Sim. Gabriel havia acabado de fechar uma atração de um parque de diversões como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo. Ele me encarou impassível, apenas um olhar calculado, como se tivesse a expectativa de que eu cresse que aquilo fosse perfeitamente aceitável. Ele não se justificou apenas disse: — Meu tempo é val
Eu queria muito acreditar no que Celina disse, queria mesmo. Ela parecia saber das coisas. Então eu queria acreditar que ela ia consertar tudo, mas como? Eu tinha estragado o dia chorando por causa daqueles monstros do parque! Eu queria ser corajosa, mas não consegui. E agora, papai ia embora assim que ela voltasse do banheiro, eu sabia disso. Era sempre assim. Eu tentei segurar o choro, tentei mesmo, mas não consegui mais. As lágrimas já estavam quase saindo quando, sem pensar, abri a porta do carro e corri. Antes que ela voltasse do banheiro. Antes que a gente voltasse para aquela vida de antes. Eu precisava fazer alguma coisa! — Sofia! — Papai gritou atrás de mim, mas eu não parei. Ele veio correndo, chamando meu nome com aquela voz que ele só usava quando eu estava doente ou quando fazia algo muito, muito errado. Mas eu não poderia voltar. Não podia voltar para casa com tudo assim, com ele sendo esse papai calado. Eu queria o meu outro papai. O papai que
Abri a porta do banheiro da pousada e joguei água fria no meu rosto, tentando clarear os pensamentos. Eu precisava de uma solução. Como eu conseguiria fazer com que Gabriel passasse mais tempo com Sofia? A pousada estava deserta e a dona havia sido muito gentil ao me deixar usar o banheiro. Para ser sincera, eu não precisava, eu só precisava de um tempo para bolar um plano, mas não poderia negar o gesto amável. Fiquei ali por uns minutos, me olhando no espelho, tentando encontrar uma resposta. Como alguém que se sente sem ideias, esperava que uma solução milagrosa surgisse, mas não veio nada em minha mente. Sai do banheiro e procurei a senhora dona da pousada para agradecê-la, mas não a encontrei. Andei pela cozinha, tomando cuidado para não parecer intrometida, mas o lugar estava vazio. Quando já estava desistindo, algo chamou minha atenção: no lixo, havia duas garrafas de champanhe vazias. Era como se uma lâmpada tivesse acendido dentro de mim. Peguei as g
Assim que entramos no carro e Gabriel deu ré, o som inconfundível de um pneu estourando cortou o ar, deixando um silêncio pesado no ambiente. Antes que ele pudesse reagir, um segundo estrondo ecoou, e eu congelei por um momento, tentando manter a expressão o mais natural possível. Meu coração acelerou um pouco, mas mantive a calma. Eu tinha feito minha parte, e agora o resto estava nas mãos do destino. Gabriel saiu do carro e foi até os pneus, encarando-os com um rosto fechado, quase implacável. Sofia e eu descemos do carro em seguida e eu fiquei analisando aquele homem. Seu olhar percorria os cacos de vidro espalhados ao redor, e pude ver a frustração crescendo nele. — Que azar, senhor Gabriel! — exclamei, tentando disfarçar o nervosismo com um tom de surpresa. — Dois pneus furados de uma vez! — Cacos de vidro? Aqui na grama, bem na entrada da pousada? — ele murmurou, a voz tensa, quase como se estivesse falando para si mesmo, tentando compreender o que
Uma tempestade? Eu não me lembro de ter visto uma tempestade na previsão do tempo. Mas estávamos afastados da cidade, então não seria surpresa que aqui o clima fosse outro. Enquanto eu fazia o check-in, analisava a situação com cuidado. Sem celular, sem internet e, segundo a senhora nervosa à minha frente — que já havia pedido desculpas umas cinco vezes —, sem telefone também. Maravilha. Sem conexão com o mundo. Respirei fundo, mantendo o rosto impassível, mas o incômodo era real. Esse dia se tornava cada vez mais imprevisível e isso me irritava profundamente. Olhei ao redor e reparei nas paredes antigas da pousada, adornadas por móveis que pareciam ter resistido a uma década de tempestades como aquela. Sofia e Celina estavam sentadas no sofá gasto do saguão com as roupas ainda úmidas. — O senhor deseja um quarto ou dois? — perguntou a mulher. Olhei para a Celina e Sofia. Dividir o quarto não fazia sentido. Eu tinha dinheiro para pagar três quartos se qu
O quarto era maior do que eu esperava, mas ainda assim não parecia suficiente para acomodar tanto desconforto não dito. Duas camas, uma de casal e uma de solteiro, dividiam o espaço com um banheiro minúsculo e uma poltrona que parecia mais decorativa do que funcional. O ambiente estava pesado. Eu estava irritado pois esse dia não saia não saía nada certo, ainda mais com a tempestade lá fora, cujos ventos faziam as janelas tremerem com a força do vendaval. Sofia foi a primeira a quebrar o silêncio que dominava o ambiente. Seu entusiasmo, embora deslocado pela situação, trouxe uma leveza que contrastava com o clima denso. Ela pulou na direção da cama, sorrindo, sem perceber o peso do momento. — Vamos dormir aqui hoje, papai? — ela perguntou, com um brilho nos olhos, já correndo para testar a cama de solteiro, como se o desconforto da tempestade fosse apenas uma brincadeira. — Com sorte, não — respondi, aproximando-me. — Ah, papai. Tomara que sim
Estava ansiosa, esperando a resposta da Celina e do papai sobre o que faríamos até a luz voltar. Na verdade, na verdade mesmo, eu estava com fome. Acho que já tinha passado da hora do almoço há muito tempo, mas eu não queria estragar esse momento. Não podia fazer nada errado. Eu estava com medo da tempestade sim, mas eu sinto que papai me protegeria dela, assim como me protegeu no parque. Como eles não diziam nada sobre o que fariamos, eu sugeri: — Vamos contar histórias dos contos de fadas! Meu pai me repreendeu com o olhar e eu tive medo. Esqueci que ele não gostava mais dessas coisas… mas antes até inventávamos histórias juntos. — Sofia… o que eu te disse sobre conto de fadas? — perguntou ele, sem olhar para mim. — Mas antes você gostava… Me contava tantos… — Eu estava errado em encher a sua cabeça com aquilo. E você deve focar nas coisas reais. Entendeu? — sua voz ficou mais séria e ele olhou para mim. Fiquei em silêncio, imaginando que tinha m
“Eu também sinto falta da minha mãe. Todos os dias.” A frase de Sofia continuava ressoando na minha cabeça, como um eco impossível de silenciar. Eu precisei sair do quarto, encontrar um momento para respirar. Inventei uma desculpa qualquer, dizendo que ia buscar algo para comermos. Sofia não tinha almoçado. Quando cheguei à recepção, a dona da pousada me entregou alguns sanduíches, desculpando-se por não ter nada melhor. Eu assenti, mas minhas palavras soaram distantes, como se viessem de um lugar muito longe de mim. Minha mente ainda estava presa naquelas palavras de Sofia. Voltei ao quarto, subindo os degraus, cada passo pesado, arrastado pela dúvida que parecia se acumular mais a cada instante. Quando abri a porta, encontrei Sofia já adormecida, sua respiração suave cortando o silêncio. Celina estava sentada na beirada da cama, com um olhar que parecia carregar mais perguntas do que julgamentos. Eu fiquei parado, com os sanduíches nas mãos, incapaz de me