Capítulo 2 - Ares

  Acordo com um leve movimento na cama, e imediatamente percebi que estava sozinho. A presença calorosa e reconfortante de Abby não estava ali, o que me deixou com uma sensação de vazio. Ainda meio sonolento, abri os olhos devagar e me deparei com a vista da varanda do quarto.

A luz do dia começava a se filtrar pelas cortinas, revelando um cenário tranquilo lá fora. O sol lançava seus raios suaves, pintando o céu com tons de laranja e rosa, e o ar parecia estar repleto de promessas de um novo dia.

Enquanto me sentava na cama, tomei um momento para sentir a brisa matinal tocando meu rosto, tentando absorver toda a serenidade que aquele instante oferecia. Mas, ao mesmo tempo, havia uma pequena inquietação dentro de mim, uma preocupação com a ausência de Abby.

                Ao me virar para olhar melhor a varanda, não pude acreditar no que vi. Abby estava lá, abraçada a si mesma, tentando se aquecer do frio da manhã. Senti uma mistura de alívio e preocupação ao vê-la naquele estado. Por que ela não estava dentro do quarto?

Com passos rápidos, fui até ela e a envolvi com meus braços, trazendo-a para perto de mim. Podia sentir o leve tremor em seu corpo, resultado do frio que enfrentava sozinha. Sem dizer nada, a aconcheguei em meu peito, oferecendo meu calor para aquecê-la.

—  Abby, por que você não estava no quarto? —  pergunto suavemente, preocupado com a razão de ela ter saído sem me acordar.

Ela não respondeu imediatamente, e pude perceber que seus olhos estavam marejados. Eu sabia o quanto Abby tentava ser forte em todas as situações, mas ali, naquele momento, ela parecia vulnerável.

—  Eu tive um pesadelo, Ares. Acordei assustada e senti vontade de vir para a varanda para tentar  me acalmar —  explicou, sua voz embargada pela emoção  —  Sonhei com uma das vezes em que perdi nossos bebês.

Sabia o quão angustiante podia ser reviver um daqueles momentos em um pesadelo, e me senti mal por não ter estado lá para confortá-la quando precisou. Suavemente, acariciei seu cabelo e beijei sua testa, tentando transmitir todo o meu carinho.

—  Sinto muito por não ter acordado antes. Mas agora estou aqui com você —  afirmo com convicção.

Permanecemos abraçados por alguns minutos, deixando que o calor um do outro dissipasse o frio da manhã e a angústia que o pesadelo havia trazido. Aos poucos, a tensão foi se dissipando, substituída por uma sensação de segurança e conforto.

Juntos, voltamos para o quarto, e dessa vez, eu me certifiquei de que Abby estivesse bem coberta para se aquecer. Deitamos lado a lado, nossos corpos ainda se tocando, como se quiséssemos estar o mais próximos possível um do outro.

Enquanto a luz do sol inundava o quarto, senti uma profunda gratidão por ter Abby em minha vida. Ela era minha parceira, minha confidente e alguém com quem eu podia compartilhar meus medos e inseguranças. Nossas histórias se entrelaçavam, e, naquele momento, eu sabia que estaríamos sempre conectados de uma forma única e especial.

           As perdas que Abby sofreu, especialmente os abortos, eram uma fonte de profunda dor e angústia para ambos. Mesmo sabendo que não tinha controle sobre esses eventos e que não podia prever ou evitar cada situação, eu não conseguia evitar sentir uma carga de culpa pesando em meu coração. Ver alguém que amava tanto passar por tanto sofrimento era devastador.

Eu me questionava constantemente se poderia ter feito algo diferente, se deveria ter sido mais cuidadoso, se existia alguma medida que pudesse ter tomado para evitar essas perdas. Mas a verdade é que algumas coisas estão além do nosso controle, e lidar com a imprevisibilidade da vida era uma lição dolorosa que estávamos aprendendo juntos.

Meu amor por Abby me impulsionava a querer protegê-la de qualquer dor ou sofrimento, mas diante dessas circunstâncias, eu me sentia impotente e frustrado. Eu desejava poder aliviar o peso que ela carregava, mas, ao mesmo tempo, sabia que não podia apagar suas experiências passadas ou fazer com que tudo ficasse bem de um momento para o outro.

Nesses momentos difíceis, tentava ser o melhor apoio possível para Abby. Estava sempre presente, ouvindo suas preocupações e medos, segurando sua mão durante os momentos de tristeza e a encorajando a nunca desistir.

—  Eu faria qualquer coisa para melhorar essa situação —  digo num sussurro, acariciando levemente sua cabeça.

               Ela me olha por alguns segundos, erguendo as sobrancelhas por fim.

—  Ares... —  diz no mesmo tom —  Faria qualquer coisa?

—  Eu só quero ver você... sorrindo de novo, Abby —  Era o que mais desejava nos últimos anos.

               Ela se senta devagar, os olhos vagando pela cama.

—  Estive pensando e... há uma coisa, Ares —  diz hesitante —

Acho que tem uma coisa que podemos fazer. Não era o que eu queria, mas, estamos sem opção, não é? —  Ela sorri levemente. Sento ao seu lado, segurando sua mão —  Congelei alguns óvulos, poucos, por insistência da minha ginecologista e agora entendo que ela estava prevendo o futuro —  Ela faz uma breve pausa —  Nós podemos fecundá-los e usar em uma barriga de aluguel.

                É difícil expressar o quão profundamente isso me afeta. Desde o início do nosso relacionamento, Abby e eu compartilhávamos o sonho de construir uma família juntos. Planejávamos esperar o momento certo, quando estivéssemos mais estáveis em nossas carreiras, para então dar esse passo tão importante em nossas vidas. E assim aconteceu: alcançamos sucesso profissional, conquistamos nossos objetivos, mas o tempo passou mais rápido do que imaginávamos.

Enquanto nos concentrávamos em nossas carreiras, o relógio biológico não esperou. A vida sempre nos prega surpresas, e às vezes são surpresas difíceis de lidar. Infelizmente, o tempo que planejávamos investir na construção de nossa família passou rapidamente, e percebemos que agora as coisas não seriam tão simples como antes.

A notícia de que talvez não pudéssemos ter filhos, por causa da condição de Abby, nos atingiu como uma avalanche emocional. Havia um misto de tristeza, frustração e até mesmo uma sensação de injustiça. Mas, apesar de todas essas circunstâncias, ainda continuávamos ali, esperançosos.

—  É isso que quer? —  pergunto com a voz firme.

—  É —  diz sem ao menos pensar, me olhando atentamente. Via em seus olhos que esperava uma resposta positiva para mim —  Eu sei que é algo que nunca discutimos, tanto por que queria que eu... —  Pressiono minha boca contra a dela de repente, gentilmente. Encostando minha testa na dela.

—  Vamos fazer isso, está bem? Se é o que quer, faremos. Não importa o que eu quero, o que importa aqui é apenas o que quer.

               Ela se afasta abruptamente, franzindo o cenho.

—  Não está fazendo isso, só porque...?

—  Não! —  Minha voz soa firme e séria —  Sempre quisemos uma família, só nossa. Lembra? E faço qualquer coisa para isso acontecer, já chega de protelar.

              Abby solta o ar dos pulmões, sorrindo sem mostrar os dentes, acomodando seu corpo ao meu, permitindo que passasse meus braços ao seu redor e a abraçasse.

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