Assim que acordo, sinto uma dor de cabeça latente, como se tivesse estado horas sob uma sensação de tortura. Faço uma careta ao tentar levantar da cama; ainda estou com as roupas da noite anterior. Ergo o pulso e vejo que são 4:30 PM de sábado. Sinto-me aliviado, porque hoje não tenho nenhum trabalho. Detesto ter que faltar com as minhas obrigações. Pego o celular e vejo várias chamadas perdidas da minha mãe. Suspiro fundo, já sabendo que, provavelmente, ela queria saber como foi o jantar com a filha da amiga dela. Aperto a tecla e deixo que seu número chame. Quando ela atende, não ouço seus gritos histéricos sobre as atualizações, apenas um:
“Não se esqueça do leilão dos Montenegro, será dentro de horas.” Por um momento, eu tinha esquecido que hoje seria o leilão dos Montenegro. Olhei para as minhas vestimentas e lembrei que não tinha vindo de carro. Recolho meus pertences e faço o check-out antes de pegar o primeiro táxi para casa. Ao entrar, sou recebido pelos olhares julgadores da minha mãe. Ela nada diz, apenas caminha em direção ao meu pai e ajeita sua gravata. Ethan desce as escadas. Não me lembro da última vez que ele apareceu tão arrumado assim. — É bom que não se atrase, Damien Carter. Minha mãe dá sua última sentença, como se fosse uma ordem irrevogável. Meu pai me encara, transmitindo que devo aceitar sem questionar, para não perturbar sua esposa. Ethan, por sua vez, passa por mim como se não tivesse me visto. Subo as escadas até o meu quarto, tiro as roupas e entro no banho. A dor de cabeça lentamente começa a dissipar, mas eu adoraria poder dormir um pouco mais. Contudo, o leilão é um evento importante, especialmente para os negócios da Orion, e, sem contar, que preciso fechar o acordo com a Elysium o quanto antes para assumir a posição de CEO. Sei que não posso correr muito, pois Ethan não está tão interessado. Após um longo banho, vejo que estou pronto. Ficarei apenas algumas horas, e depois disso irei embora. Desço as escadas novamente, pego as chaves do carro e dirijo tranquilamente pelas ruas de Manhattan até chegar em Upper East Side. Já está escuro, e as luzes dos postes e dos carros iluminam o caminho, refletindo no asfalto molhado pela chuva que caiu mais cedo. Não me recordo exatamente onde ficava a casa dos Montenegro, então sigo minha intuição em meio aos veículos que chegam. Estaciono após os guardas da mansão liberarem a minha passagem. Desço e observo o lugar. A mansão tem um ar acolhedor, o jardim é bonito e extenso, com flores que parecem dançar sob a luz suave dos holofotes estrategicamente posicionados. No céu, as estrelas tímidas se escondem por trás de nuvens escuras, e, ao fundo, ouço uma música calma que complementa a atmosfera elegante do local. Enquanto um dos empregados me conduz ao salão onde ocorrerá o evento, mal presto atenção aos detalhes do caminho, até que algo me faz parar. Uma mulher de vestido verde atravessa meu campo de visão. O tecido cobre seus braços, e ela usa luvas que dão um ar refinado e misterioso. Seu cabelo está preso, mas duas mechas loiras soltas emolduram seu rosto de forma delicada. Não consigo ver seu rosto completamente, mas algo em sua postura chama minha atenção, quase como se ela estivesse absorvida em pensamentos. Antes que eu possa pensar mais sobre ela, um grito estridente interrompe minha concentração. — Damien!!! — A voz de Ofélia ecoa antes que ela tente se aproximar e colocar as mãos em mim. Eu a impeço e ela sorri, sem jeito. — Estou tão feliz por você estar aqui! Quando meu pai disse que vocês viriam, eu não imaginei que você realmente viria. — Ofélia, também estou feliz em te ver. — Ofélia é uma das filhas de Orlando Montenegro. Modelo, bonita e carismática, já tínhamos ficado juntos algumas vezes, mas nada sério. — Sabe a novidade do ano? Serei uma das atrações do leilão ao lado da idiota da minha irmã. — Ela disse, revirando os olhos. — Acredita que ela me atacou do nada? Ofélia sempre me falou da irmã, mas nunca a conheci pessoalmente. Eram gêmeas, mas a relação entre elas parecia complicada. — A relação de vocês parece mesmo ser bem complicada... Antes que Ofélia pudesse responder, vejo seus olhos se fixarem em um ponto atrás de mim. Eu acompanho seu olhar e vejo a mulher do vestido verde. É Olívia, a irmã gêmea de Ofélia. Embora sejam idênticas, algo na presença de Olívia me atrai de um jeito diferente. — Ela realmente veio... — Ofélia sussurra, ajeitando-se antes de completar, com um sorriso forçado. — Nos falamos depois, Damien. Espero que você aproveite o leilão. Não é qualquer um que vai ter a sorte de passar uns dias comigo. Ela se afasta como se eu estivesse realmente interessado em passar mais tempo com ela. Ofélia parece esquecer que eu sigo a regra de nunca me envolver demais com ninguém. Foi bom passar um tempo com ela, mas não significa que eu queira mais do que isso. Pego uma taça de champanhe e caminho em direção ao senhor Montenegro, que estava saudando meus pais ao lado de Olívia e Alex. Chego sutilmente, a tempo de ouvir um pouco da conversa. — Olívia, como tem passado? Espero que esteja bem depois do infortúnio. — Minha mãe pergunta, com um olhar preocupado. Olívia sorri de forma fraca e desconfortável, enquanto sua irmã a observa. — Agora, estou bem. Todos sorriem, menos ela. Conheço aquela expressão, e me pergunto o que de fato aconteceu. Assim que fico perto o suficiente, cumprimento todos e me junto à minha família. Os Montenegro saem para saudar outros convidados, e então quando estamos sozinhos o meu pai diz: — Você não deveria ter dito aquilo, Celine. — Joseph, eu só estava curiosa. A menina deve estar traumatizada. — Traumatizada por quê? — Querido, você não sabia? Olívia Montenegro, nos primeiros anos de faculdade, acabou sendo sequestrada pelo reitor dela. Ela ficou desaparecida por anos até finalmente conseguir escapar. O reitor morreu ao oferecer resistência. Ninguém sabe ao certo suas motivações. Olívia não sofreu nenhum tipo de abuso, mas alguns dizem que eles eram amantes. Ninguém sabe ao certo, e ela não fala sobre isso. Ouço minha mãe falar e volto meu olhar para Olívia. Ela está com o irmão, e nossos olhares se cruzam por alguns segundos. Há algo nos olhos dela, uma profundidade que me hipnotiza. É como se estivessem cheios de segredos, escondendo verdades que ninguém se atreve a perguntar. E, naquele breve momento, sinto que quero saber mais, que preciso entender quem é a verdadeira Olívia Montenegro. Mas antes que eu possa me aprofundar no olhar dela, ela vira o rosto, quebrando o contato. Fico ali, frustrado e curioso, tentando entender o que exatamente me chamou a atenção.Embora eu estivesse confiante de que me sairia bem durante o evento, o medo começou a tomar conta de mim assim que entrei no salão e vi a quantidade de pessoas no leilão. Meu coração disparou, as mãos tremiam levemente, e os meus pés pareciam querer vacilar a cada passo. Os olhares curiosos, os sussurros discretos, o som suave de música clássica ao fundo... tudo aquilo começou a se misturar numa cacofonia desconfortável, como se o mundo ao meu redor estivesse comprimido e me observando de perto. Era como se, de algum modo, eu estivesse fazendo algo de errado. Respirei fundo, tentando afastar o nó que começava a se formar no meu estômago, e continuei andando.Ao longe, meus olhos encontraram o olhar firme e crítico da minha mãe. Mesmo à distância, pude perceber que ela não estava nada satisfeita com o meu visual. Seu pedido havia sido simples: que eu deixasse o cabelo todo natural, sem as mechas loiras que eu insistia em manter. Provavelmente, aquilo a deixara furiosa. Para evitar que
— Mãe, você realmente vai deixar a Olívia participar do leilão? — pergunto, a indignação transparecendo na minha voz assim que ela fica sozinha após uma conversa com uma das convidadas. O sorriso dela é o mesmo de sempre, aquele que tenta me acalmar, mas que só serve para aumentar minha frustração.— Não tenho muito o que fazer, Ofélia. As nossas atrações tiveram um imprevisto e precisamos de uma substituição — responde, seu tom firme, mas não sem um toque de exaustão. Esse tipo de situação parece estar se tornando comum, e isso só me irrita ainda mais.Eu não posso acreditar que ela realmente acha que isso é aceitável. Olívia não merece esse tipo de chance. — Ela vai estragar tudo. — A minha voz se eleva.— Imagine se ela não for escolhida e atacar-me por inveja? Mãe, a Olívia me odeia porque você gosta de mim.A expressão de minha mãe muda ligeiramente, como se um feixe de preocupação cruzasse seu rosto. Mas logo, essa preocupação é substituída por uma frieza que não consigo entende
Minha curiosidade sobre o homem que conheci no jardim crescia a cada vez mais. Ele parecia conhecer pedaços de mim que eu mesma desconhecia, como se enxergasse através de uma cortina que bloqueava minhas memórias. Seus olhares, suas palavras, carregavam uma familiaridade que eu não conseguia ignorar, mas também não conseguia decifrar. A psicóloga dizia que a perda de memória era um mecanismo de defesa da mente após eventos traumáticos. Um jeito de lidar com algo que a consciência se recusava a aceitar. Mas isso nunca pareceu uma explicação completa. Era como se houvesse buracos na minha história, peças faltando em um quebra-cabeça que, mesmo incompleto, ainda me atormentava. Quando eu tentava lembrar, sentia como se minha mente estivesse presa em um labirinto, incapaz de encontrar a saída.No entanto, havia algo que eu sabia com certeza: aquele leilão era o último lugar onde eu queria estar. Detestava ser o centro das atenções, ser exibida como um prêmio, mas minha mãe insistiu para q
Vejo Olívia saindo de mãos dadas com Easton, e algo dentro de mim se contrai. Eles passam por mim como se o ambiente ao redor fosse uma extensão de seu próprio mundo, e eu fico ali, com o copo de uísque na mão, tentando entender como aqueles dois se conhecem. Olívia não parece o tipo de mulher que Easton escolheria; seu jeito, seu estilo de vida, tudo nela soa como um contraste direto ao que ele costuma buscar. Levo o copo aos lábios, e o gosto forte do uísque desce rasgando minha garganta, mas não apaga o incômodo que vai crescendo a cada segundo.Por que estou irritado? Afinal, eu sequer a conheço bem. Paguei 25 milhões de dólares por ela no leilão. Qualquer outra mulher em Nova York enlouqueceria só por ter a minha atenção, mas Olívia? Ela parecia distante, intocável. Havia uma naturalidade desarmante no jeito como falava e se portava, como se eu fosse apenas mais um nome em sua lista de contatos, e não alguém que praticamente pagou por ela.Percorro os olhos pelo salão. Poderia es
São muitas emoções para uma só noite. Penso comigo mesma logo após voltar a atenção para Easton. A sensação de nervosismo, curiosidade e as borboletas no estômago que antes tomavam conta de mim na presença dele, foram substituídas pela recente chegada de Damien. Ele apareceu tão discreto quanto ousou ser, mas seu olhar direto e sua presença imponente não passaram despercebidos.— Eu preciso ir. Falamos depois, certo? — Pergunto, tentando manter a voz firme, mas a sensação de inquietação na minha mente é clara. Ele apenas sorri, um sorriso tranquilo, antes de depositar um leve selar no canto dos meus lábios. Isso deixa meu coração acelerado e uma sensação estranha invade o meu corpo.Como posso deixar um completo estranho chegar assim tão perto de mim? Por que, em vez de afastá-lo, sinto-me segura em dar-lhe tanto espaço? O que aconteceu com minha capacidade de julgar pessoas? O quanto da minha memória eu perdi nos últimos anos?Suspiro fundo, tentando afastar os pensamentos e encontra
Dormir nunca foi uma tarefa complicada para mim. Sempre foi natural, como desligar um interruptor ao fim de um dia exaustivo. No entanto, pela primeira vez em muito tempo, virei de um lado para o outro, incapaz de silenciar os pensamentos sobre o leilão. Não me arrependo do lance. Quando os primeiros raios de sol atravessam as persianas, finalmente desisto de tentar descansar. Levanto da cama com um suspiro pesado, observando o quarto em sua desordem incomum. Caminho até a varanda, buscando clareza na brisa matinal. O céu está limpo, e o som dos pássaros se mistura ao leve borrifar do sistema de irrigação no jardim. É um momento de calma que, infelizmente, não dura.Depois de realizar minha rotina matinal, escolho roupas leves, mas elegantes, e desço para o café da manhã. Na sala de refeições, meus pais estão conversando em um tom baixo, mas a conversa cessa assim que me aproximo. Minha mãe me entrega um iPad com um sorriso enigmático.— Bom dia, Damien. — Há algo entre diversão e cur
Ofélia é quem deveria estar na matéria, e não eu. Essa frase martela na minha mente enquanto fecho a aba da página de fofocas. O brilho da tela parece zombar de mim, enquanto as mensagens continuam a chegar sem cessar. Ana, sempre curiosa, já tinha me confrontado mais cedo:— Como você se sente caindo na graça de Damien Carter? — perguntou, com um tom que oscilava entre provocação e genuíno interesse.Eu apenas dei de ombros na hora, mas a verdade era que eu não sabia como me sentia. Parte de mim, talvez uma parte que eu relutava em admitir, gostava da ideia de finalmente roubar o brilho que sempre pertenceu à Ofélia. Pela primeira vez, ela não era o centro de algo.Mas essa pequena satisfação veio acompanhada de um gosto amargo. Ser observada, analisada, colocada sob holofotes que nunca pedi... era sufocante.Tentei me concentrar no trabalho. O restaurante estava calmo naquele horário, e a vista do jardim do lado de fora sempre me ajudava a encontrar equilíbrio. O lago artificial, ce
— Ainda acho que é uma péssima ideia, Easton. — Rhianon disse enquanto ajustava o último detalhe no buquê de tulipas amarelas. Seus olhos precisos varreram minhas feições, analisando cada detalhe como se pudesse decifrar meus pensamentos. — Você deveria contar-lhe a verdade.Soltei um suspiro pesado, fechando os olhos por alguns segundos. A verdade, é claro, parecia a escolha mais lógica. Mas era também a mais arriscada. Desde que Olívia voltou para casa, parecia uma sombra do que era antes. Mesmo se eu quisesse, como poderia jogar mais peso sobre ela? E se ela não se lembrasse de quem eu era? Pior ainda, e se ela não quisesse lembrar?— Não é tão simples assim, Rhianon. — Minha voz saiu mais firme do que eu esperava. — Ela esqueceu tudo. "Alguém Ninguém" não significa nada para ela agora.Rhianon bufou, cruzando os braços.— Esqueceu porque foi traumatizada, Easton. E você decidiu que esconder quem você realmente é vai ajudá-la?Olhei para minha irmã, tentando ignorar a pontada de cu