Celina - Capítulo 3

       Eu ainda tentava entender aquele homem. Será que ele realmente acreditava que essa abordagem era o melhor para a Sofia? Ou seria apenas uma forma de se proteger do mundo, de não ter que lidar com algo que ele não pudesse controlar?

        As perguntas dele eram tão diretas e objetivas que, por um momento, me senti como se estivesse em uma entrevista para um cargo corporativo, e não para cuidar de uma criança. Ele queria respostas práticas, sem espaço para sonhos ou fantasias — nem mesmo para uma fada do dente.

         Respondi como Joana me treinou. Será que era mesmo certo fazer isso? Eu acreditava na disciplina e no esforço mas não acreditava na ideia de que o papel do pai não era estar ao lado de filho nas pequenas tarefas diárias mas sim se preocupar em apenas garantir a segurança e futuro deles. E esse era todo o conflito aqui. Aquele homem não sabia que Sofia podia ter as duas coisas.

       Eu não negava que sua aparência era intimidadora. Ele era alto, imponente, cabelos e barbas escuros e impecáveis com uma postura que transmitia confiança sem esforço. Quantos anos tinha? Trinta e cinco? Trinta e oito? Os ombros largos e o porte reto faziam parecer que ele tinha sido esculpido para dominar qualquer sala em que entrasse. Sua voz grave e calma dava peso a qualquer palavra mesmo que o que ele dissesse fosse um monte de idiotice! Eu não acreditava que eu tinha dito tudo aquilo, e que ele ainda tinha gostado.

     Olhei para a pobre garotinha à minha frente. Estava com os olhos marejados e prestes a chorar. Meu coração apertou. Assim que ele se afastou caminhando com Joana em direção ao escritório, aproveitei a oportunidade. Abaixei-me na altura da criança, pronta para lhe dizer algo que a fizesse sentir melhor.

       — Não fique triste, querida.

        Ao perceber o sorriso no meu rosto, sua expressão suavizou também.

      Assim que vi que os dois haviam entrado no escritório, corri até o lixo e peguei a carta. Fiquei surpresa ao perceber que, até o lixo de pessoas ricas, era impecavelmente limpo. Parecia difícil de acreditar, mas o único item na lixeira era a cartinha e o saquinho com o dentinho de Sofia.

       — Pronto, querida. Peguei.

       A garotinha ainda estava com os olhos abaixados e lacrimejantes quando olhou para mim. Mas eu os sequei e perguntei:

     — É uma carta para a fada do dente? Por que não dá para mim? Eu entrego, conheço ela.

      — Mas papai disse que ela não existe…

    — É porque ele nunca a viu, mas eu e Joana sabemos a verdade. Aposto que você vai encontrar uma linda moeda pela manhã.

      — Eu não quero uma moeda.

      — Não? O que você quer?

      — Você conhece mesmo a fada? Me promete que vai entregar a carta para ela?

Meu coração parou por um segundo. O que será que há na carta, se não é apenas um pedido de uma moeda? Por que é tão importante que a fada do dente a leia? Apesar dessas dúvidas, decidi pegar a carta e acabei fazendo uma promessa à garotinha ansiosa a minha frente.

     — Eu prometo. Meu nome é Celina. — Me apresentei novamente.

     — Eu sou a Sofia. Muito prazer.

    — O prazer é meu, Sofia. Mas… eu não quero te pedir para mentir, porque isso é errado, ouviu? Isso é muito errado.

       — Sim, babá Celina. Mentir é errado.

    — Que bom que nos entendemos. Mas seu pai é um homem ocupado, que tal não contarmos a ele que eu vou entregar a cartinha?

     — Eu não posso mentir — respondeu ela travando uma batalha interna. — Mas se ele souber que você vai entregar, pode te demitir também, como fez com a Jojo. E agora?

      — Vamos fazer assim: se ele perguntar, fale a verdade. Mas se ele sair por aquela porta e não perguntar nada, ficamos quietas. Que tal?

      — Pode ser uma boa ideia. Se ele perguntar contamos.

      — Contamos — eu disse com firmeza.

     — Mas se ele não perguntar… não diremos nada…

     Coloquei a cartinha na minha bolsa. Juro que eu e ela quase fizemos uma oração para que ele tivesse esquecido da cartinha. Naquele momento, o senhor Gabriel e Joana deixaram o escritório e começaram a se aproximar de nós. Eu não queria ensinar a garotinha a mentir, mas aquele bilhete parecia ser muito importante para ela. O que quer que estivesse escrito ali significava demais para Sofia.

    É claro que fadas do dente não existiam, mas ela era uma garotinha rica! O que teria pedido naquele papel que não pudesse pedir ao próprio pai e precisaria recorrer a um ser imaginário para conseguir? Sentia no coração que poderia ajudá-la.

     Eles se aproximaram, e eu quis sair da recepção luxuosa imediatamente para evitar ouvi-lo fazer qualquer pergunta. Mas, quando fiz menção de ir embora, a voz rouca, firme e grave ressoou.

     — Nos vemos amanhã, Celina?

     — Sim, senhor, está tudo perfeito.

   — Tenho uma reunião em cinco minutos. Você vai embora pela manhã? — perguntou ele à Joana.

     — Sim, senhor. Assim que a Celina chegar amanhã cedo, eu irei.

     — Perfeito. Obrigada pelos seus serviços.

    Ele se virou para ir embora e Sofia o abraçou. Percebendo que o pai não se movia, ela se afastou e murmurou:

     — Desculpe, papai.

    Quase consegui perceber uma tristeza silenciosa nos olhos dele quando não respondeu ao abraço da garotinha. Parecia que ele queria retribuir aquele gesto de carinho, mas, apesar disso, se manteve distante. Seu semblante continuava frio, mas, ao contrário do que eu esperava, ele não a repreendeu com dureza. Em vez disso, apenas disse:

     — Nos vemos em casa, Sofia.

     — Você vai tomar café da manhã comigo, amanhã?

     Ele respirou e eu percebi que ele não queria fazer isso, mas disse:

     — Sim.

    — Papai, podemos tomar café às oito horas? Tenho aula de piano às nove. Você vai estar lá?

    — Sim, estarei lá às oito horas.

   Ele se virou e entrou no escritório. Joana continuou com o plano de fingir que não era minha amiga e foi embora com Sofia. Me vi sozinha na recepção com o bilhete escondido na bolsa.

    Retirei-o, abri e li:

     "Querida fada do dente

      Você pode me ajudar? Eu dou meu dente para você, se fizer o papai sorrir de novo."

      Meu coração se apertou. Que desejo era aquele? Eu sabia que não podia deixar isso assim, mas o que eu poderia fazer por ela? Não conseguia entender o que estava acontecendo, mas algo me dizia que a promessa que eu fizera podia ser mais difícil de cumprir do que eu imaginava.

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