— Celina.
— Pois não, senhor. Precisa de alguma coisa? — continuei fingindo inocência.
— A Joana não deixou a agenda de Sofia com você?
— Deixou sim, senhor.
— A culpa é de quem por esse atraso, então? Sofia não quis vir e eu devo castigá-la por ser desobediente ou foi a … que errou e atrasou as duas?
Fiquei paralisada. Uma de nós duas estaria encrencada de qualquer forma. Respirei fundo e respondi:
— Eu entendo sua frustração, senhor Gabriel. A culpa é minha, sim. Eu deveria ter supervisionado melhor e garantido que Sofia não se atrasasse. Vou me certificar de que isso não se repita. Porém, também é importante que Sofia entenda que a responsabilidade é compartilhada. Ela precisa aprender que, em alguns momentos, precisa tomar a iniciativa para evitar esse tipo de erro. Vamos usar isso como uma lição para todos nós — respondi sem acreditar em nada do que eu dizia, mas torcendo para fosse o que ele queria ouvir. Meu corpo relaxou quando ele disse:
— Boa resposta.
Mas se contraiu imediatamente quando ele completou:
— Então, o que está me dizendo é que as duas devem ser punidas?
Eu o encarei com uma fúria nos olhos. Acabei de falar tudo o que ele queria e agora ele vinha com essa ideia? Passar na entrevista foi fácil mas aguentá-lo todo dia não seria. Não acredito que ele pensava em punir uma de nós por causa de dois minutos de atraso. Me enchi de coragem e disse:
— Não há necessidade de punição alguma, senhor.
— Ações tem consequências. Compromisso é compromisso.
Enrijeci meu corpo e falei sem pensar:
— Então, o senhor deve ser punido por não ter vindo tomar café com Sofia como prometeu.
Desculpe, Joana. Vou ser demitida na primeira hora do serviço.
O homem ficou lívido e o olhar que ele me deu, me estremeceu dos pés à cabeça. Gabriel desviou o rosto por um momento, como se ponderasse, e então, com um tom controlado, afirmou:
— Tive uma emergência no trabalho às seis horas da manhã, tive que ir até o escritório mas voltei assim que pude e agora estou aqui. E vou tomar café com Sofia assim que a aula de piano acabar.
— Mas não será as oito horas como prometeu — retruquei com a voz parecendo um sussurro.
Minha garganta estava seca, a minha perna tremia mas eu me forçava a continuar firme diante dele, que não esboçava nenhuma reação e aumentava ainda mais a intimidação agindo desse jeito. Mas eu continuei, usando um tom convicto:
— Também acredito na disciplina e pontualidade, mas o senhor também não conseguiu cumprir o horário.
Caramba! Não acredito que eu estava o enfrentando daquele jeito. Ele me fitou com o olhar enquanto eu tentava manter a compostura. Por fora, eu estava impassível, mas por dentro, tremia. Ele saiu em silêncio e se sentou no sofá, onde ficou observando a aula de piano. Ótimo, eu o venci no argumento, pensei. Agora ele iria esquecer aquela ideia de punição.
Eu me acomodei na poltrona ao lado da dele, e ambos permanecemos em silêncio, assistindo à aula. Quando ela terminou, o professor se despediu e foi embora, deixando-nos a sós com Sofia.
Eu não fazia ideia do que aconteceria depois da aula, mas nunca poderia imaginar que ele tomaria aquela atitude. Ele se levantou e comunicou:
— Sofia, nós três nos atrasamos hoje. Vocês se atrasaram para a aula de piano e eu me atrasei para o nosso café. Eu prometi que estaria aqui às oito horas, mas não estava. E isso não é tolerável, então nós três seremos punidos.
Meu queixo caiu no chão. Meu tiro saiu pela culatra.
— Para ficar justo — continuou ele —, eu escolherei a punição da Celina, ela escolherá a sua e você escolherá a minha. A punição da Celina, será uma repreensão verbal que constará no meu sistema de pontos onde eu desconto da bonificação de natal que dou a meus subordinados todo ano.
— Vai descontar do meu décimo terceiro salário? — perguntei, sabendo que isso era ilegal.
— Não, a bonificação é um presente. É algo além das verbas contratuais. Por enquanto eu não descontarei nada. Apenas ficará registrado. Agora dê sua punição para Sofia.
Esse homem é maluco.
— Está bem. Dormirá hoje meia hora mais cedo, Sofia.
A pobrezinha assentiu em silêncio.
Não se preocupe, querida. Seu pai coração de pedra estará na empresa no seu horário de dormir, você não cumprirá castigo algum.
Então vi o olho de Sofia ganhar vida e a expressão mudar de triste para curiosa. Parecia que ela tinha tido uma ideia fantástica. Mordendo o lábio, perguntou:
— A punição do papai pode ser o que eu quiser? Qualquer coisa?
— Bem… — Gabriel se apressou em explicar os termos, mas eu o interrompi porque queria muito saber o que Sofia tinha em mente. Então comecei um discurso que sabia que o encurralaria:
— Certamente, Sofia. Pontualidade e compromisso são fundamentais para o bom funcionamento de tudo. Não podemos abrir mão disso, pois todos dependem do respeito a essas normas. Ninguém está acima das regras, certo, senhor Gabriel? Afinal, todos, sem exceção, devem cumpri-las para que tudo funcione de maneira justa e equilibrada.
Na verdade, nem sabia ao certo o que estava dizendo, mas se ele pensava que poderia se impor sobre mim, agindo como se fosse o todo-poderoso, infalível, quando também se atrasou, estava enganado. Ele também seria punido. Eu só esperava que Sofia sugerisse pintarmos as unhas dele de vermelho, ou até mesmo pintar o cabelo de rosa. Imagina só um CEO com cabelo rosa! Eu adoraria ver isso. No entanto, a punição que ela escolheu foi algo inesperado.
Ela apertou os olhinhos, respirou fundo e disse:
— Sua punição, papai… será não voltar para o trabalho hoje.
A mandíbula de Gabriel se contraiu mas o rosto dele não esboçou nenhuma emoção. Ele apenas afirmou com a voz calma e firme:
— Não trabalhar? Sinto muito, Sofia. Isso é impossível.
Me prontifiquei a intervir por Sofia e mesmo sabendo que eu estava testando os limites que me impediam de ser demitida como Joana, eu o desafiei:
— Senhor Gabriel, que exemplo o senhor dará se não aceitar sua punição? Prometeu tomar café com a Sofia às oito horas.
— Tudo bem, papai. A gente pode esquecer o nosso café, mas o senhor tem que cumprir a punição. Tem que ficar um dia sem trabalhar e...
— E o que mais, Sofia? — perguntou ele, começando a ficar irritado.
— Terá que passar esse dia comigo e a Celina. Um passeio onde eu quiser.
Nunca devia ter acreditado que Sofia escolheria uma punição condizente com o meu erro. Ela era uma criança, com a pureza ingênua de quem ainda não compreende o peso das responsabilidades adultas. Não fazia ideia do que um dia de minha ausência na empresa poderia causar. Para ela, tudo parecia simples, direto, sem consequências de longo prazo. Um dia sem trabalhar? Seu pedido tinha um preço. Um preço alto demais. Eu não podia simplesmente me afastar. A MD Tecnologias e Informação não era apenas um negócio, era o legado da minha família, algo que construí tijolo por tijolo, com sacrifício e disciplina. Cada decisão que tomei, cada noite sem dormir, cada oportunidade que agarrei ou deixei escapar estava impregnada na estrutura daquela empresa. Tudo dependia de mim. Meus funcionários, meus clientes, os investidores — todos esperavam minha liderança inabalável. Mas ali estava Sofia, me olhando com aqueles olhos grandes, repletos de uma expectativa que me desarma
Fechei os olhos por um instante e expirei lentamente. — Está bem, Sofia — concordei. Olhei para ela, e seu sorriso ocupava metade do rosto. Era contagiante vê-la tão feliz, e isso aqueceu meu coração. Mas, junto com essa alegria, surgia a responsabilidade: para que ela continuasse assim, eu precisava garantir que estava preparando-a para o futuro. Tudo bem, eu poderia fazer os dois mundos funcionarem. Ficaria com Sofia e trabalharia de casa. Simples, aqui tinha tudo o que eu precisava, poderia fazer meu trabalho daqui por um dia. Só precisava avisar meu assistente. Estava prestes a pegar o telefone quando, como se pudesse ler meus pensamentos, a Celina me surpreendeu ao dizer: — Não pode passar o dia no telefone ou no computador, senhor. Sua punição é ficar um dia sem trabalhar. Eu estava com o celular na orelha, depois de discar o número do meu assistente, Matheus, quando a frase dela me atingiu como um soco. Sem conseguir processar dir
— Droga! Eu não sou uma pessoa desastrada! Como isso aconteceu? A exclamação ecoou pela cozinha vazia enquanto eu olhava, incrédula, para a blusa encharcada. Água escorria pelo tecido e grudava na minha pele, gelada e incômoda. Ótimo. Como se eu já não tivesse preocupações suficientes, agora estava ali, parecendo uma pessoa que não sabia segurar um copo. Se Gabriel me visse assim, teria um treco. A culpa era de Joana, falei para não ficar me ligando no serviço. Eu estou fazendo o meu melhor, me pressionar não vai fazer o plano andar mais rápido. Mas Joana era teimosa, e eu me frustrei, não prestei atenção e derrubei água em mim. Por sorte, Joana tinha me avisado sobre como o senhor pontualidade gostava de tudo impecável—rigoroso até nos mínimos detalhes. Não era à toa que, evitando imprevistos como esse, eu tinha sido esperta o suficiente para providenciar um esquema infalível: roupas idênticas para emergências. Nada de perder tempo escolhendo outra coisa ou su
O motorista aguardava do lado de fora do carro de luxo, impecável em seu uniforme de paletó perfeitamente alinhado, luvas brancas imaculadas e um quepe sem uma única dobra fora do lugar. Sua postura era rígida, profissional, como se estivesse em um posto de honra. Assim que nos aproximamos, ele deu um discreto passo à frente e, com um gesto preciso e calculado, abriu a porta, pronto para receber Gabriel com a mesma formalidade de sempre. Seu olhar discreto e postura impecável deixavam claro que ele estava acostumado a atender homens de alto escalão — e que nada, nem mesmo um passeio fora da rotina, quebraria sua disciplina. No entanto, Sofia, com o brilho da travessura nos olhos, resolveu testar os limites do pai. Antes que ele entrasse, lançou a sugestão inesperada: — Papai, não acha que seria mais divertido se você dirigisse? Gabriel franziu a testa, claramente desconfortável com a ideia. — Sofia, temos um motorista para isso. — Mas, pap
Gabriel permaneceu imóvel por um momento, o rosto fechado, mas seus olhos não mentiam. Ele inclinou ligeiramente a cabeça para o lado, um brilho de desafio piscando por um instante. — Só o excepcional pode ser o vencedor — disse, sua voz firme, com um tom de convicção que ressoava no ambiente, carregada de orgulho. — E eu sou competente em tudo. Sou o CEO da maior empresa desta cidade, e isso não tem nada a ver com expectativas, Sofia. Tem a ver com estar sempre à frente dos nossos adversários, sabendo mais do que eles pensam que sabemos. É assim que os vencemos, quando eles nos subestimam. Havia algo de imbatível na forma como ele falou. Era como se estivesse se colocando em uma posição superior, não apenas pela sua experiência, mas por uma crença inabalável de que era capaz de dominar qualquer situação. Seu olhar agora era de puro desafio, como se estivesse esperando que eu me retratasse. Mas eu fiquei quieta. A mudança de postura foi instantânea e um c
Por que parece tão difícil simplesmente sorrir para minha filha? Eu costumava fazer isso o tempo todo. Mas agora, há uma barreira invisível entre mim e esse sorriso. É como se ele estivesse preso, como se uma parte de mim tivesse se perdido em algum lugar do passado, em alguma época onde as coisas eram mais simples, onde minha conexão com Sofia era genuína e natural. Agora, há uma hesitação, uma distância que eu não sei explicar, mas que sinto com toda a intensidade. Fazia anos que não dirigia um carro. Claro que teria dificuldades no começo, mas logo fui me lembrando dos movimentos, dos gestos automaticamente. Eu estava, na verdade, ensinando Sofia uma lição — a de que sempre se deve saber mais do que se aparenta. Isso era algo que eu sabia fazer muito bem: surpreender os outros. Não fiquei surpreso da Celina me subestimar. Com certeza, para ela, eu era apenas mais um homem rico, acostumado a ter tudo feito por outras pessoas, sem nunca precisar levantar
Gabriel estava estranhamente quieto quando chegamos ao parque. Ele parecia absorver cada detalhe ao redor, talvez em um esforço para manter sua postura de líder, ainda que tudo ao seu redor fosse uma lembrança de sua vulnerabilidade. Quando ele desceu do carro, saindo diretamente do ambiente climatizado, o calor abafado do verão o atingiu com força, como uma onda pesada. Ele levou um momento para ajustar os ombros, mas logo foi possível vê-lo começar a suar sob aquele terno preto, o tecido pesado, que de alguma forma parecia intensificar o desconforto. Ah, sim, querido, o mundo não é feito com ar condicionado, pensei, com uma pontada de satisfação silenciosa. Bem-vindo ao mundo dos mortais, pensei. Ele ergueu os olhos para o céu, como se tentasse desafiar o sol que o observava lá de cima, uma esfera inclemente e implacável. O calor parecia zombar dele, um lembrete irônico de que até os mais poderosos não podem escapar de algumas forças. Gabriel, no entanto, não se de
Sim. Gabriel havia acabado de fechar uma atração de um parque de diversões como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo. Ele me encarou impassível, apenas um olhar calculado, como se tivesse a expectativa de que eu cresse que aquilo fosse perfeitamente aceitável. Ele não se justificou apenas disse: — Meu tempo é val