Antinatural

O que isso deveria significar? Continuei o encarando esperando que ele entendesse a pergunta que pairava em minha mente e prosseguisse. O que ele não fez, e quando Draco abaixou a cabeça para encarar suas mãos resolvi perguntar:

— Achei que tinha dito que era um vampiro — desdenhei me virando para encarar o teto — agora você é amaldiçoado, se decide aí.

— Ser vampiro é uma maldição. A minha maldição.

— Você está fazendo parecer algo horrível.

Ele emitiu um ruído de irritação que me fez virar para encará-lo novamente. Ele parecia não acreditar no que estava vendo ao olhar para mim, mas acho que tinha mais a ver com o que havia ouvido sair da minha boca. Eu não entendi.

— Você está se ouvindo?

Dei de ombros e voltei a encarar as rachaduras no gesso do teto.

— Posso ter sido influenciado por série e filmes, até mesmo por crepúsculo, mas ser vampiro não me parece uma existência tão ruim assim. Pelo menos não tão entediante quanto a minha nessa cidade. 

Ele rosnou, baixo e grave.

— Você não sabe do que está falando.

— Talvez não, então por favor me diga o que tem de tão horrível em ser um vampiro? Ser imortal? Poder andar pelo mundo e conhecer todos os lugares incríveis da Terra? — Talvez eu estivesse projetando minhas vontades ali então me segurei para pensar nos possíveis contras da vida vampiresca. — Imagino que não poder sair de dia e ter que se alimentar de sangue seja ruim, mas você não precisa matar alguém para ter sangue e eu não me importaria em só sair a noite também.

Ele não respondeu, quando me virei para Draco o vampiro estava sorrindo. Dentes brancos e quadrados, bem humanos.

— Eu posso sair no sol para início de conversa.

— Sério? Sem explodir ou se queimar inteiro?

O sorriso não deixou seus lábios e o brilho em seus olhos o fazia parecer fascinado. Era bom que ele gostasse de mim e da minha curiosidade, afinal, ele ainda era um vampiro que tinha acabado de matar um lobo no meu quarto. Melhor que o mantivesse entretido.

— Sem ferimentos graves ou fatais, sair de dia é apenas… incômodo.

— Como assim incômodo?

Ele respirou fundo como se a resposta não fosse fácil.

— É anti-natural. Somos criaturas noturnas, seria como te forçar a fazer todas as suas atividades do dia a noite. Você até poderia conseguir se dormisse durante o dia, mas ainda seria cansativo ao dobro porque seu corpo não foi feito para ser ativo às três da manhã. Durante o dia eu sinto muito sono e cansaço, preciso dormir. A noite minha energia está renovada. 

— Parece simples demais.

E chato. Decepcionante. Vampiros não saem de dia porque estão sonolentos?

— Bom, eu estou simplificando para você, mas vai entender na prática quando me vê durante o dia fraco e caindo pelos cantos. 

Porque ele realmente estaria ali no meu quarto para isso. Eu abrigaria mesmo um vampiro no meu quarto. Que merda!

— Sobre mais o que estou enganada em relação a vampiros? Sangue? — Ele revirou os olhos — vai me dizer que vocês não bebem sangue? 

— Nos alimentamos sim, mas não somos descontrolados como gostam de fazer parecer — sua pele clara começou a tomar um tom de vermelho e sua voz a se elevar — não é como se vocês humanos invadissem um Mc Donalds e comessem loucamente só porque estão com fome. Não somos animais.

— Na verdade todos somos animais, racionais mas ainda animais. Se você já foi humano então acredito que se tornar vampiro não tire necessariamente o animal de você.

Silêncio. Ele estava me encarando de um jeito estranho. Profundamente e parecendo um pouco abismado, mas era estranho.

— Eu nunca fui humano.

Nada se moveu nos segundos após essa resposta. Não havia vento. Não havia sons. Eu estava presa no que aquela frase significava. Não fazia ideia do que significava, mas tinha que querer dizer algo, certo?

Uma vibração me tirou do momento. Minha cama estava literalmente vibrando. Busquei nas cobertas e encontrei meu celular. Era Lion. Não atendi e fui até nossa conversa, eu havia dado uma explicação qualquer depois da nossa ligação interrompida e ele obviamente não estava acreditando. Mandei outra mensagem dizendo que conversaríamos no dia seguinte na escola e dei boa noite. Após isso coloquei o celular em modo avião. Algo que ele me encheria o saco no dia seguinte.

Draco estava de pé olhando pela janela, para a surpresa de ninguém, quando eu guardei o telefone. Não levantei da cama, continuei sentada tentando decifrar suas últimas palavras.

— Você deveria dormir, precisa acordar cedo pra escola amanhã. — Falou sem se virar para mim.

— Nem pensar, você precisa me dar muitas respostas. É o acordo para te manter escondido aqui.

Ele ainda estava usando as roupas rasgadas, sob a luz da lua na janela ele parecia o que era. Perigo. Todas as células do meu corpo gritavam perigo, mas por algum motivo eu não sentia medo. 

— Vou estar por aqui te dando trabalho por um tempo, não se preocupe que você vai ter bastante tempo para me fazer muitas perguntas.

Não sabia se essa resposta era pra me confortar ou me aterrorizar, mas fez nenhuma das duas coisas.

— Não vou conseguir dormir tão fácil com você aqui — admiti.

Ele se virou e caminhou até mim, sentou do meu lado na cama e quase sufoquei com a falta de ar para respirar. Ele podia ser um predador por natureza, mas tão belo que meu cérebro não conseguia lidar às vezes. As maçãs altas, a pele de mármore, os olhos brilhando como ouro polido. Draco também tinha um ar de melancolia que tornava suas feições atraentes, como um cachorro abandonado pedindo por amor e colo.

Algo que eu não daria de jeito nenhum para ele.

Já está dando moradia, né Cali?!

 — Posso te ajudar com isso — murmurou Draco, eu nem lembrava mais do que estávamos falando e ele deve ter notado porque continuou: — a dormir.

— Faz parte das suas habilidades vampirescas? — brinquei e ele quase sorriu — ou das habilidades de predador e esse é o momento que sou morta e sirvo de alimento para você?

Eu não estava totalmente brincando. Uma parte de mim ainda tinha algum senso e temor, eu só não me importava com ela. 

— É um segredo de família na verdade, posso? — perguntou estendendo as mãos para meu rosto.

Eu tive uma infância feliz, embora limitada e cercada. Nós não saíamos de casa, e enquanto papai estava vivo, pelo menos essa casa não parecia uma prisão o tempo todo. Já naquela época eu sonhava em sair e explorar o mundo, o vento cantava meu nome e canções de liberdade que eu era obrigada a fingir não ouvir. Depois que papai morreu tudo se tornou insuportável, as paredes pareciam maiores, os limites da cidade eram como cercas de arame farpado me mantendo num campo de concentração. 

Não era apenas o tédio que me irritava e me fazia querer partir o quanto antes. Era essa sensação que borbulhava dentro de mim de que eu estava no lugar errado. De que eu não deveria estar aqui. Essa falta de propósito na vida que me fazia às vezes preferir ir encontrar meu pai onde quer que estivesse no além vida. 

E toda essa bagagem emocional era a explicação que eu dava a mim mesma naquele momento para aceitar não só esconder um estranho que dizia ser um vampiro no meu quarto, mas também permitir que seus dedos tocassem minhas bochechas e testa para fazer algo que poderia custar minha vida. 

Mas era como se eu não tivesse nada a perder, então eu apenas fechei meus olhos ouvindo o som das folhas das árvores lá fora e depois de alguns segundos a escuridão me saudou. 

Apaguei.

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