O silêncio se estendeu entre nós. Gabriel olhou o tabuleiro incrédulo, depois voltou o olhar para mim. Dava para ver claramente, que não esperava ser vencido na sua partida de xadrez. Mas olhando bem para ele, Gabriel não parecia irritado. Pelo contrário, estaria ele... admirado? — Você me enganou bem — disse, recostando-se na cadeira. — Apenas me adaptei ao jogo, senhor. — Perfeito. Você foi brilhante, Celina. Baixei o olhar, como se o elogio não tivesse importância. Mas por dentro, eu sabia: aquela vitória era mais do que um jogo simples. — Eu não costumo perder. — Eu tenho certeza, o senhor foi um adversário formidável. — Como ganhou? Você jogou como se estivesse ouvindo meus pensamentos. Como se estivesse dentro da minha cabeça. Sorri. — O senhor é um estrategista. Eu apenas aprendi a reconhecer padrões. Não importa se é um tabuleiro de xadrez ou uma discussão no café da manhã, o senhor segue um ciclo. Avança, testa limites, cerca o oponente, e então derruba.
Eu quase não consegui dormir aquela noite. E se papai pedisse a minha ajuda? Eu nunca pensei que poderia fazer algo por ele. Quando a manhã chegou, ele já tinha saído, como sempre. Não se despediu, nem me deu bom dia, como sempre. Depois de uma semana, eu desisti. Papai não queria a minha ajuda. A gente quase não via o papai, e os dias iam passando sempre do mesmo jeito. Ele saía muito cedo e voltava quando eu já estava dormindo. Eu fazia minhas lições de piano e, depois, a Celina me ajudava a ler. Eu tinha que ler um livro por semana e depois falar com meu professor sobre o que eu tinha entendido. Tudo estava certinho, tudo na rotina. O dia que passamos juntos parecia uma lembrança bem longe, quase como se tivesse sido um sonho, porque o papai nunca falou sobre isso. Tudo voltou a ser igual tão rápido. Sentei para almoçar e quando terminei, fui escovar os dentes, enquanto Celina anotava as novas atividades do dia seguinte na agenda.
Meu coração disparou. Levantei-me correndo, apavorada, tentando não fazer barulho. Eu não queria que eles soubessem que estava ouvindo, então tentei voltar correndo para o meu quarto. Mas não consegui ser rápida o suficiente e acabei dando de cara com Celina. Ela se assustou comigo mas disfarçou. — Vamos, querida. — Ela me guiou com calma até o escritório, como se nada tivesse acontecido, mas eu podia sentir o nervosismo em seu passo. Eu tentava andar silenciosamente, mas minhas pernas estavam como se fossem feitas de gelatina. Quando entramos no consultório, ela parou atrás de mim e eu, com um pequeno suspiro, vi o papai. Ele estava dentro do escritório, sentado à sua mesa, com aquele olhar sério que ele usava quando se concentrava no trabalho. Ele levantou os olhos e falou: — Sofia. — Sim, papai. — Eu preciso da sua ajuda. Você gostaria de me ajudar? — Se eu puder, papai, ficarei muito feliz. — Que bom. Estamos desenvolvendo um
A pressão dos investidores estava insuportável. O aplicativo tinha que ser lançado, e nós ainda estávamos longe de finalizá-lo. Trabalhamos há meses sem conseguir o resultado que esperávamos. Parecia que o tempo não jogava a nosso favor. Tínhamos investido tantas horas, tanta energia, mas os resultados estavam abaixo do esperado. Se o grupo de testes já não gostava, os investidores iam ser ainda mais implacáveis. Era um contrato gigantesco e, se conseguíssemos fechar, poderíamos levar o produto para milhares de escolas. Mas o prazo estava se esgotando e eu não estava nem perto do fim. Eles estavam acostumados com resultados rápidos e visíveis, e eu temia que, se o produto não cumprisse as expectativas deles, a oportunidade se perderia de vez. Cheguei em casa, irritado e exausto. Eram dezenove horas, uma das raras vezes em que consegui sair mais cedo do trabalho. Mas, sinceramente, não fazia sentido continuar lá, rodando em círculos, sem saber o que fazer. A frustr
Depois de cinco dias , eu estava mais feliz do que nunca. Hoje não teve aula na minha sala porque a profissão ficou doente. E então papai veio mais cedo para casa só porque sabia que eu ia estar lá. Passei a tarde inteira com meu papai. Trabalhamos juntos no projeto. Olha eu, trabalhando com papai... E ele realmente me ouviu. Cada ideia que eu tive, ele prestou atenção. Mesmo quando eu falava mais alto, ou falava demais, ele ficou ali, calmo e paciente, sem me mandar embora, sem aquele olhar cansado e distante, aquele olhar que às vezes me fazia me sentir invisível, como se minhas palavras não tivessem peso, como se eu não tivesse importância. Nada disso aconteceu. Foi diferente. Ele estava presente. Foi quase como antes. Como nos velhos tempos, quando éramos tão amigos. Ele não sorriu, nem fez aquelas brincadeiras que eu amava, aquelas que me faziam rir até a barriga doer. Não era o papai brincalhão de antes, mas eu consegui ver um pedaço dele ali, um pedacinho do papai que eu co
Eu estava com muito medo, mas papai não disse nada, só ficou me olhando, como se não soubesse o que ia fazer. Depois, se ajoelhou ao meu lado. — O que está fazendo, Sofia? — A voz do papai não era brava. Parecia que estava triste também. Mas tive medo dele brigar comigo, mesmo assim. — Por favor, papai… não briga comigo… eu só queria lembrar dela um pouquinho. Ouvi o papai respirar bem fundo, como se tivesse sem ar. Depois, senti sua mão na minha cabeça, fazendo um carinho tão quentinho. E aí ele me abraçou. Fechei os olhos e fiquei ali, quietinha. Fazia tanto tempo que ele não fazia isso. Como eu senti falta do seu abraço, papai. Será que ele voltaria a ser meu melhor amigo? Será que um dia a gente ia brincar de novo? Eu lembrava de quando éramos nós três — eu, mamãe e ele —rindo, correndo pela casa. Agora mamãe não estava mais aqui. Mas Celina estava. E eu gostava muito dela. Ela tinha dito que, às vezes, podia ser brava para agrad
Eu precisei sair daquele quarto, eu não conseguia processar bem as minhas emoções. Coitada da Sofia. Eu queria estar lá por ela, eu juro. Eu queria ter dito aquelas coisas que Celina falou para ela. Eu era o adulto e devia saber confortar uma menina que não veria mais a mãe. Mas eu só conseguia pensar o quanto tudo aquilo era injusto. O quanto a vida foi injusta ao tirar Lívia de mim e de Sofia. Eu me convenci de que a dor se superava com disciplina, com trabalho, com a crença de que tudo o que eu precisava era continuar em frente, sem olhar para trás. Eu achava que poderia preencher o vazio com mais números, mais horas no escritório, mais metas e prazos. Mas, naquele momento, A dúvida começou a permear minha mente. Não era possível que eu estivesse trilhando o caminho errado com Sofia. O conforto que a Celina estava oferecendo a ela, parecia torná-la mais forte ao invés de deixá-la mais fraca. O meu vazio não ia embora com mais trabalho. Ele estava ali, me consumindo aos poucos
Alguns dias depois... Gabriel transformou as ideias de Sofia em conceitos que puderam ser apresentados na reunião dos técnicos. Ele nos contou que foi um sucesso e as ideias foram aprovadas por todos. Agora vinha a fase de programação, que parecia que era onde eles enfrentavam novas dificuldades. Dessa parte eu não entendia, mas a missão havia sido alcançada. Nos últimos dias, Gabriel estava mais relaxado. Ainda o víamos pouco, mas quando estava aqui, ele compartilhava as atualizações do projeto e Sofia ficava mais próxima dele. O ponto alto foi quando ele mostrou o avatar do Super Glob que fizeram para promover o aplicativo e ele era idêntico ao desenho de Sofia. E embaixo do desenho estava escrito: “Projetado por Sofia Monteiro” A garotinha quase chorou de emoção e Gabriel ainda não tinha dado o sorriso que ela esperava, mas víamos claramente, e ele também falava, o quanto estava orgulhoso. Ele a elogiava com palavras cheias de carinho e até com uma leveza que parecia