— Pode entrar.
— Com licença, senhor.
Uma mulher alta e elegante entrou em minha sala com passos firmes, exalando discrição e compostura. Seu currículo, mandando pela melhor agência do país, estava em minhas mãos e informava que tinha vinte e oito anos, mas sua postura madura transmitia uma experiência que parecia ir além dessa idade. Os cabelos castanhos, presos de forma impecável, reforçavam sua imagem de profissionalismo, e seus olhos atentos, carregavam um ar sereno. Apesar de sua beleza natural, sua expressão mantinha-se séria e reservada, refletindo um autocontrole que inspirava confiança — exatamente o que eu procurava.
Joana era uma boa funcionária, mas tinha um grande defeito: enchia a cabeça da minha filha com brincadeiras, filmes e outras distrações inúteis. Sofia não precisava disso. Ela precisava de disciplina, de estrutura, e não de fantasias. Por isso, decidi realocar Joana para outra família. Lá, ela se encaixaria melhor. Sofia precisava de uma tutora tradicional.
As referências da mulher à minha frente eram promissoras, mas, se ela tivesse a mesma visão de criação de Joana, não haveria chance de contratá-la.
Fiz um gesto para que se sentasse, mantendo meus olhos fixos nos dela. Por um instante, encarei-a analisando cada detalhe. Ela não desviou o olhar, nem demonstrou qualquer sinal de desconforto. Sua expressão permaneceu serena e firme, o que me causou uma boa impressão. Então, comecei a entrevista.
— Celina Nogueira, correto?
— Sim, senhor.
— Muito bem. Gabriel Monteiro. Podemos começar, Celina?
— Sim, senhor.
— Qual é a sua visão sobre o estudo infantil?
— Sou bastante tradicional nesse aspecto, senhor. Acredito que as crianças devam seguir rotinas rigorosas de estudo, sem exceções.
— Excelente! Concordo. No entanto, algumas pessoas dizem que sou muito rígido, que deveria deixar minha filha de sete anos brincar mais e estudar menos. O que a pensa sobre isso?
— O mundo é extremamente competitivo, senhor. Quanto antes a criança aprender a importância de disciplina e esforço, melhor será para o futuro dela.
— Concordo mais uma vez, Celina. E qual é a sua opinião sobre o uso de telas?
— Telas? O senhor se refere às de janelas? Acho que são essenciais para a segurança.
— Não. Refiro-me a televisores, celulares e outros dispositivos eletrônicos. A senhora é a favor do uso desses aparelhos pelas crianças?
— Perdoe-me, senhor. Acredito que não. Esses dispositivos não devem estar presentes no ambiente infantil.
— E sobre filmes? A permite ou recomendaria?
— Somente filmes educativos, senhor. Acho que eles podem ter um papel positivo quando bem escolhidos.
— E sobre fantasia infantil? Acha saudável estimular as crianças a acreditarem em seres mágicos? Coisas assim?
— Com certeza, não, senhor. A criança sofrerá um grande desilusão quando descobrir a verdade, se tornando um episódio negativo.
— Perfeito. Você acha que o papel do pai é estar ao lado de seu filho nas pequenas tarefas diárias ou garantir a segurança e futuro deles?
— Definitivamente a segunda opção, senhor.
— Interessante. E sobre as atividades extracurriculares? Minha filha tem aulas de pianos quatro vezes por semana. A acredita que são necessários no desenvolvimento infantil?
— Sim, senhor. As atividades extracurriculares, como a música, não só desenvolvem habilidades cognitivas e disciplina, mas também ajudam as crianças a expressarem sua criatividade.
— E se a criança demonstrar resistência em participar das aulas?
— É natural, senhor. Mas é dever dos pais e cuidadores ensinar a importância de enfrentar desafios e persistir, mesmo diante de dificuldades.
— Muito bem, Celina. Última pergunta: você acredita que uma babá pode influenciar o futuro de uma criança?
— Sem dúvidas, senhor. A babá molda muitos aspectos do comportamento da criança. Por isso, é essencial que seja um exemplo de disciplina e valores corretos.
— Acho que já sei de tudo. Está contratada.
— Perfeito senhor.
Acompanhei Celina até o corredor onde minha filha aguardava com Joana.
— Esta é Celina, sua nova babá, Sofia.
Sofia ergueu os olhos para olhá-la, mas não se levantou. Lancei-lhe um olhar para que entendesse que deveria cumprimentar a nova babá de maneira adequada. Quando Sofia se levantou, um papel caiu no chão, e ela se apressou para pegá-lo, escondendo-o atrás das costas com sua pequena mão.
— O que está escondendo na mão, Sofia? — perguntei, tentando soar calmo, mas firme.
Sofia abaixou os olhos, evitando me encarar, e apertou ainda mais o punho fechado.
— Sofia, mostre-me agora. Não me faça repetir. — Minha voz saiu mais séria desta vez.
— Por favor, papai. É só um saquinho com meu dente e um bilhete para a fada do dente me trazer uma moeda. Veja, ele caiu.
— Sofia, fadas do dente não existem. Jogue esse bilhete fora.
Sofia tentou resistir, mas acabou jogando o bilhete no lixo. Eu sabia que ela ficaria magoada, mas acreditar em algo que não existia só lhe traria mais dor quando descobrisse a verdade. Ainda assim, não consegui evitar o nó na garganta ao vê-la virar o rosto, lutando para não chorar. Mas o que eu fazia era para o bem dela. A vida era cruel e nos tirava tudo sem aviso, sem piedade. Quanto mais cedo ela entendesse isso, mais forte se tornaria.
Olhei para Joana, que mantinha os olhos no chão. Ela sabia que aquele era seu último dia de trabalho, mas, mesmo assim, continuava incentivando Sofia a acreditar naquelas histórias tolas. Um alívio percorreu meu peito ao pensar que, a partir de amanhã, a Celina assumiria seu lugar. Com um tom controlado, chamei a antiga babá para o escritório. Precisávamos acertar os detalhes da sua rescisão.
— Uma palavrinha, Joana. Pode ficar com Sofia por um momento, Celina?
— Claro.
Enquanto caminhava em direção ao escritório, olhei para trás. Sofia estava conversando com a Celina. Ela havia se abaixado até a altura de Sofia e parecia estar lhe dizendo algo. Não consegui ouvir o que era, mas vi Sofia sorrir de canto e relaxar os ombros.
Por um instante, uma dúvida passou pela minha mente. Será que a Celina era tão rígida e tradicional quanto parecia? Mas, balançando a cabeça, descartei o pensamento. Não, suas referências eram impecáveis, e suas respostas haviam sido perfeitas na entrevista. Eu tinha certeza de que ela era o que Sofia precisava.
Eu ainda tentava entender aquele homem. Será que ele realmente acreditava que essa abordagem era o melhor para a Sofia? Ou seria apenas uma forma de se proteger do mundo, de não ter que lidar com algo que ele não pudesse controlar? As perguntas dele eram tão diretas e objetivas que, por um momento, me senti como se estivesse em uma entrevista para um cargo corporativo, e não para cuidar de uma criança. Ele queria respostas práticas, sem espaço para sonhos ou fantasias — nem mesmo para uma fada do dente. Respondi como Joana me treinou. Será que era mesmo certo fazer isso? Eu acreditava na disciplina e no esforço mas não acreditava na ideia de que o papel do pai não era estar ao lado de filho nas pequenas tarefas diárias mas sim se preocupar em apenas garantir a segurança e futuro deles. E esse era todo o conflito aqui. Aquele homem não sabia que Sofia podia ter as duas coisas. Eu não negava que sua aparência era intimidadora. Ele era alto, imponente, cabelos e b
Estava quase na hora de Celina chegar, e Sofia ainda dormia. Eu já tinha me despedido no dia anterior. Agora sairia assim que Celina chegasse; não queria que Sofia me visse partir e ficasse triste outra vez. O novo emprego era maravilhoso, e eu já conhecia a família. Mas ficar lá e deixar Sofia com alguém que eu não conhecia significaria quebrar minha promessa. Mas com Celina ali, daria tudo certo. Ela é a única pessoa além de mim, que seria capaz de amar tanto Sofia quanto eu. Olhei para a casa onde tinha morado nos últimos doze meses. A avó de Sofia, Regina, havia imposto ao senhor Gabriel que me contratasse e garantiu que eu continuasse ali. Mas fazia dois meses que ela tinha morrido, e isso era tudo o que o senhor CEO precisava para me colocar para fora. Ele nunca concordou com os meus métodos. Achava que eu mimava Sofia demais. E eu? Não soube lidar com ele. Não soube me impor, me defender e, principalmente, defender Sofia. Mas Celina conseguiria. Para c
Assim que Joana deixou a casa, me vi nervosa. Não passava um dia sem que eu pensasse naquela noite que tudo mudou. Eu sei como Joana se sentia, eu me sentia igual. Eu sei que laços de amor nos prendiam e era por isso que eu ia cuidar da pequena Sofia. Mas eu não sei como iria conseguir. Se Joana com toda sua gentileza e carinho não conseguiu, eu não tinha chance. Eu não era doce e nem sabia iluminar a vida das pessoas ao meu redor. Eu só tinha… inteligência. Inteligência que eu passei a vida toda tentando esconder. No meu programa de mestrado, eu era sempre vista como arrogante e mandona, só por questionar as coisas. E agora estava em um lugar onde eu não poderia questionar. Precisava ser exatamente o que Gabriel queria. Fiquei sentada relembrando o passado com a minha mala na mão. Divagando, não perguntei a governanta onde era meu quarto e quando me lembrei, já era tarde demais. Pequenos passos interromperam meus pensamentos. Olhei para o lado e vi
— Celina. — Pois não, senhor. Precisa de alguma coisa? — continuei fingindo inocência. — A Joana não deixou a agenda de Sofia com você? — Deixou sim, senhor. — A culpa é de quem por esse atraso, então? Sofia não quis vir e eu devo castigá-la por ser desobediente ou foi a … que errou e atrasou as duas? Fiquei paralisada. Uma de nós duas estaria encrencada de qualquer forma. Respirei fundo e respondi: — Eu entendo sua frustração, senhor Gabriel. A culpa é minha, sim. Eu deveria ter supervisionado melhor e garantido que Sofia não se atrasasse. Vou me certificar de que isso não se repita. Porém, também é importante que Sofia entenda que a responsabilidade é compartilhada. Ela precisa aprender que, em alguns momentos, precisa tomar a iniciativa para evitar esse tipo de erro. Vamos usar isso como uma lição para todos nós — respondi sem acreditar em nada do que eu dizia, mas torcendo para fosse o que ele queria ouvir. Meu corpo relaxou quando ele disse
Nunca devia ter acreditado que Sofia escolheria uma punição condizente com o meu erro. Ela era uma criança, com a pureza ingênua de quem ainda não compreende o peso das responsabilidades adultas. Não fazia ideia do que um dia de minha ausência na empresa poderia causar. Para ela, tudo parecia simples, direto, sem consequências de longo prazo. Um dia sem trabalhar? Seu pedido tinha um preço. Um preço alto demais. Eu não podia simplesmente me afastar. A MD Tecnologias e Informação não era apenas um negócio, era o legado da minha família, algo que construí tijolo por tijolo, com sacrifício e disciplina. Cada decisão que tomei, cada noite sem dormir, cada oportunidade que agarrei ou deixei escapar estava impregnada na estrutura daquela empresa. Tudo dependia de mim. Meus funcionários, meus clientes, os investidores — todos esperavam minha liderança inabalável. Mas ali estava Sofia, me olhando com aqueles olhos grandes, repletos de uma expectativa que me desarma
Fechei os olhos por um instante e expirei lentamente. — Está bem, Sofia — concordei. Olhei para ela, e seu sorriso ocupava metade do rosto. Era contagiante vê-la tão feliz, e isso aqueceu meu coração. Mas, junto com essa alegria, surgia a responsabilidade: para que ela continuasse assim, eu precisava garantir que estava preparando-a para o futuro. Tudo bem, eu poderia fazer os dois mundos funcionarem. Ficaria com Sofia e trabalharia de casa. Simples, aqui tinha tudo o que eu precisava, poderia fazer meu trabalho daqui por um dia. Só precisava avisar meu assistente. Estava prestes a pegar o telefone quando, como se pudesse ler meus pensamentos, a Celina me surpreendeu ao dizer: — Não pode passar o dia no telefone ou no computador, senhor. Sua punição é ficar um dia sem trabalhar. Eu estava com o celular na orelha, depois de discar o número do meu assistente, Matheus, quando a frase dela me atingiu como um soco. Sem conseguir processar dir
— Droga! Eu não sou uma pessoa desastrada! Como isso aconteceu? A exclamação ecoou pela cozinha vazia enquanto eu olhava, incrédula, para a blusa encharcada. Água escorria pelo tecido e grudava na minha pele, gelada e incômoda. Ótimo. Como se eu já não tivesse preocupações suficientes, agora estava ali, parecendo uma pessoa que não sabia segurar um copo. Se Gabriel me visse assim, teria um treco. A culpa era de Joana, falei para não ficar me ligando no serviço. Eu estou fazendo o meu melhor, me pressionar não vai fazer o plano andar mais rápido. Mas Joana era teimosa, e eu me frustrei, não prestei atenção e derrubei água em mim. Por sorte, Joana tinha me avisado sobre como o senhor pontualidade gostava de tudo impecável—rigoroso até nos mínimos detalhes. Não era à toa que, evitando imprevistos como esse, eu tinha sido esperta o suficiente para providenciar um esquema infalível: roupas idênticas para emergências. Nada de perder tempo escolhendo outra coisa ou su
O motorista aguardava do lado de fora do carro de luxo, impecável em seu uniforme de paletó perfeitamente alinhado, luvas brancas imaculadas e um quepe sem uma única dobra fora do lugar. Sua postura era rígida, profissional, como se estivesse em um posto de honra. Assim que nos aproximamos, ele deu um discreto passo à frente e, com um gesto preciso e calculado, abriu a porta, pronto para receber Gabriel com a mesma formalidade de sempre. Seu olhar discreto e postura impecável deixavam claro que ele estava acostumado a atender homens de alto escalão — e que nada, nem mesmo um passeio fora da rotina, quebraria sua disciplina. No entanto, Sofia, com o brilho da travessura nos olhos, resolveu testar os limites do pai. Antes que ele entrasse, lançou a sugestão inesperada: — Papai, não acha que seria mais divertido se você dirigisse? Gabriel franziu a testa, claramente desconfortável com a ideia. — Sofia, temos um motorista para isso. — Mas, pap