— Você vai participar dessa competição?
Pergunto a Damien assim que saímos da sala de reuniões na nossa empresa. Ele para no corredor, ainda com os olhos presos aos documentos que segurava, mas logo ergue o olhar para mim. Seus olhos frios parecem me analisar, como se estivesse pesando cada palavra antes de falar. Esse é o estilo dele — sempre calculado, sempre um passo à frente, ou pelo menos ele acha que está. — Isso não é uma competição, Ethan — Ele responde, com o tom casual de quem faz uma constatação óbvia. — Para que fosse uma competição, seria necessário um adversário à altura. E você, definitivamente, não é um. O desprezo escorre nas palavras como veneno, e a tensão no ar é palpável. É um padrão em nossas interações: Damien sempre tenta me diminuir. Mas, desta vez, sinto uma neutralidade tomar conta de mim. Nossas relações nunca foram boas, e eu já deixei de me importar em tentar entender onde foi que as coisas começaram a se romper entre nós. — Se eu não fosse um adversário à altura, você não estaria tão ocupado procurando formas criativas de me diminuir, Damien. — Rebato, cruzando os braços enquanto mantenho meu olhar firme no dele. Vejo um leve sorriso curvar o canto de seus lábios. Ele sempre acha graça quando tento confrontá-lo. Acha que isso o coloca acima, como se nada que eu dissesse pudesse realmente afetá-lo. Ele se aproxima, os passos firmes ecoando no corredor de mármore da empresa, e quando para ao meu lado, murmura: — Trate de se vestir decentemente para o leilão amanhã. Não será como as festas patéticas que você costuma frequentar. Seu tom de voz é carregado de superioridade, e ele segue em direção ao seu escritório, deixando-me no corredor com a sensação familiar de que sempre terei que lutar para ser levado a sério por ele. Suspiro, observando Damien desaparecer pela porta de vidro do andar executivo, antes de seguir meu próprio caminho em direção ao elevador. Ao sair da empresa, a luz do fim da tarde de Nova York é forte o suficiente para que eu coloque meus óculos escuros. Caminho pelo lobby amplo e moderno do prédio, acenando para a recepcionista antes de chegar ao estacionamento. Minha BMW já está esperando, e eu entro no carro, dirigindo com calma pelas ruas movimentadas de Hudson Yards. O trânsito me acalma de certa forma, mesmo no caos organizado da cidade. Levo cerca de vinte minutos até chegar em Tribeca. Estaciono em frente à casa e subo direto para a cobertura. Assim que entro, o ambiente é tomado por um silêncio que me faz relaxar instantaneamente. A cidade pode ser barulhenta e caótica, mas aqui em casa, tudo parece mais calmo. Um contraste que eu aprecio. — Astor — chamo, jogando as chaves na mesinha de centro enquanto me jogo no sofá de couro. Em questão de segundos, Astor aparece, sempre eficiente e pronto para qualquer demanda. — Sim, senhor Ethan? — Ligue para a Donna e peça que me envie os arquivos do acordo de distribuição com a Elysium. Preciso disso o quanto antes. — Claro, senhor — Astor responde com sua habitual discrição, antes de se retirar. Fecho os olhos por um momento, tentando processar o peso das últimas horas. A tensão constante entre Damien e eu é sufocante. Nosso pai quer que sejamos implacáveis nos negócios, mas parece que isso se tornou um jogo de poder entre nós, uma batalha silenciosa por quem conseguirá provar mais lealdade e competência. Damien pode ser o favorito do nosso pai, mas eu ainda não desisti de mostrar meu valor. Decido ir para o meu quarto, faço uma rápida higiene e troco minhas roupas por algo mais confortável. Deito na cama com o celular em mãos, e minha mente, inquieta, começa a vagar. Decido investigar um pouco mais sobre a família Montenegro. Orlando Montenegro, o patriarca, é uma figura imponente. Ele tem três filhos: Alex, e as gêmeas Olívia e Ofélia. O Alex, como seu pai, é advogado e parece ser o sucessor natural nos negócios. Já encontrei com Ofélia em alguns eventos, mas ela nunca me chamou muito a atenção. Uma socialite como tantas outras. Mas Olívia... nunca ouvi muito sobre ela. Ela parece manter um perfil discreto, o que desperta minha curiosidade. Em nossa sociedade, onde todos querem ser vistos, ser invisível é quase um ato de rebeldia. Talvez ela seja diferente. Alex, por outro lado, é o clássico herdeiro perfeito — competente, seguro de si e dedicado ao negócio da família. Será que ele é uma versão de Damien entre os Montenegro? Fecho a pesquisa e me pego pensando nos próximos passos. Não sou do tipo que gosta de entrar em competições, mas talvez esteja na hora de provar que, embora não tenha o mesmo interesse obsessivo de Damien, eu sou capaz de lidar com o peso da nossa herança. Amanhã, o leilão será uma oportunidade de mostrar exatamente isso.Enquanto analisava os documentos da Elysium Holdings, tentando traçar uma estratégia para o acordo de distribuição, ouvi batidas leves na porta. Soltei um suspiro e coloquei a esferográfica de lado. Sem tirar os olhos dos papéis, respondi com uma voz baixa, mas firme:— Entre.Os passos elegantes que seguiam em minha direção eram familiares. Minha mãe entrou no escritório como quem já sabe que está no comando, com a postura impecável e um brilho característico nos olhos. Era aquele olhar que sempre significava problemas — ou, como ela preferia, “soluções”.— Pela sua cara, parece que não está feliz em me ver — Começou, balançando a cabeça levemente, como se minha expressão contrariada fosse um exagero.Me esforcei para manter a calma. Quando Celine Carter vinha até mim assim, cheia de confiança, significava que eu estava prestes a ser envolvido em mais uma de suas tramas. Respirei fundo e tentei manter a paciência.— Mãe, estou no meio de algo importante. Vá direto ao ponto, por favor
A noite passou em um breve estalo, e por um momento, quase esqueci o quão caótico havia sido o dia anterior. Meu pescoço dói, resultado de ter dormido numa posição desconfortável na cama. Abro os olhos lentamente e a primeira visão que tenho é de Alex, ainda adormecido ao meu lado. A televisão está ligada, o som baixo, e o filme parece estar no início, como se estivéssemos revivendo o mesmo ciclo de repetições. Não lembro ao certo quanto tempo ficamos acordados, mas certamente não foi muito.Levanto-me devagar para não acordá-lo e pego um cobertor para cobri-lo. Antes que eu possa fazer mais alguma coisa, a porta do quarto se abre bruscamente, revelando Constance, a governanta da casa.— A senhora Montenegro exige a sua presença no café da manhã. — Ela faz uma breve pausa, como se ponderasse se deveria dizer mais. — Imediatamente.Com a mesma rapidez com que entrou, Constance desaparece. Solto um longo suspiro, passando a mão pelos cabelos, ainda confusa com o dia que se inicia. Camin
Assim que acordo, sinto uma dor de cabeça latente, como se tivesse estado horas sob uma sensação de tortura. Faço uma careta ao tentar levantar da cama; ainda estou com as roupas da noite anterior. Ergo o pulso e vejo que são 4:30 PM de sábado. Sinto-me aliviado, porque hoje não tenho nenhum trabalho. Detesto ter que faltar com as minhas obrigações. Pego o celular e vejo várias chamadas perdidas da minha mãe. Suspiro fundo, já sabendo que, provavelmente, ela queria saber como foi o jantar com a filha da amiga dela. Aperto a tecla e deixo que seu número chame. Quando ela atende, não ouço seus gritos histéricos sobre as atualizações, apenas um:“Não se esqueça do leilão dos Montenegro, será dentro de horas.”Por um momento, eu tinha esquecido que hoje seria o leilão dos Montenegro. Olhei para as minhas vestimentas e lembrei que não tinha vindo de carro. Recolho meus pertences e faço o check-out antes de pegar o primeiro táxi para casa.Ao entrar, sou recebido pelos olhares julgadores da
Embora eu estivesse confiante de que me sairia bem durante o evento, o medo começou a tomar conta de mim assim que entrei no salão e vi a quantidade de pessoas no leilão. Meu coração disparou, as mãos tremiam levemente, e os meus pés pareciam querer vacilar a cada passo. Os olhares curiosos, os sussurros discretos, o som suave de música clássica ao fundo... tudo aquilo começou a se misturar numa cacofonia desconfortável, como se o mundo ao meu redor estivesse comprimido e me observando de perto. Era como se, de algum modo, eu estivesse fazendo algo de errado. Respirei fundo, tentando afastar o nó que começava a se formar no meu estômago, e continuei andando.Ao longe, meus olhos encontraram o olhar firme e crítico da minha mãe. Mesmo à distância, pude perceber que ela não estava nada satisfeita com o meu visual. Seu pedido havia sido simples: que eu deixasse o cabelo todo natural, sem as mechas loiras que eu insistia em manter. Provavelmente, aquilo a deixara furiosa. Para evitar que
— Mãe, você realmente vai deixar a Olívia participar do leilão? — pergunto, a indignação transparecendo na minha voz assim que ela fica sozinha após uma conversa com uma das convidadas. O sorriso dela é o mesmo de sempre, aquele que tenta me acalmar, mas que só serve para aumentar minha frustração.— Não tenho muito o que fazer, Ofélia. As nossas atrações tiveram um imprevisto e precisamos de uma substituição — responde, seu tom firme, mas não sem um toque de exaustão. Esse tipo de situação parece estar se tornando comum, e isso só me irrita ainda mais.Eu não posso acreditar que ela realmente acha que isso é aceitável. Olívia não merece esse tipo de chance. — Ela vai estragar tudo. — A minha voz se eleva.— Imagine se ela não for escolhida e atacar-me por inveja? Mãe, a Olívia me odeia porque você gosta de mim.A expressão de minha mãe muda ligeiramente, como se um feixe de preocupação cruzasse seu rosto. Mas logo, essa preocupação é substituída por uma frieza que não consigo entende
Minha curiosidade sobre o homem que conheci no jardim crescia a cada vez mais. Ele parecia conhecer pedaços de mim que eu mesma desconhecia, como se enxergasse através de uma cortina que bloqueava minhas memórias. Seus olhares, suas palavras, carregavam uma familiaridade que eu não conseguia ignorar, mas também não conseguia decifrar. A psicóloga dizia que a perda de memória era um mecanismo de defesa da mente após eventos traumáticos. Um jeito de lidar com algo que a consciência se recusava a aceitar. Mas isso nunca pareceu uma explicação completa. Era como se houvesse buracos na minha história, peças faltando em um quebra-cabeça que, mesmo incompleto, ainda me atormentava. Quando eu tentava lembrar, sentia como se minha mente estivesse presa em um labirinto, incapaz de encontrar a saída.No entanto, havia algo que eu sabia com certeza: aquele leilão era o último lugar onde eu queria estar. Detestava ser o centro das atenções, ser exibida como um prêmio, mas minha mãe insistiu para q
Vejo Olívia saindo de mãos dadas com Easton, e algo dentro de mim se contrai. Eles passam por mim como se o ambiente ao redor fosse uma extensão de seu próprio mundo, e eu fico ali, com o copo de uísque na mão, tentando entender como aqueles dois se conhecem. Olívia não parece o tipo de mulher que Easton escolheria; seu jeito, seu estilo de vida, tudo nela soa como um contraste direto ao que ele costuma buscar. Levo o copo aos lábios, e o gosto forte do uísque desce rasgando minha garganta, mas não apaga o incômodo que vai crescendo a cada segundo.Por que estou irritado? Afinal, eu sequer a conheço bem. Paguei 25 milhões de dólares por ela no leilão. Qualquer outra mulher em Nova York enlouqueceria só por ter a minha atenção, mas Olívia? Ela parecia distante, intocável. Havia uma naturalidade desarmante no jeito como falava e se portava, como se eu fosse apenas mais um nome em sua lista de contatos, e não alguém que praticamente pagou por ela.Percorro os olhos pelo salão. Poderia es
São muitas emoções para uma só noite. Penso comigo mesma logo após voltar a atenção para Easton. A sensação de nervosismo, curiosidade e as borboletas no estômago que antes tomavam conta de mim na presença dele, foram substituídas pela recente chegada de Damien. Ele apareceu tão discreto quanto ousou ser, mas seu olhar direto e sua presença imponente não passaram despercebidos.— Eu preciso ir. Falamos depois, certo? — Pergunto, tentando manter a voz firme, mas a sensação de inquietação na minha mente é clara. Ele apenas sorri, um sorriso tranquilo, antes de depositar um leve selar no canto dos meus lábios. Isso deixa meu coração acelerado e uma sensação estranha invade o meu corpo.Como posso deixar um completo estranho chegar assim tão perto de mim? Por que, em vez de afastá-lo, sinto-me segura em dar-lhe tanto espaço? O que aconteceu com minha capacidade de julgar pessoas? O quanto da minha memória eu perdi nos últimos anos?Suspiro fundo, tentando afastar os pensamentos e encontra