Não feche a janela

A cena no meu quarto era assoladora, tinha um animal morto aos pés da minha cama. Tinha um vampiro ensaguentado e machucado sujando minha cama e me sacudindo. Então tinha minha mãe batendo loucamente na porta do meu quarto aos gritos querendo saber o que estava acontecendo, mas eu responderia se nem eu mesma sabia?

Meu corpo não queria se mover, apenas meus olhos vagavam pelo meu quarto e para o olhar dourado de Draco a fim de tentar entender o que estava acontecendo. Ele estava falando algo, eu via sua boca se mexer mas não conseguia entender o que falava acima do zumbido da adrenalina e do escândalo que minha mãe fazia na porta.

Tentei me concentrar para voltar a realidade e escutá-lo.

— Cali, você precisa tirar sua mãe daqui, ela não pode ver o que aconteceu… Cali reage merda! Porra eu vou ter que te dar um choque…

— Não, calma — gritei para ele, talvez alto demais — estou aqui, voltei a mim. 

— Fala com a sua mãe, vou dar um jeito no lobo.

— Que? — De repente a realidade bateu e o empurrei para longe saindo de cima da cama — Mãe, eu já abro a porta pra falar com você. Tá tudo bem, eu derrubei umas coisas aqui..

— Calíope abre essa porta AGORA! — ordenou minha mãe.

Encarei Draco que estava puxando o lobo para a janela, o que ele estava pensando em fazer?

— O que eu vou falar para ela? Mãe, tem um vampiro no meu quarto e ele acabou matando um animal que de alguma forma entrou pela janela do segundo andar, mas agora está tudo resolvido e estamos bem!?

Ele se levantou bruscamente com o dourado brilhante me encarando.

— Você não vai contar sobre mim, nem a ela e nem a absolutamente ninguém.

— E porque não? Você é um… isso é ridículo, um vampiro! Você matou um animal na minha frente e eu tenho que te defender e esconder?

Eu não era tão burra assim. Talvez um pouco, ou já teria dado um jeito de sair dali e me livrar daquele cara, mas não tão burra assim também de fazer o que ele estava pedindo sem uma garantia.

— Olha, eu te explico o que você quiser, inclusive que esse lobo não era um animal, mas eu preciso tirar ele daqui logo ou pela manhã você vai ter um homem morto no seu quarto.

Não entendi a quem exatamente ele estava se referindo, mas tinha outras coisas mais importantes para decidir naquele momento.

— O que vou falar para ela? E todo esse sangue, como vou explicar isso?

— Não deixe ela entrar, depois te ajudo a limpar tudo.

— Me ajuda uma ova, você vai limpar essa bagunça que você mesmo fez sozinho!

Minhas mãos estavam na minha cintura e meu queixo erguido, não sabia de onde achei uma boa ideia desafiar e mandar em um vampiro… merda um vampiro!

Draco sorriu, um sorriso fraco com uma leve contração de seus lábios mas estava lá. Seus olhos brilhando com diversão para minha pose.

— Sim, senhorita. Farei como desejar, mas não deixe sua mãe entrar nem fale sobre mim — ele se abaixou para pegar o lobo pelas patas e colocou o animal sobre as costas com certa facilidade. Era um logo grande e devia ser pesado. — Agora vou deixá-lo na floresta para ser encontrado por seu bando e já volto. — Draco virou para saltar da janela mas olhou para mim novamente — Não feche a janela.

Não podia mentir, passou pela minha cabeça fechá-la. 

Fui até a porta que minha mãe havia finalmente parado de tentar destruir com seus socos e a abri apenas o suficiente para que eu saísse por ela.

— Nem pensar, me deixa entrar, eu quero ver o que está aprontando — falou ela tentando passar por mim, mas a empurrei.

Minha mãe era uma mulher baixa, menor do que eu, meu pai tinha um e noventa e cinco de altura, por isso eu tinha meus um e sessenta oito, que me tornavam quase vinte centímetros mais alta que ela. Tirando a altura eu era toda minha mãe, o cabelo escuro e sedoso, os olhos claros embora os meus tinham um tom de azul diferente dos dela. 

Mamãe já foi uma mulher de tirar o fôlego por onde passava, sempre de salto e com roupas elegantes, o sorriso perfeito nos lábios rosados. Mas isso foi antes do papai morrer e ela afundar em bebida e depressão, desde então ela era apenas uma versão vazia de si mesma. 

— Não precisa se preocupar, mãe, está tudo bem.

— Você acha que sou idiota Cali? Aquele barulho estrondoso não foi qualquer coisa.

Lógico que não, foi um lobo invadindo meu quarto.

— Eu derrubei meu guarda roupa sem querer, estava tentando reformar umas coisas… transformar ele num closet e acabei o derrubando.

Foi a melhor desculpa que consegui inventar, mas o segredo da mentira era você acreditar tanto nela que ninguém mais seria capaz de duvidar de você.

— Me deixe ver então sua invenção — desafiou minha mãe.

— Você não vai invadir minha privacidade por causa de uma besteira dessas — eu teria que apelar pelo visto e bancar a adolescente chata.

— Eu sou sua mãe e se eu tiver que invadir seu espaço para sua segurança eu farei isso.

— Estou segura mãe — ergui os braços e girei para que ela pudesse me avaliar — está vendo como estou bem?

Ela me encarou e quase achei tê-la convencido, mas ela balançou a cabeça e ordenou:

— Me deixe entrar.

— Não. 

— Cali, eu vou entrar de qualquer jeito então colabore!

Eu teria que apelar de verdade. Só me veio um jeito de afastá-la de mim naquele momento, e por mais que não fosse justo, teria que ser assim.

— É tarde demais para demonstrar preocupação mamãe, você acha que pode mudar o passado fazendo essa ceninha? Fingindo que se importa?

Ela travou diante dos meus olhos, o semblante congelado em uma expressão de dor. Não era justo, eu preferia passar dias sem falar com ela do que cuspir essas palavras, e esperava que Draco fizesse valer a pena eu estar fazendo isso por ele.

— Cali, não fale assim…

— Assim como? Com a verdade? Se você estivesse tão preocupada com a minha segurança, papai ainda estaria vivo porque não teria que me socorrer quando era seu dever estar do meu lado aquele dia.

Pronto, saiu. Palavras injustas que eu nunca tive a coragem de dizer a ela. Palavras que eu me odiava por acreditar às vezes. 

Mamãe fungou, mas virou antes que as lágrimas caíssem e seguiu pelo corredor para seu quarto. Pelo menos funcionou.

Quando eu entrei no quarto novamente eu também estava chorando, aquela dor antiga que não se curava destroçando meu peito. Draco já estava lá de novo, ele caminhou em minha direção e sua mão se ergueu até mim. Não sabia se iria me tocar, me puxar para um abraço ou o que, nem saberia porque ele desistiu e enfiou as mãos no bolso da calça destruída pela luta. 

— Você está bem?

Enxuguei minhas lágrimas e o encarei focada mais uma vez.

— Vou ficar quando me explicar exatamente o que está acontecendo e porque tive que me esforçar para mentir para minha mãe!

— Seu desejo é uma ordem, Cali. 

— Ótimo, desembucha.

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