O silêncio pairava sobre a sala como uma lâmina prestes a cair. Homens de rostos endurecidos, leais à Cosa Nostra – ou assim afirmavam ser – me observavam ao redor da mesa de mogno escuro. Olhos calculistas. Alguns, desafiadores. Outros, inseguros. Mas nenhum ousava desviar o olhar quando eu falava.
A informação tinha chegado a mim mais cedo, um sussurro camuflado no submundo, carregado pelo vento de Palermo: há um traidor entre nós.
Cruzei os dedos sobre a mesa, mantendo a postura firme. Eu não demonstraria fraqueza. Eles não me viam como um homem comum. Eu era o Don. O sangue e o suor de gerações estavam no peso do meu nome.
— Recebi uma denúncia. — Minha voz soou fria, controlada. — Alguém aqui acredita que pode me trair e sair impune.
Os homens se entreolharam. O ambiente se tornou mais tenso. Meu olhar varreu cada rosto presente. Eu conhecia cada um deles. Conhecia suas famílias, suas histórias, seus medos. Sabia exatamente até onde cada um estaria disposto a ir por poder.
— Isso é impossível, Don. — Marco, um dos capos aliados, balançou a cabeça, como se a ideia de uma traição dentro do nosso próprio conselho fosse absurda.
Sorri de lado, um sorriso sem humor.
— Impossível? — Me inclinei um pouco para frente, mantendo o olhar preso ao dele. — Nada é impossível quando se trata de ambição.
Ninguém respondeu. O silêncio era ensurdecedor.
Apoiei os antebraços sobre a mesa, deixando que minha presença pesasse sobre todos eles.
— Deixem-me ser muito claro. — Minha voz não tremeu. — Eu vou caçar cada um de vocês até descobrir quem são os ratos. E se algum de vocês estiver envolvido… — Meu olhar pousou sobre cada rosto, um a um, até que o peso de minhas palavras fosse sentido. — Melhor falar agora.
O ar parecia mais pesado. Vi alguns olhares se estreitarem, como se já suspeitassem de alguém. Outros permaneceram impassíveis.
— O silêncio, então? — inclinei a cabeça levemente. — Ótimo. Isso só significa que meu trabalho já começou.
Me encostei na cadeira, relaxando a postura, mas deixando bem claro que não era um recuo.
— Se há um traidor aqui… ele já está morto. Só ainda não sabe disso.
E eu faria questão de lembrá-lo.
O silêncio foi quebrado por vozes firmes.
— Eu sou leal ao Don. — A voz de Vito, um dos capos mais antigos, ecoou pela sala. — Desde que assumiu, Luca elevou esta família a um patamar que jamais alcançamos. Todos sabemos disso.
Outros assentiram.
— Sob seu domínio, a Cosa Nostra nunca foi tão forte. — Paolo, um dos mais estratégicos do conselho, falou com convicção. — Quem ousaria trair o homem que nos deu tudo?
Observei as reações. Eram palavras ditas com fervor, mas confiança cega não me interessava. Eu queria certezas. Queria resultados.
Então, olhei para Matia. Meu irmão. Meu subchefe. Ele permaneceu calado enquanto os outros se manifestavam, mas seu olhar carregava um peso diferente.
— Matia. — Meu tom foi um chamado direto, firme. — O que você tem para me dizer?
Ele inspirou fundo, inclinando-se ligeiramente para frente, tomando a palavra como se soubesse que mudaria o rumo daquela reunião.
— Há rumores. — Sua voz era baixa, mas carregada de gravidade. — Indícios de que o ataque não é apenas contra você.
Meus olhos se estreitaram.
— Fale logo.
— Há um plano para tirar a vida de Elena.
A sala explodiu em alvoroço. Murmúrios, olhares se cruzando, expressões de choque e incredulidade. Todos ali sabiam o peso daquela informação. Atentar contra a vida da futura matriarca da família não era apenas traição — era um crime que exigia uma punição brutal. Não apenas para o responsável, mas para toda a sua linhagem.
— Isso é impossível! — Um dos homens esbravejou.
— Quem ousaria tamanha afronta?!
— Isso significa guerra!
Ergui uma das mãos e o silêncio voltou como uma onda esmagadora.
Meus dedos tamborilaram contra o tampo da mesa enquanto eu absorvia a informação. Minha mente trabalhava rápido, analisando possibilidades, alinhando os próximos movimentos.
— Você tem provas? — perguntei a Matia, minha voz baixa, mas carregada de ameaça.
Ele sustentou meu olhar.
— Apenas indícios. Fontes confiáveis, mas nada concreto ainda.
Respirei fundo, sentindo o peso da informação.
— Então vamos transformar indícios em provas. — Me levantei lentamente, deixando meu olhar pesar sobre cada um deles. — E vamos transformar provas em sentenças.
Me inclinei levemente para frente.
— Se alguém ousa levantar a mão contra Elena… essa pessoa e todos os que a cercam pagarão o preço.
Minha promessa era clara. O traidor estava condenado.
E eu, Luca, Don da Cosa Nostra, garantiria que sua punição servisse de exemplo de ninguém tocaria em um fio de cabelo da minha esposa.
A noite caía sobre Palermo, tingindo o céu com tons de violeta e dourado. Da sacada do meu quarto, eu observava os jardins iluminados por pequenas lanternas penduradas nos galhos das oliveiras, onde homens engravatados e mulheres em vestidos refinados se moviam como sombras dançando sob a luz. Todas as famílias aliadas à Cosa Nostra estavam ali para prestigiar a assinatura do contrato de casamento. A união que selaria um pacto de sangue, de poder. E a mim, caberia o papel da noiva obediente.Minha mãe trabalhava nos últimos retoques do meu cabelo, suas mãos precisas prendendo uma mecha solta atrás da orelha, enquanto uma das empregadas subia o zíper do vestido de seda branca. O tecido era frio contra minha pele, pesado de significados que eu ainda não ousava nomear.— Você está perfeita, Elena — disse minha mãe, sua voz b
A noite estava quente, e o aroma de jasmim e vinho pairava no ar conforme eu caminhava entre as mesas dispostas pelo jardim. Os cumprimentos eram previsíveis, palavras formais, apertos de mãos firmes, olhares que diziam mais do que qualquer saudação poderia expressar. Ao meu lado, minha mãe mantinha a postura impecável de sempre, cumprimentando os convidados com a graça e a autoridade que sempre exerceu dentro da Cosa Nostra.— Esta noite marca o início de uma nova era, Luca — ela disse suavemente, sem desviar os olhos de um dos capos que se aproximava. — Alguém tomará o meu lugar ao seu lado. Uma mulher escolhida para governar com você. Deve respeitá-la.Eu sabia disso. Sabia de tudo. E, ainda assim, a ideia de um casamento arranjado, de dividir minha vida com alguém que nunca escolhi, era um peso que eu carregava em silêncio. Mas eu era um homem fiel à minha casa, à minha instituição. Os sentimentos pessoais não tinham lugar a
A noite em Palermo era pesada, carregada de umidade salgada que grudava na pele como um aviso silencioso. Eu havia acabado de sair do jantar de assinatura do contrato de casamento com Elena. A cerimônia foi tão formal quanto esperado: sorrisos falsos, brindes vazios e aquele olhar de desespero nos olhos da princesa que tentava disfarçar com uma postura impecável. Ela era forte, eu dava isso a ela. Mas não era hora de pensar em Elena. Agora, eu tinha negócios mais urgentes para resolver.Matia, meu irmão e subchefe, já estava no carro me esperando, com Pietro, meu conselheiro, ao seu lado. Pietro era um homem de poucas palavras, mas cada uma delas valia seu peso em ouro. Ele era o cérebro por trás de muitas das minhas decisões, e eu confiava nele como confiava em poucos. Matia, por outro lado, era sangue do meu sangue. Leal até a morte, mas impulsivo como um furacão. Juntos, éramos a tríade que mantinha a Cosa Nostra em pé.O carro deslizou pelas ruas estreitas de Palermo até chegarmos
A brisa salgada da noite acariciava minha pele enquanto eu permanecia sentada no banco de pedra, cercada pelo perfume das magnólias que resistiam ao vento marítimo. O som das ondas quebrando nas rochas abaixo da mansão era quase hipnótico, um ritmo constante que contrastava com o turbilhão dentro de mim. Não importava quantas vezes eu tentasse, o sono me escapava.Minhas mãos descansavam no colo, entrelaçadas, enquanto meus pensamentos se perdiam no desconhecido do futuro. O casamento havia sido selado em papel, e dentro de dias seria selado perante o mundo. Como matriarca da Cosa Nostra, quais seriam meus deveres? Quais os sacrifícios que ainda teriam que ser feitos?Eu nunca conheci liberdade, apenas uma coleira dourada que mudava de formato ao longo dos anos. Mas agora, ironicamente, o casamento que deveria me aprisionar parecia prestes a me dar algo diferente. Um lugar
As luzes douradas do ateliê refletiam nos espelhos altos, multiplicando os vestidos espalhados pelo salão. Camadas e mais camadas de tecidos volumosos, rendas pesadas e brilhos exagerados me envolviam como uma fortaleza opressiva. Eu estava sentada no pequeno tablado de provas, cercada por tule e seda bordada, enquanto minha mãe e minha futura sogra debatiam acaloradamente sobre qual modelo era digno de um casamento como o meu.— Esse tem presença! — minha mãe exclamou, apontando para um vestido com uma saia tão ampla que poderia engolir metade da sala.— Mas esse aqui tem mais sofisticação! — a sogra rebateu, puxando outro modelo ainda mais exagerado, coberto de bordados brilhantes.Eu respirei fundo, minhas mãos apertando o tecido do vestido que estava usando. Pesado, volumoso, sufocante. Assim como tudo naquele casamento. Como toda a min
O motor do carro roncava baixo enquanto eu dirigia pelas ruas estreitas da cidade, os faróis cortando a escuridão da noite. Matia estava ao meu lado, sentado no banco do passageiro, os dedos batendo levemente no joelho, como sempre fazia quando estava prestes a dizer algo que sabia que eu não queria ouvir. Eu conhecia meu irmão melhor do que ninguém. Ele era a parte sensata de nós dois, o equilíbrio que eu precisava. Por isso o escolhi como meu subchefe. A Cosa Nostra precisava de um líder forte, mas também de alguém sábio e inteligente. E Matia era exatamente isso.Mas, às vezes, eu odiava como ele sempre parecia saber o que eu estava pensando.— Luca — ele começou, a voz calma, mas firme. — Você quer me dizer por que decidiu aparecer no ateliê hoje.Eu não respondi de imediato, mantendo os olhos fixos na estrada. Sabia que ele não ia gostar da resposta. Matia sempre foi direto, e eu sempre fui teimoso. Era uma dinâmica que funcionava, mas que também gerava atritos.— Só queria me cer
A madrugada em Palermo é silenciosa, tão silenciosa que parece que até o vento respeita o código de mudeza que paira sobre esta cidade. Outra noite em que o sono não vem. Viro na cama, o eco dos meus pensamentos mais alto que o tic-tac do relógio na parede. A mansão dos Grecco, este pequeno castelo sombrio, parece respirar segredos. Os funcionários mal falam comigo, seus olhares sempre fugidios, como se eu fosse uma intrusa em um mundo que não me pertence. E talvez eu seja.Mas hoje, a curiosidade vence o medo. Levanto-me da cama, envolta em um roupão fino, e deslizo pelos corredores escuros. As escadas rangem sob meus pés descalços, mas não há ninguém para me ouvir. Luca não está em casa. Ele nunca está. As noites são dele, e eu não me permito pensar no que ele faz enquanto a lua brilha sobre Palermo.O terceiro andar é proibido para mim, mas é justamente por isso que vou. A ala de Luca é um mistério que não consigo ignorar. Os corredores são estreitos, as paredes adornadas com quadr
Eu a vejo antes que ela me veja. Elena está ali, no meio do meu escritório, segurando aquela pasta como se fosse a única coisa que a mantivesse de pé. Meu sangue ferve. Ela não deveria estar aqui. Ninguém deveria estar aqui. Mas é ela. E aqueles papéis... aqueles papéis que eu guardei por anos, escondidos até de mim mesmo, estão agora em suas mãos.— O que você está fazendo aqui?Minha voz soa mais áspera do que eu pretendia, mas não consigo ajudá-lo. Ela se vira, os olhos arregalados, como uma presa acuada. Os papéis voam pelo chão, e eu vejo a confusão, o medo, a curiosidade em seu rosto. Ela gagueja algo sobre insônia, sobre não conseguir dormir. Insônia? É essa a desculpa que ela me dá?— Então você achou que seria uma boa ideia bisbilhotar? — Pergunto, avançando em sua direção. Cada passo que dou parece ecoar no silêncio da sala. Ela se agarra aos papéis como se fossem sua salvação, como se eu fosse arrancá-los de suas mãos a qualquer momento. E talvez eu devesse. Mas há algo em