rostos endurecidos, leais à Cosa Nostra – ou assim afirmavam ser – me observavam ao redor da mesa de mogno escuro. Olhos calculistas. Alguns, desafiadores. Outros, inseguros. Mas nenhum ousava desviar o olhar quando eu falava.A informação tinha chegado a mim mais cedo, um sussurro camuflado no submundo, carregado pelo vento de Palermo: há um traidor entre nós.Cruzei os dedos sobre a mesa, mantendo a postura firme. Eu não demonstraria fraqueza. Eles não me viam como um homem comum. Eu era o Don. O sangue e o suor de gerações estavam no peso do meu nome.— Recebi uma denúncia. — Minha voz soou fria, controlada. — Alguém aqui acredita que pode me trair e sair impune.Os homens se entreolharam. O ambiente se tornou mais tenso. Meu olhar varreu cada rosto presente. Eu conhecia cada um deles. Conhecia suas famílias, suas histórias, seus medos. Sabia exatamente até onde cada um estaria disposto a ir por poder.— Isso