Já passava das cinco da tarde quando voltamos para casa. Como era de se esperar, todos estavam em pânico procurando por Gabriel. Meu celular registrava cinquenta e quatro chamadas perdidas, mas a tempestade havia deixado o aparelho sem sinal. Para piorar, depois a bateria acabou, e ninguém conseguiu contato conosco. Só na mansão descobri o motivo de tanto desespero: Gabriel havia quebrado o celular. Ele não revelou em que circunstâncias isso aconteceu, mas, em menos de quarenta minutos, já haviam providenciado um novo aparelho para ele, completo com backup de todos os dados. Cerca de duas horas depois, ele estava atualizado sobre tudo o que havia perdido naquele dia. Assim que cruzamos a entrada da mansão, a realidade nos atingiu com força. Gabriel mal teve tempo de tirar o paletó antes que a casa se transformasse em uma extensão da empresa. Funcionários entravam e saíam com papéis, relatórios e problemas que pareciam urgentes demais para esperar. Ele havia passado
Gabriel não precisou dizer nada; eu sabia o que fazer. Permaneci no quarto com Sofia. Ajudei-a a tomar banho, servi o jantar ali mesmo, e depois a acompanhei enquanto escovava os dentes no pequeno banheiro ao lado. Brincamos juntas, rindo de coisas simples, tentei criar um mundo só nosso, um refúgio temporário em meio ao caos lá fora, para evitar que ela ficasse triste. Mas depois de um tempo, percebi que eu não conseguia decifrar as emoções de Sofia. Sei que estava chateada pelo pai estar distante outra vez, mas seu rosto não apresentava a expressão de decepção. Sentada em seu quarto, diante do espelho, enquanto eu penteava seu cabelo, notei algo diferente. Havia um brilho em seu olhar que eu não consegui compreender. Percebendo que eu a observava com atenção, ela quebrou o silêncio: — Sabe de uma coisa, babá Celina? Hoje não foi tão ruim. A declaração de Sofia me pegou de surpresa. Pisquei algumas vezes, tentando processar o que acabara de ouvir.
Sofia lançou um último olhar para o espelho, examinando o reflexo com atenção, antes de sorrir, como se estivesse satisfeita com o meu trabalho ao pentear seu cabelo. Em seguida, deitou-se na cama sem reclamar. Dei um beijo em sua testa, ajeitando os lençóis ao redor do seu pequeno corpo. — Boa noite, Celina — murmurou, a voz arrastada pelo sono. — Boa noite, Sofia — respondi, tentando transmitir toda a calma que ela parecia precisar. Enquanto apagava a luz e fechava a porta, me permiti um instante de silêncio no corredor. A pequena Sofia, com sua força e resiliência, conseguia enfrentar um vazio que até eu achava esmagador. Mas Gabriel... ele parecia estar à deriva, incapaz de encontrar o caminho de volta para a filha. Mas na pousada, eu tive a sensação de que Gabriel se importava com Sofia. Suas ações eram de um homem que amava a filha. Eu vi amor nas pequenas coisas que ele fazia, na maneira como olhava para Sofia, como se estivesse tentando, com todas as f
Desci as escadas, tentando alinhar os pensamentos. Eu não entendia nada de softwares, aplicativos, mal sabia o que a empresa de Gabriel fazia. Mas eu tinha que arrumar um jeito de fazê-lo se conectar com Sofia. Ele tinha que ter tempo para a filha, mas se estivesse irritado por problemas do trabalho não haveria nenhuma chance de ele prestar atenção na menina. Cheguei até a sala, parei diante dele e inventei uma desculpa para puxar uma conversa. Eu precisava me aproximar, tentar descobrir alguma coisa: — Senhor Gabriel. Eu só queria informar que Sofia já está deitada e eu também vou me recolher. Ele fez apenas um gesto, balançando a cabeça, sem desviar os olhos do tabuleiro de xadrez. Então, me aproximei cautelosamente. Precisava ser discreta; não podia deixar transparecer que estava ouvindo sua conversa. Gabriel continuava do mesmo jeito, diante do tabuleiro, os dedos tamborilando na mesa de forma inquieta. O vinho repousava ao lado, intocado, como se o momento fosse mais importa
O silêncio se estendeu entre nós. Gabriel olhou o tabuleiro incrédulo, depois voltou o olhar para mim. Dava para ver claramente, que não esperava ser vencido na sua partida de xadrez. Mas olhando bem para ele, Gabriel não parecia irritado. Pelo contrário, estaria ele... admirado? — Você me enganou bem — disse, recostando-se na cadeira. — Apenas me adaptei ao jogo, senhor. — Perfeito. Você foi brilhante, Celina. Baixei o olhar, como se o elogio não tivesse importância. Mas por dentro, eu sabia: aquela vitória era mais do que um jogo simples. — Eu não costumo perder. — Eu tenho certeza, o senhor foi um adversário formidável. — Como ganhou? Você jogou como se estivesse ouvindo meus pensamentos. Como se estivesse dentro da minha cabeça. Sorri. — O senhor é um estrategista. Eu apenas aprendi a reconhecer padrões. Não importa se é um tabuleiro de xadrez ou uma discussão no café da manhã, o senhor segue um ciclo. Avança, testa limites, cerca o oponente, e então derruba.
Eu quase não consegui dormir aquela noite. E se papai pedisse a minha ajuda? Eu nunca pensei que poderia fazer algo por ele. Quando a manhã chegou, ele já tinha saído, como sempre. Não se despediu, nem me deu bom dia, como sempre. Depois de uma semana, eu desisti. Papai não queria a minha ajuda. A gente quase não via o papai, e os dias iam passando sempre do mesmo jeito. Ele saía muito cedo e voltava quando eu já estava dormindo. Eu fazia minhas lições de piano e, depois, a Celina me ajudava a ler. Eu tinha que ler um livro por semana e depois falar com meu professor sobre o que eu tinha entendido. Tudo estava certinho, tudo na rotina. O dia que passamos juntos parecia uma lembrança bem longe, quase como se tivesse sido um sonho, porque o papai nunca falou sobre isso. Tudo voltou a ser igual tão rápido. Sentei para almoçar e quando terminei, fui escovar os dentes, enquanto Celina anotava as novas atividades do dia seguinte na agenda.
Meu coração disparou. Levantei-me correndo, apavorada, tentando não fazer barulho. Eu não queria que eles soubessem que estava ouvindo, então tentei voltar correndo para o meu quarto. Mas não consegui ser rápida o suficiente e acabei dando de cara com Celina. Ela se assustou comigo mas disfarçou. — Vamos, querida. — Ela me guiou com calma até o escritório, como se nada tivesse acontecido, mas eu podia sentir o nervosismo em seu passo. Eu tentava andar silenciosamente, mas minhas pernas estavam como se fossem feitas de gelatina. Quando entramos no consultório, ela parou atrás de mim e eu, com um pequeno suspiro, vi o papai. Ele estava dentro do escritório, sentado à sua mesa, com aquele olhar sério que ele usava quando se concentrava no trabalho. Ele levantou os olhos e falou: — Sofia. — Sim, papai. — Eu preciso da sua ajuda. Você gostaria de me ajudar? — Se eu puder, papai, ficarei muito feliz. — Que bom. Estamos desenvolvendo um
A pressão dos investidores estava insuportável. O aplicativo tinha que ser lançado, e nós ainda estávamos longe de finalizá-lo. Trabalhamos há meses sem conseguir o resultado que esperávamos. Parecia que o tempo não jogava a nosso favor. Tínhamos investido tantas horas, tanta energia, mas os resultados estavam abaixo do esperado. Se o grupo de testes já não gostava, os investidores iam ser ainda mais implacáveis. Era um contrato gigantesco e, se conseguíssemos fechar, poderíamos levar o produto para milhares de escolas. Mas o prazo estava se esgotando e eu não estava nem perto do fim. Eles estavam acostumados com resultados rápidos e visíveis, e eu temia que, se o produto não cumprisse as expectativas deles, a oportunidade se perderia de vez. Cheguei em casa, irritado e exausto. Eram dezenove horas, uma das raras vezes em que consegui sair mais cedo do trabalho. Mas, sinceramente, não fazia sentido continuar lá, rodando em círculos, sem saber o que fazer. A frustr