Algum tempo depois, quando consegui me recompor, voltei à sala. A cena que encontrei era quase surreal, um contraste completo com a tempestade que acabara de acontecer. A pequena cozinha parecia um mercado persa, com tecidos coloridos espalhados por todos os cantos. Liz e Kate estavam no centro da confusão, disputando pedaços de seda como duas crianças brigando por um brinquedo. Fiquei de lado, observando-as com um leve sorriso. Era quase terapêutico vê-las discutindo sobre estilos e estampas, como se o mundo fosse feito apenas de cores e texturas. — O que você acha, Holly? — Liz perguntou, segurando um corte de seda multicolorida e virando-se para mim com olhos brilhantes. — Não vai ficar melhor em mim do que em Kate? Observei as duas. Pareciam gêmeas à primeira vista, exceto por Kate ser mais miúda e magra. Decidi que não era sábio me intrometer nessa disputa. — De onde tirou essa conclusão? — Kate questionou, arqueando uma sobrancelha. — Não interessa. Eu quero este tecido
Quando a noite finalmente caiu, Tammy chegou à minha casa logo após o jantar. Suas bochechas estavam coradas pelo vento frio, e ela carregava seu típico sorriso caloroso, o tipo que sempre conseguia me tranquilizar, mesmo nos dias mais difíceis.— Pronta para encarar o escritório? — ela perguntou, tirando o cachecol e pendurando-o na cadeira perto da porta.— Pronta é uma palavra forte — respondi, tentando aliviar o peso que sentia nos ombros. — Mas vou encarar, de qualquer jeito.Ela riu baixinho, caminhando até a cozinha, onde Megan estava brincando com os meninos.— O que vocês estão aprontando por aqui? — Tammy perguntou, abaixando-se para abraçá-los.— Estamos desenhando! — Megan exclamou, segurando uma folha cheia de rabiscos coloridos.Os meninos mostraram seus desenhos também, animados com a visita de Tammy. A cena aqueceu meu coração por um momento, me lembrando que, mesmo com todas as dificuldades, eu tinha algo precioso para proteger: meus filhos.Tammy ergueu o olhar na mi
— Vamos entrar, querida — murmurou, tentando suavizar a situação. — Grady já foi embora, por que não vem me ajudar?Holly estendeu a mão para pegar a filha, mas Megan se soltou de seu abraço assim que o som do caminhão ficou mais próximo. O veículo estacionou do outro lado da rua, e Grady desceu, atravessando a calçada em direção a elas.— Eu ia para a cidade pegar a correspondência e pensei se Megan gostaria de dar um passeio comigo.— Eu quero! — Megan exclamou, seus olhos brilhando de entusiasmo.Holly olhou para a filha e sentiu a dor apertar ainda mais seu peito. Coisas tão simples, como um sorriso ou um gesto masculino, eram capazes de significar o mundo para aquela criança. Um nó se formou na garganta de Holly, e ela sentiu que não conseguiria mais conter as lágrimas. Queria virar as costas e desaparecer antes que Grady percebesse o que estava acontecendo, mas, no momento em que ela começou a se virar, Grady olhou diretamente para ela.Ele a observou por um instante, depois fra
A casa se erguia solitária no meio de um amplo terreno abandonado, onde o mato atingia mais de um metro de altura. A pintura branca, gasta pela contínua exposição ao tempo, estava descascando por toda a extensão das paredes, e a porta de tela, solta das dobradiças, estava caída na varanda. A madeira envelhecida dos batentes das janelas ainda revelava restos de tinta verde, e, de frente para a rua, um vidro quebrado brilhava como uma teia de aranha prateada sob o sol de fim de tarde. Apesar do mato, eu conseguia distinguir uma calçada de cimento em torno da residência, com plantas crescendo pelas rachaduras, revelando os vários meses de total negligência. Apenas as quatro grandes árvores alinhadas no fundo do terreno se salvavam da atmosfera de destruição e descaso que permeava todo o local.Apertei as mãos úmidas e respirei fundo antes de descer do caminhão, tentando disfarçar a profunda decepção que me invadiu. Por um breve instante, uma onda de pânico quase me dominou, mas consegui
Assim que a recém-chegada acenou para mim, abriu um sorriso ainda maior ao se aproximar. Era como se já nos conhecêssemos, e sua energia era quase contagiante. — Oi! Você é a Holly, certo? Eu a reconheci pelas fotos que sua avó me mostrava. Já estou aqui esperando desde cedo e achei que vocês não viriam mais! — Ela estendeu a mão quando chegou perto o suficiente. Seu rosto irradiava uma alegria genuína, refletindo sua natureza extrovertida. — Sou Liz Crawford, moro a duas casas daqui, descendo a rua. Seja bem-vinda a Jennings. — Obrigada — respondi, devolvendo o sorriso. — Também achei que não chegaríamos mais. Foi uma viagem longa. — Imagino, ainda mais com crianças, não é? — Liz riu, parecendo entender perfeitamente o que eu passara. — Os meus brigam, discutem e reclamam até estarmos a uns dez quilômetros de casa. Só então encostam a cabeça no banco e dormem. — Os meus passaram os últimos mil e duzentos quilômetros brigando pela janela. — Suspirei, lembrando da jornada exaustiv
Eu nunca me senti tão pressionada como no dia em que fui conversar com o advogado. Precisava urgentemente arranjar uma babá para as crianças. Não era justo continuar dependendo da boa vontade de Liz por muito tempo, mesmo sabendo que minhas condições financeiras estavam longe de permitir isso. Mas como eu pagaria? Acabara de gastar uma quantia considerável para instalar um telefone, e minhas economias estavam acabando depressa. Depois de comprar mantimentos e outros produtos essenciais para a casa, restaram-me exatamente quinhentos e quarenta dólares. Se eu controlasse rigorosamente cada centavo, poderia manter a família por mais umas seis semanas.— Sra. Simpson, o Sr. Brown vai recebê-la agora — avisou a secretária.Respirei fundo e, tensa, peguei a bolsa antes de me dirigir ao escritório que ela indicou. O homem magro, parado junto à escrivaninha abarrotada de papéis, levantou-se ao me ver entrar e estendeu a mão com um sorriso amistoso.— Sou Ned Brown. Seja bem-vinda à nossa cida
Eu afastei o cabelo do rosto e apoiei a cabeça na madeira fria da porta, sentindo o peso do desânimo no olhar. Precisava me lembrar constantemente dos aspectos positivos da minha situação: a casa estava paga, as crianças tinham saúde, e eu ainda era capaz de trabalhar duro. Poderia ser pior, eu dizia a mim mesma.Admirei o nascer do sol por mais alguns momentos, antes de desviar o olhar para a rua tranquila. A casa da minha avó era muito bem localizada. A rua em frente à propriedade já fora parte de uma auto-estrada, e, desde que a nova rodovia foi construída há alguns anos, tornou-se a principal via de acesso à cidade. Não havia muitos sinais de desenvolvimento na região, até a estrada de ferro: uma oficina reformada com uma grande placa dizendo "O'Neil Veículos", um posto de gasolina, a velha estação ferroviária e um grande prédio que pertencia a um comerciante de implementos agrícolas. Mais adiante, do outro lado dos trilhos, erguiam-se quatro enormes elevadores de grãos, que abast
Megan, por outro lado, sempre tentou agradar o pai, apesar de ele deixar claro que não a suportava. Ele vivia chamando-a de "bebê mimado", o que a tornou tímida e insegura. É curioso como os sentimentos se desenvolvem, pensei. Apesar de tudo, era Megan quem mais sentia falta dele. Já os meninos, especialmente Trevor, reagiram à morte de Derek com uma raiva que beirava o ódio, como se a morte fosse mais uma maneira dele os irritar.Entrei na sala com a xícara nas mãos, coloquei-a sobre a mesa e me agachei na frente do meu filho.— Você sente falta dele, Trevor? — perguntei suavemente.— Não — ele respondeu, balançando a cabeça e desviando o olhar.— Não tem problema nenhum falar sobre isso, querido. — Apoiei o queixo nas mãos, esperando pacientemente.Ele levantou os olhos para mim e repetiu com firmeza:— Não sinto falta dele, mamãe. Ele só fazia você sofrer, e eu não suportava isso.A dor nos olhos dele me atingiu como uma faca. Ele enxugou uma lágrima antes de continuar:— Estou fel