Estava quase na hora de Celina chegar, e Sofia ainda dormia. Eu já tinha me despedido no dia anterior. Agora sairia assim que Celina chegasse; não queria que Sofia me visse partir e ficasse triste outra vez. O novo emprego era maravilhoso, e eu já conhecia a família. Mas ficar lá e deixar Sofia com alguém que eu não conhecia significaria quebrar minha promessa. Mas com Celina ali, daria tudo certo. Ela é a única pessoa além de mim, que seria capaz de amar tanto Sofia quanto eu.
Olhei para a casa onde tinha morado nos últimos doze meses. A avó de Sofia, Regina, havia imposto ao senhor Gabriel que me contratasse e garantiu que eu continuasse ali. Mas fazia dois meses que ela tinha morrido, e isso era tudo o que o senhor CEO precisava para me colocar para fora.
Ele nunca concordou com os meus métodos. Achava que eu mimava Sofia demais. E eu? Não soube lidar com ele. Não soube me impor, me defender e, principalmente, defender Sofia. Mas Celina conseguiria. Para começar, ela já tinha dado todas as respostas certas. Ela poderia cuidar da menina com carinho, como eu fazia, mas na frente do senhor Gabriel, seria a babá rígida que ele tanto desejava. Ele não desconfiaria de nada, e Sofia cresceria sendo amada e feliz.
Só havia um problema nesse plano: eu temia que Celina não aguentasse trabalhar ali e começasse a pressionar o senhor Gabriel, como eu tinha feito. Precisava lembrá-la sempre da nossa promessa. Torcia para que ela a cumprisse.
A governanta anunciou a chegada de Celina, e eu fiz um gesto para que nos deixasse a sós. Assim que saiu, Celina se pôs diante de mim:
— Joana, sei que fizemos uma promessa. Mas será que eu vou aguentar trabalhar aqui?
— Vai ser só por um tempo. O senhor Gabriel ficou viúvo há um ano. Eu sei que ele vai cair em si e voltar a ser normal.
— Você o conheceu antes da…
— Não. Mas Sofia disse que ele era maravilhoso.
Celina suspirou forte antes de dizer:
— Por que você não conta a verdade? Não é nenhum crime e não é nada demais.
— Ele não está pronto. Eu tentei explicar o quanto Sofia precisava dele, o quanto era importante ele estar presente, e veja no que deu: estou demitida. Ganhe sua confiança, fazendo tudo aquilo o que o senhor Gabriel quer na frente dele. Depois contaremos tudo.
Celina levou as mãos à cabeça e, por fim, deixou-se cair sentada na cadeira da cozinha. Depois de alguns instantes, disse:
— Você sabe o que estava escrito no bilhete de Sofia?
— Um pedido de moeda?
— Não. Um pedido para a fada do dente fazer o pai sorrir. O dente em troca do sorriso.
— Oh, tadinha. Viu como ela precisa de nós? Quer dizer, agora de você, né?
— Eu farei isso por ela. Mas não sei por quanto tempo vou conseguir fingir ser algo que eu não sou. Adepta a todas essas regras idiotas e lidando com um cara frio e sem coração.
— Aguente o tempo que der. Ele vai confiar em você e aí vamos falar a verdade. E vamos mostrar a carta.
— Isso, mostra a carta e a foto que ele não vai te mandar embora. Você poderá continuar sendo a babá de Sofia.
— Ele não vai acreditar. Vai achar que falsificamos.
— E por que você acha que ele vai acreditar em mim quando eu mostrar?
— Porque você vai acertar onde eu errei. Vai fingir fazer tudo o que ele quer, e quando ele tiver certeza de você é uma boa influência, vai te ouvir. Celina, não se esqueça…
— Eu nunca me esquecerei.
— Aqui está a agenda dos eventos de Sofia. Fale com a governanta para te mostrar o seu quarto e guardar a sua mala. Eu tenho que ir, tenho certeza de que se o senhor Gabriel me vir aqui pela manhã vai retirar o emprego que me arrumou e arruinar minha vida. Ele não vê a hora de eu estar longe daqui.
— Você não devia ser a babá que ilumina a vida do CEO obscuro e faz o coração dele amolecer?
— Isso só aconteceria se o senhor Gabriel tivesse um coração. E eu detesto homens mandões, gosto de homens que me tratam como princesa.
Celina e eu rimos.
— Eu te amo muito, Joana! Eu juro que vou fazer tudo ao meu alcance, tá?
— Obrigada, minha amiga. Não vai ser por muito tempo, vamos dar um jeito. Celina, em meia hora precisa acordar Sofia e arrumá-la para a aula de piano, tá? Não se atrase.
Dei um beijo na testa dela, olhei pela última vez aquela casa imponente me despedindo. Murmurei a frase:
— Isso tem que dar certo.
Assim que Joana deixou a casa, me vi nervosa. Não passava um dia sem que eu pensasse naquela noite que tudo mudou. Eu sei como Joana se sentia, eu me sentia igual. Eu sei que laços de amor nos prendiam e era por isso que eu ia cuidar da pequena Sofia. Mas eu não sei como iria conseguir. Se Joana com toda sua gentileza e carinho não conseguiu, eu não tinha chance. Eu não era doce e nem sabia iluminar a vida das pessoas ao meu redor. Eu só tinha… inteligência. Inteligência que eu passei a vida toda tentando esconder. No meu programa de mestrado, eu era sempre vista como arrogante e mandona, só por questionar as coisas. E agora estava em um lugar onde eu não poderia questionar. Precisava ser exatamente o que Gabriel queria. Fiquei sentada relembrando o passado com a minha mala na mão. Divagando, não perguntei a governanta onde era meu quarto e quando me lembrei, já era tarde demais. Pequenos passos interromperam meus pensamentos. Olhei para o lado e vi
— Celina. — Pois não, senhor. Precisa de alguma coisa? — continuei fingindo inocência. — A Joana não deixou a agenda de Sofia com você? — Deixou sim, senhor. — A culpa é de quem por esse atraso, então? Sofia não quis vir e eu devo castigá-la por ser desobediente ou foi a … que errou e atrasou as duas? Fiquei paralisada. Uma de nós duas estaria encrencada de qualquer forma. Respirei fundo e respondi: — Eu entendo sua frustração, senhor Gabriel. A culpa é minha, sim. Eu deveria ter supervisionado melhor e garantido que Sofia não se atrasasse. Vou me certificar de que isso não se repita. Porém, também é importante que Sofia entenda que a responsabilidade é compartilhada. Ela precisa aprender que, em alguns momentos, precisa tomar a iniciativa para evitar esse tipo de erro. Vamos usar isso como uma lição para todos nós — respondi sem acreditar em nada do que eu dizia, mas torcendo para fosse o que ele queria ouvir. Meu corpo relaxou quando ele disse
Nunca devia ter acreditado que Sofia escolheria uma punição condizente com o meu erro. Ela era uma criança, com a pureza ingênua de quem ainda não compreende o peso das responsabilidades adultas. Não fazia ideia do que um dia de minha ausência na empresa poderia causar. Para ela, tudo parecia simples, direto, sem consequências de longo prazo. Um dia sem trabalhar? Seu pedido tinha um preço. Um preço alto demais. Eu não podia simplesmente me afastar. A MD Tecnologias e Informação não era apenas um negócio, era o legado da minha família, algo que construí tijolo por tijolo, com sacrifício e disciplina. Cada decisão que tomei, cada noite sem dormir, cada oportunidade que agarrei ou deixei escapar estava impregnada na estrutura daquela empresa. Tudo dependia de mim. Meus funcionários, meus clientes, os investidores — todos esperavam minha liderança inabalável. Mas ali estava Sofia, me olhando com aqueles olhos grandes, repletos de uma expectativa que me desarma
Fechei os olhos por um instante e expirei lentamente. — Está bem, Sofia — concordei. Olhei para ela, e seu sorriso ocupava metade do rosto. Era contagiante vê-la tão feliz, e isso aqueceu meu coração. Mas, junto com essa alegria, surgia a responsabilidade: para que ela continuasse assim, eu precisava garantir que estava preparando-a para o futuro. Tudo bem, eu poderia fazer os dois mundos funcionarem. Ficaria com Sofia e trabalharia de casa. Simples, aqui tinha tudo o que eu precisava, poderia fazer meu trabalho daqui por um dia. Só precisava avisar meu assistente. Estava prestes a pegar o telefone quando, como se pudesse ler meus pensamentos, a Celina me surpreendeu ao dizer: — Não pode passar o dia no telefone ou no computador, senhor. Sua punição é ficar um dia sem trabalhar. Eu estava com o celular na orelha, depois de discar o número do meu assistente, Matheus, quando a frase dela me atingiu como um soco. Sem conseguir processar dir
— Droga! Eu não sou uma pessoa desastrada! Como isso aconteceu? A exclamação ecoou pela cozinha vazia enquanto eu olhava, incrédula, para a blusa encharcada. Água escorria pelo tecido e grudava na minha pele, gelada e incômoda. Ótimo. Como se eu já não tivesse preocupações suficientes, agora estava ali, parecendo uma pessoa que não sabia segurar um copo. Se Gabriel me visse assim, teria um treco. A culpa era de Joana, falei para não ficar me ligando no serviço. Eu estou fazendo o meu melhor, me pressionar não vai fazer o plano andar mais rápido. Mas Joana era teimosa, e eu me frustrei, não prestei atenção e derrubei água em mim. Por sorte, Joana tinha me avisado sobre como o senhor pontualidade gostava de tudo impecável—rigoroso até nos mínimos detalhes. Não era à toa que, evitando imprevistos como esse, eu tinha sido esperta o suficiente para providenciar um esquema infalível: roupas idênticas para emergências. Nada de perder tempo escolhendo outra coisa ou su
O motorista aguardava do lado de fora do carro de luxo, impecável em seu uniforme de paletó perfeitamente alinhado, luvas brancas imaculadas e um quepe sem uma única dobra fora do lugar. Sua postura era rígida, profissional, como se estivesse em um posto de honra. Assim que nos aproximamos, ele deu um discreto passo à frente e, com um gesto preciso e calculado, abriu a porta, pronto para receber Gabriel com a mesma formalidade de sempre. Seu olhar discreto e postura impecável deixavam claro que ele estava acostumado a atender homens de alto escalão — e que nada, nem mesmo um passeio fora da rotina, quebraria sua disciplina. No entanto, Sofia, com o brilho da travessura nos olhos, resolveu testar os limites do pai. Antes que ele entrasse, lançou a sugestão inesperada: — Papai, não acha que seria mais divertido se você dirigisse? Gabriel franziu a testa, claramente desconfortável com a ideia. — Sofia, temos um motorista para isso. — Mas, pap
Gabriel permaneceu imóvel por um momento, o rosto fechado, mas seus olhos não mentiam. Ele inclinou ligeiramente a cabeça para o lado, um brilho de desafio piscando por um instante. — Só o excepcional pode ser o vencedor — disse, sua voz firme, com um tom de convicção que ressoava no ambiente, carregada de orgulho. — E eu sou competente em tudo. Sou o CEO da maior empresa desta cidade, e isso não tem nada a ver com expectativas, Sofia. Tem a ver com estar sempre à frente dos nossos adversários, sabendo mais do que eles pensam que sabemos. É assim que os vencemos, quando eles nos subestimam. Havia algo de imbatível na forma como ele falou. Era como se estivesse se colocando em uma posição superior, não apenas pela sua experiência, mas por uma crença inabalável de que era capaz de dominar qualquer situação. Seu olhar agora era de puro desafio, como se estivesse esperando que eu me retratasse. Mas eu fiquei quieta. A mudança de postura foi instantânea e um c
Por que parece tão difícil simplesmente sorrir para minha filha? Eu costumava fazer isso o tempo todo. Mas agora, há uma barreira invisível entre mim e esse sorriso. É como se ele estivesse preso, como se uma parte de mim tivesse se perdido em algum lugar do passado, em alguma época onde as coisas eram mais simples, onde minha conexão com Sofia era genuína e natural. Agora, há uma hesitação, uma distância que eu não sei explicar, mas que sinto com toda a intensidade. Fazia anos que não dirigia um carro. Claro que teria dificuldades no começo, mas logo fui me lembrando dos movimentos, dos gestos automaticamente. Eu estava, na verdade, ensinando Sofia uma lição — a de que sempre se deve saber mais do que se aparenta. Isso era algo que eu sabia fazer muito bem: surpreender os outros. Não fiquei surpreso da Celina me subestimar. Com certeza, para ela, eu era apenas mais um homem rico, acostumado a ter tudo feito por outras pessoas, sem nunca precisar levantar