Gabriela narrando :Ainda tava ali, encolhida no colo da minha mãe, quando ouvi o som da porta da frente se abrindo. Me encolhi mais, querendo sumir. O barulho das chaves, os passos, e a voz do meu pai chamando do corredor:— Amor, cheguei… trouxe o Rodrigo comigo, a gente tava resolvendo uns.Ele parou na porta da sala.E eu juro que nunca vou esquecer o silêncio que veio depois. Nem o peso do olhar dele quando me viu ali, chorando, com o rosto afundado no colo da minha mãe.Senti meu rosto queimar de vergonha. Levantei os olhos devagar, ainda com as lágrimas escorrendo. E lá estavam os dois: meu pai com a expressão carregada, e Rodrigo, parado atrás, visivelmente sem entender nada, mas com o olhar preocupado. Ele me olhou daquele jeito calmo dele, meio contido… mas dava pra ver que algo nele também doeu por me ver daquele jeito.— O que aconteceu aqui? — meu pai perguntou, já caminhando até mim, abaixando no tapete ao meu lado. — Gabi, tu tá machucada? Alguém fez alguma coisa conti
Rodrigo narrando :Conheci o Guilherme há mais de oito anos, numa reunião entre empresários do setor automotivo. Na época, ele tava começando a expandir a empresa de peças, e eu tava saindo de uma sociedade falida, com vontade de recomeçar do zero. A conversa foi rápida, direta, e antes mesmo de assinar contrato, a gente já tinha se entendido.De lá pra cá, virei mais que funcionário. Virei braço direito. Cuido da parte administrativa, mas na prática… faço de tudo. Resolvo pepino, fecho contrato, acompanho fornecedor, supervisiono equipe, organizo evento. Se tiver que ir na rua buscar peça ou acompanhar cliente em visita, eu vou. Sou o cara da confiança dele. E isso tem um peso enorme pra mim.Tenho 40 anos. Já vivi coisa demais pra ficar encantado fácil. Já fui casado, por dois anos. Até que um belo dia cheguei mais cedo em casa e encontrei minha ex com outro na cama. Depois disso, nunca mais levei relacionamento a sério. Mulher, pra mim, é uma noite. Duas no máximo. Sem apego, sem d
Prólogo : Guilherme narrando : Eu sabia que aquele dia não seria como os outros. Desde o momento em que acordei, uma sensação estranha me acompanhava, como se algo estivesse prestes a acontecer. Algo ruim. O meu instinto gritava, mas eu ignorei. Estava ansioso para ver Camila, para sentir o seu cheiro, para tê-la nos meus braços mais uma vez. Era como um vício, uma obsessão que eu não conseguia controlar. A casa de praia da família dela era o nosso refúgio, o lugar onde podíamos nos esconder do mundo. Onde ela me dizia, entre suspiros e beijos, que nunca sentiu nada igual. E eu sempre acreditei nisso. Eu acreditei que ela era minha, assim como eu era dela. Cheguei lá com o coração disparado. A porta estava entreaberta, como se estivesse me esperando. Algo no silêncio do lugar me incomodou. O som das ondas parecia distante, abafado pela sensação sufocante que tomou conta de mim. Um arrepio percorreu minha espinha. — Camila? — chamei, a minha voz soando estranha até para mi
Capítulo 2 Camila narrando : Eu tinha 17 anos e, naquela época, o meu mundo ainda era a escola. Eu estava acostumada com aquele ambiente, com a rotina de ser a filha da família rica que todo mundo respeitava, ou, se fosse o caso, temia. Eu não me importava muito com isso, na verdade. Tinha meus amigos, as minhas coisas, e um futuro aparentemente já traçado. Mas tudo mudou quando ele apareceu. Ele estava no meu último ano de escola, mas era novo, um novato que parecia ter saído de algum lugar muito distante da minha realidade. Eu lembro bem do primeiro dia em que ele entrou na sala, com aquele olhar desconfiado, como se estivesse analisando cada pessoa, cada detalhe do lugar. Ele era diferente de todos os meninos que eu já conhecia, e não era só pelo jeito de andar, mais solto, mais confiante de uma maneira que eu não sabia explicar. Eu tinha acabado de sentar no meu lugar, perto da janela, quando ele entrou. Seu nome era Guilherme, e logo ele virou o assunto da turma. Gênio dos
Capitulo 3 :Camila narrando :Continuação :Uma tarde, depois da aula de história, ele me abordou novamente. Dessa vez, sem me pedir nada, sem um livro para pegar emprestado. Ele apenas se aproximou da minha mesa e ficou em silêncio por alguns segundos, como se estivesse decidindo o que dizer. O olhar dele estava mais intenso do que nunca.— Camila... — ele começou, com uma voz calma, mas que soava mais séria do que de costume. — Eu... eu não sei o que você pensa de mim, mas eu não sou como os outros. E eu sei que nem deveria estar falando com você,.mas eu não aguento mais guardar isso pra mim.Eu não sabia o que responder. Não estava esperando aquilo, mas ele parecia estar falando direto ao meu coração. Como se tudo o que eu temia, todas as barreiras que eu tentava colocar entre nós, estivessem sendo desfeitas com aquelas palavras simples.— Eu sei o que você quer dizer — respondi, com a voz trêmula, sem saber ao certo o que estava sentindo. — Mas não é tão simples assim.Ele me olh
Capítulo 4Guilherme narrando :Acordar cedo sempre fez parte da minha rotina. O despertador toca antes do sol nascer, e eu já sei o que me espera: mais um dia de luta. Minha mãe, Dona Lúcia, já está de pé antes de mim, preparando o café simples, que na maioria das vezes é só café puro mesmo, sem pão, sem leite. Quando tem, é porque algum dinheiro sobrou ou porque ela conseguiu trazer algo da casa onde trabalha como empregada.Moro num bairro humilde, de ruas esburacadas e casas pequenas que se amontoam umas sobre as outras. O tipo de lugar onde, quando chove forte, as vielas alagam e a água entra pelas frestas da porta. Mas esse é o meu lugar. Cresci aqui, aprendi a me virar aqui. Minha mãe fez de tudo pra me manter longe dos problemas, e foi por causa dela que eu sempre levei os estudos a sério.Eu estudo numa escola de elite, mas não porque minha família tem dinheiro. Entrei lá porque ganhei uma bolsa integral, dessas que só oferecem pra alunos que se destacam. Sempre fui bom com n
Capítulo 5Camila narrando :A escola nunca pareceu tão pequena quanto naquele dia. Cada corredor, cada sala, cada canto parecia pulsar com a tensão que existia entre mim e Guilherme. Eu sabia que estava me metendo em algo complicado, mas, ao mesmo tempo, não conseguia evitar. Era como se ele tivesse se tornado um imã e, por mais que eu tentasse, não conseguia ficar longe.Naquele dia, o intervalo parecia arrastado. Eu sentia o olhar dele me procurando no meio dos alunos, e, no fundo, eu sabia que estava esperando por isso. Quando finalmente nos encontramos, foi diferente. Tinha algo nos olhos dele que me fez tremer. Expectativa, talvez. Ou só aquela certeza de que algo estava prestes a acontecer.Ele se aproximou devagar, como sempre fazia, sem pressa, sem medo.— Camila — ele disse, e o jeito como meu nome saiu da boca dele fez meu coração acelerar. — Acho que a gente precisa conversar.Eu respirei fundo.— Sobre o quê?Ele deu um meio sorriso.— Você sabe sobre o quê.E eu sabia.O
Capítulo 6Camila narrando :Cheguei na frente de casa, eu desci do carro do meu motorista, ainda com a cabeça cheia de pensamentos e o coração ainda acelerado. O dia foi mais intenso do que eu imaginava, e quando entrei pela porta, uma sensação de tristeza me tomou conta, eu sabia que provavelmente meu pai já estava em casa e já ia começar com a conversa de sempre.Quando entrei em casa, fechei a porta atrás de mim, tentando deixar a bagunça de sentimentos e os olhares carregados do dia fora. O silêncio da casa parecia mais pesado do que o normal. A casa era enorme, na verdade morávamos em uma mansão de um condomínio de luxo, a casa estava em silêncio, até que eu escutasse a voz dele. Meu pai.Eu nunca soube como lidar com ele. Depois que minha mãe morreu, as coisas pioraram. Ele ficou mais fechado, mais rígido. Eu nunca soube se ele realmente me via ou se apenas me tolerava. Ele já tinha começado com as indiretas antes de eu sair, e agora, quando entrei, ele já estava em modo "preo