Embora eu estivesse confiante de que me sairia bem durante o evento, o medo começou a tomar conta de mim assim que entrei no salão e vi a quantidade de pessoas no leilão. Meu coração disparou, as mãos tremiam levemente, e os meus pés pareciam querer vacilar a cada passo. Os olhares curiosos, os sussurros discretos, o som suave de música clássica ao fundo... tudo aquilo começou a se misturar numa cacofonia desconfortável, como se o mundo ao meu redor estivesse comprimido e me observando de perto. Era como se, de algum modo, eu estivesse fazendo algo de errado. Respirei fundo, tentando afastar o nó que começava a se formar no meu estômago, e continuei andando.
Ao longe, meus olhos encontraram o olhar firme e crítico da minha mãe. Mesmo à distância, pude perceber que ela não estava nada satisfeita com o meu visual. Seu pedido havia sido simples: que eu deixasse o cabelo todo natural, sem as mechas loiras que eu insistia em manter. Provavelmente, aquilo a deixara furiosa. Para evitar que a noite se transformasse num desastre completo, decidi ficar próxima de Alex, que me recebeu com um sorriso genuíno. Seus olhos tinham uma gentileza que me confortava, um contraste acolhedor em meio à frieza do evento. — Você está linda, Olívia — ele disse, e senti minhas tensões diminuírem por um breve momento. A segunda pessoa com quem sinto mais conexão, claro, é meu pai. Ele parecia genuinamente feliz em me ver ali. Acho que, para ele, esta era uma pequena vitória, me ver presente num evento depois de tanto tempo. Seu sorriso era leve, e ele fez questão de me abraçar carinhosamente, algo que eu não esperava, mas apreciei. — Está se sentindo bem? — ele perguntou, enquanto me afastava um pouco para observar melhor meu rosto. — Qualquer coisa, sabe que pode ir embora a qualquer momento. — Estou bem, pai. É sério. — Assenti, tentando convencê-lo e a mim mesma ao mesmo tempo. — Quero ficar. Após trocarmos algumas palavras, Alex e meu pai decidiram que era hora de cumprimentar os Carters. Eu não os conhecia muito bem, mas sabia que eram uma das famílias mais influentes da cidade e tinham dois filhos: Damien, o primogênito, apenas alguns meses mais velho que Alex, e Ethan, o caçula. Quando nos aproximamos, fui surpreendida pela senhora Carter, uma mulher de elegância impecável e um sorriso meticulosamente treinado. — Olívia, como tem passado? Espero que esteja bem depois do infortúnio. — Ela falou, estendendo a mão e me observando com um olhar que parecia perfurar minha alma. Aquela pergunta me pegou de surpresa. Foi estranho, porque era uma pergunta que só minha terapeuta e Alex faziam com alguma frequência. Eu hesitei antes de responder, sentindo-me um pouco exposta, mas sorri de volta e murmurei: — Agora, estou bem. Antes que o momento ficasse ainda mais desconfortável, Damien apareceu. Ele era extremamente alto, sua figura imponente quase me fez sentir pequena. Sua presença era marcante, com uma voz grave que reverberava suavemente no ar. Seus olhos escuros tinham um brilho intenso, profundo, como se pudessem ver através das pessoas. O cabelo curto e perfeitamente alinhado, os ombros largos, tudo nele transmitia uma confiança calculada. Ele era, sem dúvida, um homem bonito. Mas não tanto quanto Ethan, que, para mim, tinha uma beleza mais natural e acessível, quase gentil. Era como se ele fosse mais verdadeiro, menos polido que os outros ao nosso redor. Cumprimentei todos com um sorriso educado, tentando não me perder nos meus pensamentos enquanto Alex e meu pai continuavam a trocar amenidades com a família. Fiquei vagamente atenta às conversas, até que me senti sufocada e desejei fugir dali por um momento. — Vou até o jardim respirar um pouco de ar fresco. Volto antes do leilão começar — avisei, aproveitando a primeira oportunidade para escapar. No caminho, vi Ofélia, que parecia estar à minha espera. Seus olhos verdes me fitavam de cima a baixo, analisando cada detalhe do meu visual, antes de exibir um sorriso que não escondia a provocação. Ela estava deslumbrante em um vestido vermelho que destacava suas curvas, o decote generoso quase atraindo olhares indesejados. Seu cabelo estava solto e brilhante, e os olhos marcados pela maquiagem pareciam ainda mais penetrantes. — Olha só quem resolveu aparecer... — ela disse, aproximando-se com passos calculados, a voz carregada de sarcasmo. — Só porque está arrumada e em roupas elegantes, não significa que pode mudar a sua essência, Olívia. Ainda dá tempo de desistir e sair daqui antes que faça algo embaraçoso. Eu mantive meu sorriso, agora mais afiado. Se fosse alguns anos atrás, talvez essas palavras tivessem me feito chorar, me perguntando por que minha irmã parecia me odiar tanto. Mas hoje, enxergava aquilo de outra forma. As palavras de Ofélia eram um reflexo das suas próprias inseguranças. Ela cresceu recebendo toda a atenção e os elogios de nossa mãe, acreditando ser a perfeição em pessoa. Dividir o mesmo espaço comigo, com o mesmo rosto, era um pesadelo para ela. Não que eu gostasse dessa rivalidade. Honestamente, eu também odiava tudo isso. Continuei andando até chegar ao jardim. O ar fresco e o silêncio do lugar eram um alívio bem-vindo após o caos do salão. Me sentei em um banco próximo à fonte, e, por um momento, me permiti relaxar. As memórias me inundaram de repente, transportando-me para uma época mais simples, quando eu brincava ali com Alex. Ele ria, eu ria... éramos só duas crianças se divertindo. O som suave da água caindo na fonte era reconfortante, quase hipnótico. Mas então, uma voz quebrou o silêncio. — Não é uma grande apreciadora de eventos, não é? Virei-me, surpresa, e vi um homem vindo em minha direção. Ele era loiro, com olhos azuis intensos, vestindo um terno preto sob medida que se ajustava perfeitamente ao seu corpo atlético. A sua presença tinha algo de elegante e tranquilo, e eu não pude evitar sentir um leve nervosismo ao encará-lo. Havia algo nele, uma familiaridade que eu não conseguia identificar. — Não sou — admiti, tentando soar casual. — Presumo que você também não seja, certo? Ele sorriu, e meu nervosismo aumentou. Era um sorriso charmoso, fácil, como se ele estivesse se divertindo comigo. — Depende. Quando eventos como este me colocam diante de alguém como você... talvez eu até goste. Senti minhas bochechas corarem, e desviei o olhar para a fonte, tentando esconder meu embaraço. O vento fresco da noite acariciou meu rosto, e, por um momento, me senti grata por isso. Ficamos em silêncio por um tempo, apenas sorrindo um para o outro. Eu queria dizer algo, perguntar quem ele era, mas as palavras ficaram presas na minha garganta. Antes que eu conseguisse encontrar uma desculpa para puxar assunto, um dos empregados do evento se aproximou. — Senhorita Olívia, o leilão vai começar em breve. A senhora Montenegro pediu que se reúna com os demais. Eu me levantei, e o homem fez o mesmo. Só então percebi o quanto ele era alto, imponente. Ele me olhou com um sorriso discreto, como se estivesse guardando um segredo. — Acho que preciso ir. Como devo chamá-lo? — perguntei, ainda curiosa. Ele inclinou a cabeça para o lado, o sorriso brincalhão surgindo novamente. — Alguém ninguém. — Pensei que fosse me dizer seu nome — insisti, tentando decifrá-lo. — “Alguém ninguém” não parece um nome muito convincente. Ele riu, se aproximando de mim até que eu pudesse sentir o calor do seu corpo contra o meu. Meu coração acelerou, e o resto do mundo pareceu desaparecer por um instante. — Pensei que você fosse se lembrar — disse ele, a voz baixa e gentil. — Estou um pouco ofendido, mas tudo bem. Eu queria perguntar mais, entender o que ele queria dizer, mas o empregado apareceu novamente, impaciente. Eu fui obrigada a me afastar e voltar para o salão, mas antes de ir, lancei um último olhar para trás. Ele estava parado ali, me observando, e havia algo nos olhos dele, algo que eu deveria reconhecer. Céus, por que sou tão ruim em memorizar rostos?— Mãe, você realmente vai deixar a Olívia participar do leilão? — pergunto, a indignação transparecendo na minha voz assim que ela fica sozinha após uma conversa com uma das convidadas. O sorriso dela é o mesmo de sempre, aquele que tenta me acalmar, mas que só serve para aumentar minha frustração.— Não tenho muito o que fazer, Ofélia. As nossas atrações tiveram um imprevisto e precisamos de uma substituição — responde, seu tom firme, mas não sem um toque de exaustão. Esse tipo de situação parece estar se tornando comum, e isso só me irrita ainda mais.Eu não posso acreditar que ela realmente acha que isso é aceitável. Olívia não merece esse tipo de chance. — Ela vai estragar tudo. — A minha voz se eleva.— Imagine se ela não for escolhida e atacar-me por inveja? Mãe, a Olívia me odeia porque você gosta de mim.A expressão de minha mãe muda ligeiramente, como se um feixe de preocupação cruzasse seu rosto. Mas logo, essa preocupação é substituída por uma frieza que não consigo entende
Minha curiosidade sobre o homem que conheci no jardim crescia a cada vez mais. Ele parecia conhecer pedaços de mim que eu mesma desconhecia, como se enxergasse através de uma cortina que bloqueava minhas memórias. Seus olhares, suas palavras, carregavam uma familiaridade que eu não conseguia ignorar, mas também não conseguia decifrar. A psicóloga dizia que a perda de memória era um mecanismo de defesa da mente após eventos traumáticos. Um jeito de lidar com algo que a consciência se recusava a aceitar. Mas isso nunca pareceu uma explicação completa. Era como se houvesse buracos na minha história, peças faltando em um quebra-cabeça que, mesmo incompleto, ainda me atormentava. Quando eu tentava lembrar, sentia como se minha mente estivesse presa em um labirinto, incapaz de encontrar a saída.No entanto, havia algo que eu sabia com certeza: aquele leilão era o último lugar onde eu queria estar. Detestava ser o centro das atenções, ser exibida como um prêmio, mas minha mãe insistiu para q
Vejo Olívia saindo de mãos dadas com Easton, e algo dentro de mim se contrai. Eles passam por mim como se o ambiente ao redor fosse uma extensão de seu próprio mundo, e eu fico ali, com o copo de uísque na mão, tentando entender como aqueles dois se conhecem. Olívia não parece o tipo de mulher que Easton escolheria; seu jeito, seu estilo de vida, tudo nela soa como um contraste direto ao que ele costuma buscar. Levo o copo aos lábios, e o gosto forte do uísque desce rasgando minha garganta, mas não apaga o incômodo que vai crescendo a cada segundo.Por que estou irritado? Afinal, eu sequer a conheço bem. Paguei 25 milhões de dólares por ela no leilão. Qualquer outra mulher em Nova York enlouqueceria só por ter a minha atenção, mas Olívia? Ela parecia distante, intocável. Havia uma naturalidade desarmante no jeito como falava e se portava, como se eu fosse apenas mais um nome em sua lista de contatos, e não alguém que praticamente pagou por ela.Percorro os olhos pelo salão. Poderia es
São muitas emoções para uma só noite. Penso comigo mesma logo após voltar a atenção para Easton. A sensação de nervosismo, curiosidade e as borboletas no estômago que antes tomavam conta de mim na presença dele, foram substituídas pela recente chegada de Damien. Ele apareceu tão discreto quanto ousou ser, mas seu olhar direto e sua presença imponente não passaram despercebidos.— Eu preciso ir. Falamos depois, certo? — Pergunto, tentando manter a voz firme, mas a sensação de inquietação na minha mente é clara. Ele apenas sorri, um sorriso tranquilo, antes de depositar um leve selar no canto dos meus lábios. Isso deixa meu coração acelerado e uma sensação estranha invade o meu corpo.Como posso deixar um completo estranho chegar assim tão perto de mim? Por que, em vez de afastá-lo, sinto-me segura em dar-lhe tanto espaço? O que aconteceu com minha capacidade de julgar pessoas? O quanto da minha memória eu perdi nos últimos anos?Suspiro fundo, tentando afastar os pensamentos e encontra
Dormir nunca foi uma tarefa complicada para mim. Sempre foi natural, como desligar um interruptor ao fim de um dia exaustivo. No entanto, pela primeira vez em muito tempo, virei de um lado para o outro, incapaz de silenciar os pensamentos sobre o leilão. Não me arrependo do lance. Quando os primeiros raios de sol atravessam as persianas, finalmente desisto de tentar descansar. Levanto da cama com um suspiro pesado, observando o quarto em sua desordem incomum. Caminho até a varanda, buscando clareza na brisa matinal. O céu está limpo, e o som dos pássaros se mistura ao leve borrifar do sistema de irrigação no jardim. É um momento de calma que, infelizmente, não dura.Depois de realizar minha rotina matinal, escolho roupas leves, mas elegantes, e desço para o café da manhã. Na sala de refeições, meus pais estão conversando em um tom baixo, mas a conversa cessa assim que me aproximo. Minha mãe me entrega um iPad com um sorriso enigmático.— Bom dia, Damien. — Há algo entre diversão e cur
Ofélia é quem deveria estar na matéria, e não eu. Essa frase martela na minha mente enquanto fecho a aba da página de fofocas. O brilho da tela parece zombar de mim, enquanto as mensagens continuam a chegar sem cessar. Ana, sempre curiosa, já tinha me confrontado mais cedo:— Como você se sente caindo na graça de Damien Carter? — perguntou, com um tom que oscilava entre provocação e genuíno interesse.Eu apenas dei de ombros na hora, mas a verdade era que eu não sabia como me sentia. Parte de mim, talvez uma parte que eu relutava em admitir, gostava da ideia de finalmente roubar o brilho que sempre pertenceu à Ofélia. Pela primeira vez, ela não era o centro de algo.Mas essa pequena satisfação veio acompanhada de um gosto amargo. Ser observada, analisada, colocada sob holofotes que nunca pedi... era sufocante.Tentei me concentrar no trabalho. O restaurante estava calmo naquele horário, e a vista do jardim do lado de fora sempre me ajudava a encontrar equilíbrio. O lago artificial, ce
— Ainda acho que é uma péssima ideia, Easton. — Rhianon disse enquanto ajustava o último detalhe no buquê de tulipas amarelas. Seus olhos precisos varreram minhas feições, analisando cada detalhe como se pudesse decifrar meus pensamentos. — Você deveria contar-lhe a verdade.Soltei um suspiro pesado, fechando os olhos por alguns segundos. A verdade, é claro, parecia a escolha mais lógica. Mas era também a mais arriscada. Desde que Olívia voltou para casa, parecia uma sombra do que era antes. Mesmo se eu quisesse, como poderia jogar mais peso sobre ela? E se ela não se lembrasse de quem eu era? Pior ainda, e se ela não quisesse lembrar?— Não é tão simples assim, Rhianon. — Minha voz saiu mais firme do que eu esperava. — Ela esqueceu tudo. "Alguém Ninguém" não significa nada para ela agora.Rhianon bufou, cruzando os braços.— Esqueceu porque foi traumatizada, Easton. E você decidiu que esconder quem você realmente é vai ajudá-la?Olhei para minha irmã, tentando ignorar a pontada de cu
“Você não é tão interessante como pensa que é.”Olívia acha mesmo que pode tirar esse tipo de conclusão sobre mim? Eu sou Damien Carter, um homem de negócios com qualificações impecáveis, respeitado no meu ramo. É claro que sou interessante o suficiente para qualquer um. Ela só disse isso para me provocar.Respiro fundo, encarando a fachada do The Royal Club. Detesto frequentar esse lugar. Easton e Ethan estão sempre por aqui, e a ideia de cruzar com eles é desgastante. Mas meus amigos insistiram em passar o domingo no Velvet Lounge, então aqui estou. Saio do carro e ajusto a postura antes de entrar, como se estivesse prestes a enfrentar uma batalha.Ainda não consigo tirar Olívia Montenegro da cabeça. Ela é teimosa, difícil, obstinada. Tão diferente de Ofélia, sua irmã gêmea, que sabe como aceitar as coisas sem questionar. Mas, no fundo, percebo que essas comparações não levam a nada. Olívia não facilita minha vida, mas é inegável que sua ousadia me intriga, mesmo quando irrita.O el